Pintada em uma parede, perto da Secretaria de Políticas para as Mulheres, no centro do Rio, a face colorida de uma mulher de lábios carnudos e lágrimas de sangue atrai o olhar: nos cabelos, aparece a palavra, "Denuncie!". "Todos os dias, muitas mulheres morrem vítimas da violência doméstica no mundo", relata à AFP a grafiteira feminista Anarkia Boladona, autora da obra.
Aos 31 anos, ela já perdeu a conta de quanto graffitis de cores fortes pintou pelo mundo, mas todos "buscam conscientizar as mulheres de que não são propriedade do homem", conta ela, que em 2010 criou a rede "Nami", de artistas feministas urbanos.
"Usamos a arte como uma arma pacífica e um instrumento de transformação cultural na luta contra o machismo", diz a jovem, de olhos expressivos e cabelos longos.
Nascida e criada no bairro da Penha, subúrbio carioca, Boladona, cujo nome de batismo é Panmela Castro, foi incluída em 2012 na lista das "150 mulheres que movem o mundo", criada pela revista Newsweek, onde também aparece a presidente Dilma Rousseff.
"Estudei Belas Artes, mas me parecia fictício, com regras demais. Foi na rua, com os graffitis, que encontrei minha liberdade. Gosto do lado efêmero da obra. Escolho o muro, faço meu desenho com meus personagens e o deixo aos demais. A rua decide, interage", explica.
Considerada a rainha do graffiti brasileiro, Boladona recebeu vários prêmios internacionais por trabalhos em 20 cidades, como Toronto, Berlim, Istambul, Johannesburgo, Washington, Nova York, Lisboa, Bogotá e Praga. Nesta sexta-feira, Dia Internacional da Mulher, ela participará de uma mesa redonda sobre a violência doméstica na sede da ONU, em Nova York.
No Rio, a artista organizou uma grande exposição na Barra da Tijuca, bairro de classe média na zona oeste da cidade, e os ativistas da rede Nami farão neste 8 de março um grande mural na parede de uma escola.
Boladona conta ter recebido uma "educação rígida e conservadora" e que se libertou das amarras familiares "de um pai ignorante e sexista" escrevendo, na adolescência, a palavra "anarquia" nos muros do Rio.
Na época, "eu era rebelde e ficava chateada com frequência, por isso me chamo 'Boladona'", diz, admitindo que atualmente é bastante tranquila.
Com sua rede Nami, Anarkia Boladona trabalha "in situ" em dezenas de favelas cariocas "para abrir os olhos das mulheres sobre seus direitos". Para ela, o primeiro passo é "denunciar a violência de que é vítima (a mulher), e não só a violência física, mas também a psicológica".
Por isso, costuma adicionar a seus graffitis a mensagem "Ligue 180", número de telefone para ajudar às mulheres vítimas da violência doméstica no Brasil.
"Desde a primeira bofetada se deve ligar 180 e, sobretudo, não voltar atrás", diz à AFP Silvia, de 58 anos, ao passar em frente a uma das obras de Anarkia Boladona.
"Eu sei do que estou falando, mas eu estava bem informada, conhecia os meus direitos", conta, antes de se aproximar para cumprimentar a artista. "Eu te conheci pessoalmente, agora estou feliz!", diz.
Para denunciar o agressor, a mulher precisa se libertar e este é um longo caminho, afirma Anarkia, que com sua rede Nami ensina às mulheres seus direitos através de curtas peças de teatro. Depois as convida para que se expressem com pintura em aerossol nas paredes da favela.
Há dois anos, Anarkia Boladona começou a fazer uma tatuagem no corpo. Consultada pela AFP sobre a natureza permanente das tatuagens em comparação com a efemeridade do graffiti, a artista responde: "Esta é a outra maneira de me expressar. Minha mãe não queria, mas agora eu faço o que quero".