Os vermes ocupam um lugar de destaque na literatura, na zoologia, na medicina e na política.
A obra-prima de “O gênio brasileiro”, (subtítulo da consistente biografia escrita por Daniel Piza sobre Machado de Assis, único brasileiro arrolado por Harold Bloom entre os 100 gênios da literatura universal), Memórias Póstumas de Brás Cubas, foi dedicada ao verme pelo próprio defunto/personagem/narrador: “Ao verme que primeiro roeuas frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas”.
Augusto dos Anjos, taciturno poeta de lúgubre contundência, tem um poema psicografado por Chico Xavier, intitulado “Homem-Verme”, cuja aterradora estrofe final proclama: “Em quase tudo, o pântano terrível/de lodo e lama, em sombra e vilipêndios/atestando a vitória do homem-verme”. Na mesma linha, a poesia científica do grande paraibano, inspirada no evolucionismo spenceriano, reflete a estética da angústia e do materialismo filosófico, ao saudar o verme como um “operário de ruínas”e ao dedicar o poema “Deus-Verme”a quem ele define como “Fator universal do transformismo/ Filho da teleológica matéria/Na superabundância ou na miséria/Verme –éo seu nome obscuro de batismo (...) Janta hidrópicos e rói vísceras magras”.
Um dos conceitos modernos da física, desenvolvido por John Guth, chama-se, quem diria, O buraco do verme. Trata-se de uma teoria segundo a qual o tecido do espaço e do tempo no universo érasgado por perfurações da dimensão de um átomo, sob a forma de túnel, possibilitando viagens instantâneas ao futuro e ao passado. O autor desta proeza revolucionária, capaz de revogar a noção tradicional de tempo e espaço, éninguém mais, ninguém menos do que um verme, agindo tal qual um tapuruzinho no interior de uma maçã.
Na zoologia, verme éa designação genérica de um bichinho sem vértebras e articulações que corrói os cadáveres nas sepulturas; na medicina, é, também, uma designação genérica do agente responsável por várias enfermidades de nomes complicados como dirofilariose (verme do coração), ascaridíase (lombriga), ancilostomose (amarelão), oxiuríase, tricuríase, teníase (solitária).
Independente da espécie e dos sintomas das patologias causadas, os vermes têm duas características comuns: alojam-se no interior dos organismos (quase sempre nos intestinos); minam e sugam as forças das vítimas podendo levar àdebilidade extrema, seguida de morte.
Em política, existem dois tipos de animais: o animal político, por excelência, que exerce a atividade por vocação e faz dela missão a partir da pluralidade e das diferenças entre os homens; busca o sentido transformador da política, o seu valor finalístico que pode variar (para Hannah Arendt éa liberdade), mas que terásempre uma razão teleológica; o outro animal éo verme humano, aquele bípede que não vive para a política, vive da política, mais particularmente, da fruição imoral do poder.
Neste sentido, em nada diferem dos seus correspondentes invertebrados e parasitários. Como eles, aninham-se nas entranhas do poder e, roedores que são, alimentam-se de suas carnes e da seiva que move as máquinas, sejam públicas ou privadas: o dinheiro.
O verme político nem sempre évisto a olho nu, ou seja, não éum ser macroscópico. Muitas vezes, éum ser microscópico. Passa despercebido; disfarça bem as características dos gusanos atéque põe suas unhas de fora (unhas, não, eles não têm unhas, têm uma espécie de ventosas grudadas na fonte dos nutrientes), põe suas ventosas de fora quando chegam ao ambiente miasmático do poder. Tornam-se visíveis; crescem; engordam para cima e para os lados, porém continuam vermes, bichinhos de fome insaciável e de difícil tratamento.
Claro que, antes de se tornar visível, dápara perceber o verme em formação: eles têm o faro das conveniências; o discurso de ocasião, grandiloquente e meloso; a prática da esperteza e a disposição servil para as mil e umas utilidades do velho bombril. Tudo bem dosado para assegurar a conquista triunfante dos nacos de poder. E uma vez no poder, se lambuzam, descaradamente, no lodo da pilantragem e da corrupção.
O tratamento édifícil; a cura, impossível. Não hápolítica sem grandes homens convivendo com homúnculos que atuam como os vermes da vida animal.
De fato, não hácomo eliminar a verminose na política. Não hávacinas, nem vermífugos que erradiquem a doença. Mas épossível combater e reduzir a peste com a terapia oferecida pela democracia: informação acessível, consciência cidadãampliada, voto criterioso (não abrir mão desta arma) e o controle social exercido pelas instituições e pela pressão da opinião pública.
Em 2016, o eleitor terámais uma oportunidade para aplicar boa dose de vermicida ao organismo da política brasileira.