Gustavo Krause

Gustavo Krause

Livre Pensar

Perfil: Professor Titular da Cadeira de Legislação Tributaria, é ex-ministro de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, no Governo Fernando Henrique, e da fazenda no Governo Itamar Franco, além de já ter ocupado diversos cargos públicos em Pernambuco, onde já foi prefeito da Capital e Governador do Estado.

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O Impeachment da Zika

Gustavo Krause, | seg, 14/12/2015 - 19:14
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A epidemia da microcefalia atingiu uma parcela considerável dos políticos brasileiros. A atrofia deixou duas sequelas desconhecidas pela ciência: a indecência e a falta de vergonha.

Com efeito, a sucessão de episódios que, a cada dia, estarrece a nação, transformou a evidência empírica em evidência científica. Do pixuleco recebido por Maurício Marinho, ex-funcionário dos Correios, à voz acusadora do sofrível barítono, o então deputado Roberto Jefferson, edição da Folha, de 06/6/05, aconteceu, na década, de um tudo em matéria de crimes contra o patrimônio público.

Tudo não éexagero: étudo mesmo e mais alguma coisa que a gente não perde por esperar. A crônica da política brasileira passou a ser uma espécie de diário espetacular, sobre uma corrupção profundamente entranhada nas relações promíscuas entre instituições governamentais e organizações empresariais, movidas pela fome canina da patifaria contagiosa e tentacular. Do mensalãoao petrolão, as tenebrosas transações não têm paradeiro.

Numa sequência novelesca, os capítulos do seriado deixam o cidadão brasileiro chocado e, que émais grave, descrente em relação ao futuro do Brasil, exatamente em dezembro, mês tradicional de luzes e celebrações, ofuscado pelas sombras da incerteza.

Dois atores sobem ao ringue, Dilma X Cunha, e se engalfinham em mútuas acusações de chantagem (ambos têm razão) como se o nosso destino se reduzisse a rinha vulgar do vai haver ou não vai haver impeachment? E nenhuma responsabilidade com o que virádepois.

O povo brasileiro não merece pagar a pena do retrocesso, embora, caiba registrar que os representantes que aíestão não vieram de Plutão: emergiram de um processo democrático e somente o processo democrático pode responder pela saída da crise.

De fato, a sociedade brasileira vem construindo a duras penas os pilares que dão suporte às nações prósperas. Um amplo consenso social viabilizou a democracia política e a estabilidade econômica que, apesar das distorções, assegurou a eleição de um respeitável acadêmico; levou ao poder um operário, ex-retirante, líder popular, o sapo barbudo, transformado em ícone da alta burguesia, no "Midas" da política brasileira a ponto de eleger a primeira mulher como Presidente do Brasil. Na verdade, "grandes feitos/malfeitos" seriamente ameaçados de irremediável condenação pelo tribunal da História.

Pois bem, esta mesma sociedade viu chegar àPresidência do Supremo Tribunal Federal, o primeiro negro, de origem humílima queenfrentou e venceu a impunidade dos poderosos. Joaquim Barbosa deixou o exemplo, a mais poderosa fonte de pedagogia cívica, que penetrou a Magistratura, o Ministério Público e se reproduz no destemor e no respeito àlegalidade do Juiz Sérgio Moro que, por sua vez, consolida a digna missão da Justiça de fazer valer o primado da lei no tão almejado Estado Democrático de Direito.

Neste sentido, o que parecia impossível aconteceu: a miscigenação da população carcerária, antes privativa de pretos, pobres e putas. E, assim, vai se construindo outro pilar que sustenta as grandes nações: a ética pública.

Neste ponto, discordo da afirmação de que as instituições estão funcionando. É meia verdade. O Governo não funciona porque sequer existe; o Congresso éuma lástima. Ambos buscaram acordos espúrios para salvar os seus chefes de julgamentos que podem levar àperda dos respectivos mandatos o que ratificaria as barganhas feitas a céu aberto do toma ládácá”, usando o santo nomeda governabilidade.

Agora, o jogo estájogado. Ou ata ou desata. A voz das ruas se imporá à conta rasteira dos votos. Tanto numa hipótese como na outra, o cenário desejável é um governo de salvação nacional. Com Dilma? Falta-lhe aptidão para unir. Com Temer? Uma grande interrogação. Difícil enxergar o sinal de um caminho iluminado. O Brasil seguirádividido. Radicalizado. E, no meio do caminho, a Lava Jato continuará assustando consciências pesadas e investigando personagens suspeitos.

Outra década perdida? Mais uma geração sacrificada? Enquanto não chegam as respostas, vamos àluta para eliminar os mosquitos, rebentos da imundície, e decretar o impeachment da Zica, uma vergonha nacional, ameaçando com sequelas irrecuperáveis, vidas inocentes abrigadas no ventre aflito das mães brasileiras.

 

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