Tópicos | BDSM

Entre os casarões que ocupam uma rua pouco movimentada do bairro da Boa Vista, área central do Recife, uma luz vermelha ao fundo sinaliza que há um estabelecimento. Prezando pelo formato discreto, o local não dispõe de letreiros ou indicações que ali funciona o único bar fetichista do Nordeste. O Nyx Bar, que existe há pouco mais de um ano, é um espaço para pessoas que querem realizar práticas do BDSM (bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo), mas também para 'baunilha', nomenclatura destinada para quem não é praticante, ou mais underground, a depender da programação.

À frente do negócio está Paula Nyx, também proprietária da loja de acessórios em couro e sintético, Nyx Fetiches, que ocupa a entrada do duplex onde funciona o bar. Flogger, coleiras, harness, máscaras, entre outras peças são confeccionadas à mão por Paula, que é praticante de BDSM há mais de dez anos. Ao LeiaJá, ela conta que o bar surgiu da necessidade em ter um espaço onde praticar BDSM.

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“Eu sou do interior [de Pernambuco], então lá, sentia essa necessidade de pessoas para interagir, para praticar [BDSM]. Quando eu vim para Recife, em 2015, eu encontrei essas pessoas, mas não encontrava lugar, a gente não tinha um lugar. Eu sempre fui artesã, confeccionava meus próprios acessórios e as amigas começaram a ver, gostar e pedir que eu fizesse para elas. A partir disso, eu comecei a comercializar no meio [BDSM], mas sempre com essa necessidade de um lugar para praticar”.

Paula Nyx, proprietária do bar. Foto: Elaine Guimarães/LeiaJáImagens

A maioria dos encontros da comunidade, de acordo com Paula, era realizado em bares ou restaurantes “normais” antes da abertura do bar. “O pessoal, nesses lugares, olhava para a gente meio assim. Então, eu comecei a alimentar essa vontade de poder proporcionar isso para o pessoal do BDSM, um lugar para a gente ficar à vontade. Amo muito a questão de você ter a liberdade de você viver o quer”, frisa. A primeira festa do Nyx foi em outubro de 2021, mas não marcou a abertura do estabelecimento. O que só veio a acontecer no início de 2022.

Localizado em uma área dividida entre residências e pequenos negócios, Paula comenta que muitos vizinhos taxavam o lugar como sendo um "cabaré", mas, com o tempo, estão percebendo que não. Com um público ainda pequeno, o Nyx Bar funciona apenas aos sábados, geralmente, das 20h até às 2h da manhã, horário que pode ser estendido. No entanto, os planos de Paula, com a consolidação do projeto, é que tenha mais dias com o espaço aberto.

Vale tudo?

No último sábado (18), o Nyx Bar promoveu a festa aberta ‘Fetiche-se’, um evento de podolatria, que é o fetiche por pés. A presença no evento foi mediante o nome na lista e pagamento de ingresso no valor de R$ 15, que é uma dinâmica estabelecida pelo espaço. Antes do horário de início, às 21h, aos poucos, os primeiros clientes vão chegando. Eles são membros da comunidade BDSM no Recife e sempre se reúnem antes dos eventos para uma breve apresentação. Organizados em uma roda, eles falam o nome, que nem sempre é o registrado em cartório, idade, há quanto tempo são praticantes do BDSM e usam termos específicos da prática, que segue o princípio SSC - São, seguro e consensual.

Já se aproximando do começo da festa, a música fica mais alta e os clientes/praticantes se acomodam em um outro espaço com um grande sofá preto para acompanhar as ‘Cenas’. No local, há um painel em X, uma barra de contenção, móveis utilizados nas sessões de bondage (chicotadas), e uma gaiola de metal no chão. De forma voluntária, homens e mulheres realizam práticas enquanto os demais frequentadores acompanham a cena.

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Entre o estalar dos chicotes, quase em sua totalidade, na região das nádegas, e gemidos, que de longe não são de dor ou sofrimento, a caixa de som disputa espaço com a plateia que vibra a cada ação. É importante destacar que o bar não permite a entrada de menores de 18 anos, assim como, os clientes não são obrigados a participar da dinâmica e é proibido o consumo de substâncias ilícitas.

Apesar da atmosfera de liberdade, na casa, como na prática, há regras estabelecidas. Uma delas é o uso do celular e os registros em foto e vídeo durante a ‘Cena’ e permanência no local. A proprietária do Nyx Bar, que fica a todo momento em contato direto com os clientes, salienta que o descumprimento de tais regras acarreta uma chamada ou, em casos mais graves, a retirada da pessoa do espaço. “É muito raro isso acontecer, mas, já tivemos uma pessoa que registrou muita coisa no celular e compartilhou no story do Instagram. Ela expôs os outros frequentadores, que prezam muito pela discrição. Vimos e pedimos para que ela apagasse tudo. Ela apagou”, conta.

Uma segunda família

O Nyx Bar tem um público assíduo e fiel. Entre eles está Nath*, que se reconhece BDSM desde a adolescência, e ajudou a proprietária a organizar o local. “Eu ajudei a pintar móveis aqui”, afirmou ao LeiaJá. À reportagem, ela destaca as qualidades e liberdade que existem no local. “Aqui é muito tranquilo, não tem uma briga. Posso me vestir como quero, assim como estou hoje, e sei que ninguém vai mexer comigo, ninguém vai passar a mão em mim, o que não aconteceria, por exemplo, em outro lugar. É aqui que encontro os meus amigos, me divirto e posso ser quem eu sou. É uma segunda família, expõe.

Mesmo com esse sentimento de liberdade, Nath ressalta que a prática ainda não é socialmente aceita. “Querendo ou não, é algo que ainda não é aceito. Agora é que está começando, que tem filmes e as pessoas estão abrindo mais mente para essas coisas. Esse espaço [Nyx Bar], para mim, veio para suprir uma demanda muito grande, porque quando a gente queria fazer uma festa, a gente tinha que alugar um espaço ou então se reunir em locais comuns. Não tinha o que fazer. Era a gente sentado em um bar, conversando, comendo e bebendo”, relembra.

Assim como Nath, Bárbara* é cliente da casa desde a abertura. “Eu já conhecia a dona antes do bar abrir, desde que entrei no meio. Isso tem mais ou menos nove ou dez anos”, comenta. Ao LeiaJá, Bárbara aponta a importância do espaço. "É interassante estar aqui por essa troca. Eu vivia sempre dentro do meu 'canil', com meus 'escravos' e estar aqui é conviver com outras pessoas, é você ter alguém para orientar, coisa que eu não tive no começo, em determinadas práticas. O bar vem trazendo isso, principalmente para os iniciantes na prática [BDSM]". 

*foram usados nomes fictícios para preservar a identidade das entrevistadas

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