Tudo começou, indicam pesquisas abalizadas, entre os anos de 1830 e 1860. Neste período, existiam mais de setenta equipes inglesas de futebol com regras específicas para cada local.
Somente em 1863, após um encontro (Freemason’s Tavern) de representantes de clubes e escolas, foram criadas a Football Association e um comitêcom a tarefa de uniformizar as regras, como, de fato, foram (14) e tornadas públicas na edição de 08 de dezembro de 1863 do jornal Bell Life.
No dia 21 de maio de 1904, por obra e graça de quatro amigos, veio ao mundo um bebê–a FIFA –predestinado a crescer sem parar atése tornar um monstro do tamanho do mundo. Entre eles estavam o primeiro presidente, Robert Guérin, e o mais longevo presidente, Jules Rimet, (1921-1954), seguido por Stanley Rous (1961-1974), Havelange (1974-1998), Blatter (1998-2015), e os sete países fundadores (Bélgica, Dinamarca, Espanha, Holanda, Suécia, Suíça e Alemanha). Curiosamente, uma reticente Inglaterra aderiu em 1906. Em 107 anos de existência a Fifa foi comandada por, apenas, oito presidentes.
Sem limitações para alternância e um crescimento monumental de poder, a “bola” seria, inevitavelmente, o caminho da perdição.
Com efeito, o ponto de inflexão foi a década de 70. Havelange marcou o golaço da globalização. A pequenina FIFA instalada no modesto escritório em Zurique e tocada por 12 funcionários, hoje gasta, US$ 397 milhões com 474 funcionários.
Com desmedido orgulho, Havelange se referia àFIFA como a maior multinacional do mundo, proclamando números espetaculares: 210 países filiados (mais que a ONU), mais de 300 mil clubes, cerca de 150 milhões de jogadores, mais de 500 milhões de pessoas vivendo direta e indiretamente do futebol.
De organizadora e gestora, a FIFA passou a ser dona e mandona do maior espetáculo da terra, um negócio planetário com audiência acumulada que oscila entre 30 a 40 bilhões de telespectadores (saltou de 5 bilhões na Copa de 1982 para 37 bilhões na Copa de 1994). Do casamento do futebol com a televisão, disse Havelange a Blatter: “Vocêcriou um monstro”. Juro que não entendi.
Agora, o mais importante: o tamanho da grana que rola solta noabarrotado cofre da FIFA. Em 2008, diziam os gestores que a reserva da entidade era zero. Como me considero neto da velhinha de Taubaté, acredito em milagre. Vamos a ele.
De 2011 a 2014, o relatório da FIFA registra um recorde de receita no valor de US$6,4 bilhões e uma reserva US$1,5 bilhão. Pudera, a Copa de 2014, a mais cara da história, ultrapassou a soma das Copas do Japão/Coreia, da Alemanha e da África do Sul.
Das fontes permanentes de receita, a FIFA conta com 14 patrocinadores classificados em três faixas de valores: seis parceiros (pagam entre US$24 a US$49 milhões) cujas marcas são exibidas em todos os eventos organizados pela entidade; oito patrocinadores (pagam entre US$10 e US$25 milhões), as marcas são exibidas nas Copas do Mundo e das Confederações; apoiadores nacionais (pagam entre US$4,5 e U$7,5 milhões), as marcas são exibidas no país sede (foram oito na Copa de 2014).
Um erro fatal detonou o escândalo da roubalheira: os espertalhões esnobaram os EUA e brincaram com o fisco americano. Aílascou.
A rigor, não hásurpresa. Em excelente artigo (edição de 5 de junho do JC), o Professor Tulio Velho Barreto mencionou quatro livros cujo enredo éo lado sujo do futebol.
De outra parte, poder e corrupção, ensina a experiência histórica, são irmãos; quanto maior, poder e corrupção passam a ser irmão siameses; e quando o poder éexercido sem obedecer aos controles institucionais, poder e corrupção se fundem numa entidade maligna.
Caso o triste episódio da colossal roubalheira não puna exemplarmente os culpados e introduza na entidade eficazes mecanismos de controle e responsabilização, restarão a conhecida lição de Lord Acton“o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”; e uma lamentável conclusão: o Brasil incorporou o padrão FIFA.