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Em meio a grades e muros sólidos, tons coloridos embelezam as paredes de um pavilhão. Cores fortes, assim como as maquiagens que reavivam a autoestima do corpo e da alma. O clima tenso, em muitos momentos, cede espaço à esperança de sentir e viver a liberdade de novo, junto ao povo do lado de fora da prisão. Neste mesmo pavilhão, reenducandos pagam pelos crimes cometidos, mas não se sentem presos para discutir seus direitos e pedir respeito. Autodeclarados homossexuais, detentos vivem em um espaço exclusivo para o público LGBT; com uma representatividade além de uma simples estrutura física, a área reservada simboliza um marco, segundo os reeducandos, no sistema carcerário pernambucano. 

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Dos 22 anos de *Karina, seis são de reclusão. Feriu as regras da sociedade e, conforme o próprio discurso, paga merecidamente pelos erros cometidos. Há três anos, acompanhou o início da política LGBT no Presídio de Igarassu (PIG) – penitenciária masculina -, na Região Metropolitana do Recife, onde foi construído um pavilhão direcionado a homossexuais. Karina é homossexual e afirma que o pavilhão resultou em inúmeros benefícios, sendo o principal deles a diminuição da violência contra presidiários gays. 

“Posso falar pelo antes e pelo presente. No início foi construída só a estrutura física, mas faltavam oportunidades de estudo e trabalho. Os direitos não eram iguais e antes desta gestão éramos discriminados porque somos homossexuais. Pelo simples fato de sermos gays, perdíamos a razão. Era um inferno este lugar, às vezes a gente apanhava, algumas meninas que já saíram do presídio sofreram até agressões físicas e sexuais! Mas nesta nova gestão, ganhamos a chance de fazer cursos e trabalhar, porque um dia poderemos voltar para a rua e não queremos cometer crime. Hoje, não sofremos violência, temos a nossa privacidade. Os outros presos nos respeitam”, relata Karina, em entrevista ao LeiaJá.

Karina reitera que ela e suas companheiras de prisão precisam ser respeitadas pelas escolhas de gênero. Por outro lado, de acordo com ela, a opção sexual não pode impedir punição quando alguém infringir as normas do presídio. “Nós erramos na sociedade, mas agora estamos pagando pelos erros. E aqui dentro da unidade prisional, o respeito começa por nós. Sabemos que alguns homens são homofóbicos, mas aqui não existe mais isso; a gente sofria perseguição, conspiração, mas o PIG tem combatido tudo isso. Quando nós do pavilhão LGBT erramos, precisamos pagar”, comenta a reeducanda.

Segundo *Priscila, que há cerca de três meses cumpre pena no PIG, o pavilhão LGBT é um espaço que contribui para o processo de ressocialização. Ela conta que já passou por outras cadeias, como o Complexo do Curado, no Recife. Nessas experiências, afirma que sofreu violência por ser homossexual. “Passei por alguns problemas, mas hoje, aqui em Igarassu, está tudo muito tranquilo. Aqui tem respeito, ninguém apronta com a gente”, fala a reeducanda de 28 anos.

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Seres garante inclusão

De acordo com diretor do Presídio de Igarassu, Charles Belarmino, nenhum presidiário, mesmo autodeclarado homossexual, é obrigado a cumprir pena no pavilhão LGBT; ele é orientado a viver nesse espaço, mas possui o direito de circular entre os demais presidiários. O gestor explica que, a partir do momento em que um reeducando homossexual chega à unidade, ele pode solicitar à direção ficar no espaço exclusivo. Os demais presos que não pertencem a esse grupo não podem viver no pavilhão LGBT.

“Existem alguns presos que passam por problemas em outros presídios e são enviados aqui para Igarassu, porque somos referência. Acolhemos esse pessoal, hoje estudam e trabalham aqui na unidade. No pavilhão tem acompanhamento médico e psicológico, existe todo um aparato. Muitos presos que chegam aqui não dizem que são homossexuais e, quando têm conhecimento sobre o pavilhão, pedem para ficar nele”, detalha. 

“Qualquer reeducando do pavilhão LGBT tem acesso aos outros espaços e são respeitados hoje em dia. Não existe homofobia aqui. Acolhemos o pessoal e praticamos a ressocialização”, complementa Belarmino. “Também são permitidas as visitas íntimas com namorados, maridos ou qualquer companheiro, assim como ocorrem as visitas íntimas dos demais presos”, finaliza. Ao todo, 16 detentos vivem no pavilhão LGBT do PIG. 

Segundo a psicóloga do Presídio de Igarassu, Sandra Alaíde Souza, o pavilhão LGBT e principalmente a disseminação do respeito entre a população carcerária contribuem para a valorização pessoal dos reeducandos. “A gente trata a população carcerária sem discriminação e assim eles se sentem mais aceitos. Você ser aceito pela sua sexualidade é difícil lá fora, imagine em um presídio? Aqui eles conseguem ser eles próprios, não precisam colocar máscaras, são respeitados em qualquer momento. Quando saem do pavilhão LGBT e vão para outros grupos eles não são discriminados e isso é muito bom”, comenta a psicóloga.

O secretário executivo Cícero Rodrigues, da Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres) em Pernambuco, explica que a criação de pavilhões e celas para o público LGBT ocorreu em outras gestões. O motivo: as constantes agressões – físicas e sexuais - sofridas pelos reeducandos homossexuais em decorrência da violência cometida pelos demais presidiários. Segundo o gestor, após a política de combate à homofobia no sistema carcerário do Estado, os casos de agressão caíram consideravelmente; ainda não há um levantamento com números concretos, mas o gestor garante que o público LGBT hoje é tratado com mais respeito nos presídios do Estado.

“Têm diminuído (agressões), é evidente que a gente tem ainda alguns casos, porque a homofobia existe em todos os lugares. Mas em termos gerais, a violência contra o público LGBT caiu bastante, estamos trabalhando para inibir situações de violência. Além dos pavilhões e celas, o sistema realiza inúmeras palestras, sendo o público LGBT um dos assuntos, para que a população carcerária trate os companheiros normalmente. É um caminho que encontramos para diminuir o preconceito”, garante Rodrigues.

O gestor também reforça que a ideia não é segregar, justamente porque os reeducandos do pavilhão LGBT podem circular pelos outros setores das unidades prisionais. A proposta é fomentar a boa convivência e principalmente o respeito. De acordo com a Seres, existem cerca de 130 detentos autodeclarados homossexuais no sistema carcerário de Pernambuco e oito unidades prisionais possuem pavilhões ou celas exclusivas para os grupos LGBT. Cícero Rodrigues revelou, em entrevista ao LeiaJá, que o Estado pretende ampliar esses espaços.

“Nós temos um planejamento para que a gente possa colocar nas unidades prisionais mais pavilhões. A demanda surge a partir da situação que o reeducando se autodeclara; não adianta construir pavilhões sem os detentos homossexuais se autodeclararem, porque os espaços nas unidades prisionais são muito reduzidos. Qualquer unidade prisional poderá receber ter um pavilhão LGBT”, declara o secretário, que preferiu não cravar quais presídios estão mais próximos de receber os espaços exclusivos.

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