Gustavo Krause

Gustavo Krause

Livre Pensar

Perfil: Professor Titular da Cadeira de Legislação Tributaria, é ex-ministro de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, no Governo Fernando Henrique, e da fazenda no Governo Itamar Franco, além de já ter ocupado diversos cargos públicos em Pernambuco, onde já foi prefeito da Capital e Governador do Estado.

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O consumismo na política

Gustavo Krause, | seg, 27/05/2013 - 14:23
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Para a natureza humana, consumir é um ato prosaico e indispensável para a sobrevivência da espécie. Que o diga o oxigênio e a água, hoje, nem tão puros, nem tão abundantes; ou o pão e o leite que, outrora, chegavam cedinho na casa dos consumidores.

Para a economia, o consumo é um agregado macroeconômico que se forma a partir da decisão dos indivíduos que, por preferências racionais ou estímulos emocionais, buscam a satisfação de necessidades reais ou artificiais, observadas, em princípio, as leis da oferta e da procura.

Na atualidade, esta definição foi pro espaço; nem toda sociedade, atesta a história, se confunde com o consumo, parte do todo, mas a sociedade contemporânea é, por excelência, a sociedade do consumo, ou seja, nela, a parte tomou conta do todo.

Neste sentido, o sociólogo polonês Zygmunt Baumann, faz a distinção: “A sociedade dos nossos predecessores era, na sua fase industrial, uma ‘sociedade de produtores’ (....) A maneira como a sociedade atual molda seus membros é ditada primeiro e acima de tudo pelo dever de desempenhar o papel de consumidor”. A diferença é profunda: numa se consome para viver, noutra se vive para consumir. 

No entanto, as diferenças não param por aí. Na sociedade da produção, as relações eram mais sólidas e seguras; na sociedade do consumo, são líquidas e fluídas; na sociedade da produção se apostava na durabilidade do longo prazo; na sociedade do consumo, reina a cultura “agorista”, o tempo é o instante do desejo satisfeito, imediatamente substituído por uma avalanche de desejos sempre intensos, crescentes e insaciáveis. Ansioso e apressado, exagerado e perdulário, o consumista descarta e substitui o bem que, para ele, já nasce um quase-lixo. Nesta “esteira hedonista”, surge o traço mais grave da louca aventura do consumo: sujeito e objeto se fundem e fazem nascer o ser-mercadoria. Nós somos mercadorias, comandados pela índole social do “compro, logo existo”, ou dos imperativos: está de mal com você e com a vida? Então, coma! Está depressivo? Então deseje o desejo, indo ao próximo Shopping Center!

Ao gerar o ser-mercadoria e o cidadão acrítico que engole o espetáculo da imagem sob o comando da propaganda, o consumismo nos transforma em marqueteiros de nós mesmos. Do mais simples profissional liberal ao mais famoso pop star, torna-se imprescindível ser visto e projetar a imagem que o “mercado” compre porque é assim que funciona o espetáculo da vida moderna. A invisibilidade equivale à morte em todas as esferas das relações sociais.

Na política não é diferente: idéias e valores foram trocados pela “persona”, máscara, imagem-produto. O ponto de partida é a fixação da imagem junto ao público. Imagem é “marca”; candidato é “produto”, tal qual um biscoito ou um dentifrício, que pode ser “vendido” no “mercado político” cuja “moeda” de troca é o voto.

Desta forma, o político assume o personagem em cuja pele se meteu. O que passa a valer é a produção de símbolos e mitos. E não importa sua relação com a realidade e muito menos que o político se torne escravo do mito. O importante é fazer o público acreditar. O mito se basta. 

Entre ser e parecer, a opção é parecer. Hannah Arendt, em Da Mentira em Política, ensina: “A política é feita, em parte, da fabricação de certa ‘imagem’ e, em parte, da arte de levar a acreditar na realidade dessa imagem”.

Com efeito, a arte de mentir, apoiada na indústria do marketing, registrou feitos notáveis na recente história política do Brasil. 

Vem daí um dos grandes males da democracia que é sua deformação em “teatrocracia”, oferecendo ilusão ao distraído público. O remédio para o consumismo político está na formação de uma cidadania crítica e participava. Aliás, com a autoridade de quem exerceu a vida pública sem fazer a mínima concessão ao primado do embuste segundo o qual “o que parece é, mesmo não sendo”, o Senador Marco Maciel, em excelente artigo publicado no JC (edição de 05/02/09, sob o título Os males da democracia) afirma: “A democracia participativa não é uma utopia e menos ainda uma aspiração inalcançável. Só depende de nós. Enquanto tivermos ojeriza aos partidos, desprezo pelas instituições que nos governam, desinteresse pelos assuntos que nos dizem respeito e aversão à política, corremos o risco de, na guerra dos interesses, tornarmo-nos reféns de pressões legítimas ou espúrias que se aproveitam da omissão dos cidadãos, do compromisso de alguns e da alienação de muitos. Na era da informação, todos nós temos recursos, instrumentos e meios para mantermo-nos informados sobre o desempenho dos nossos representantes em nossas cidades, em nossos Estados e no Congresso Nacional”. 

Trocando em miúdos: em economia, o cidadão consumista compra gato por lebre e paga, sozinho, pelo erro; em política, o eleitor consumista elege rato por lebre. Aí todos pagam.

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