Quando a cineasta Anna Muylaert virou mãe há alguns anos, seus sentimentos entraram em conflito com os costumes do Brasil e a levaram a questionar porque é normal contratar mulheres para que criem seus filhos. Seu mais recente filme, "Que horas ela volta?", abre o debate com a história de Val, uma empregada doméstica que deixou sua cidade para ganhar a vida trabalhando para uma rica família de São Paulo.
Val, interpretada pela atriz Regina Casé, cuida como se fosse seu filho de Fabinho (Michel Joelsas), a criança da casa. E este, de forma natural, acaba gostando mais dela do que da mulher que lhe deu a vida. A cumplicidade da dupla é tão forte que Bárbara (Karine Teles), a dona da casa, não consegue fazer nada contra as palavras e gestos que trocam entre si.
##RECOMENDA##"Acredito que esta sinergia descreve muito sobre a natureza da nossa cultura", assegurou Muylaert, nascida em 1964 em São Paulo, em entrevista à AFP. "Uma cultura muito classista", enfatizou.
Tudo é posto em cheque quando entra em cena Jéssica (Camila Márdila), a filha que Val deixou aos cuidados de sua família para oferecer a ela um futuro melhor quando ela ainda era muito pequena. A jovem, prestes a entrar na faculdade, rejeita as diferenças sociais e discute o destino que sua mãe escolheu para a própria família.
O filme estreia nesta sexta-feira (28) nas salas independentes dos Estados Unidos, um dia depois da grande estreia nos cinemas brasileiros, onde gera grande expectativa pelo sucesso que tem feito no exterior. "Que Horas Ela Volta?" ganhou este ano o Prêmio Especial do Júri do Festival de Sundance por suas duas protagonistas, bem como dois prêmios na Berlinale para Muylaert.
A cineasta, também conhecida pelo filme "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias" (2006) e "É Proibido Fumar" (2009), espera que sua nova obra contribua para "discutir, criar um debate e mudar as coisas" no Brasil, onde as tradições estão profundamente enraizadas entre os seus mais de 200 milhões de habitantes.
"Levei muito tempo para crer que o país já está suficientemente maduro para resolver esta questão de forma adequada", disse ela, "porque todo mundo no Brasil tem uma opinião sobre isso". No total, foram necessários 10 anos para completar o roteiro, sempre procurando as palavras e gestos que visualizava em sua cabeça.
A resposta do público brasileiro é uma incógnita para a diretora, porque, em sua opinião, é difícil prever até que ponto os cidadãos brasileiros estão dispostos a enfrentar a realidade. "Se você nasceu no lado da cozinha, reagirá de uma maneira. Se você nasceu no lado da sala, será uma reação completamente diferente", prevê. "Em qualquer caso, quis mostrar as coisas de forma que as pessoas possam vê-las e falar sobre eles", reiterou.