O frevo é uma música e dança de origem pernambucana, tombado como Patrimônio Cultural e Imaterial da Humanidade pela Unesco em 2012, além de ser considerado Patrimônio Histórico e Artístico Nacional pelo Iphan desde 2007. E nesta quinta-feira, 14 de setembro, é comemorado o Dia Nacional do Frevo. Tudo isso é muito simples e fácil de dizer. Mas entender de fato o que significa este ritmo "que entra na cabeça, depois toma o corpo e acaba no pé" talvez só seja possível através da experiência de vê-lo numa de suas mais genuínas formas: na rua.
O frevo de rua, aquele tocado pelas orquestras em logradouros do Recife e de Olinda, e dançado por passistas despidos de qualquer pudor e timidez, talvez seja o que mais traduza toda a liberdade contida neste ritmo que ferve. O grupo Brincantes das Ladeiras trabalha, desde 2009, na manutenção dessa modalidade que de tão bela e, ao mesmo tempo, forte, pode ser chamada de arte. O intuito do grupo é reunir amigos e amantes do frevo, de todas as idades, para aulas gratuitas, nas quais se ensina a tradicional dança de forma descontraída e leve.
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Wilson Aguiar, o mestre do passo do Brincantes, tem uma ligação íntima com o ritmo pernambucano, desde que saiu da barriga de sua mãe: "Quando eu nasci, o primeiro passo que eu fiz foi aquele de bicicleta - ficar balançando os pézinhos no ar", brinca. Hoje, 53 anos após o primeiro passo, ele compartilha com os alunos o que aprendeu ao longo de uma vida dedicada ao frevo. Wilson revela ser um pouco difícil explicar a dimensão do significado desta dança, mas tenta resumi-lo: "No frevo é que eu consigo exprimir toda a minha alegria. Naquele momento em que estou fazendo o passo, é o êxtase, é o cume do meu estado mental. Eu consigo traduzir as notas musicais através do passo. Alí eu estou no plano intermediário entre a alegria e a felicidade".
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Maria Flor, também instrutora dos Brincantes, compartilha dessa emoção. Envolvida com diversas linguagens artísticas desde criança, ela diz ter se "encontrado" no frevo: "É um envolvimento forte. Comecei estudando a dança, depois eu quis me aperfeiçoar e entender de fato o que era o frevo, música e dança". Flor, hoje com 27 anos, se dedica a esta arte desde os 14, e o que era apenas paixão, acabou virando profissão - ela ensina o passo, inclusive dando cursos fora do país: "É um amor e um trabalho, existem esses dois momentos na minha vida". E em se tratando de amor, a passista se declara ao ritmo pernambucano: "O frevo é a religião que eu sigo hoje. Ele me educou na música, na dança, no respeito com a sociedade nas manifestações diversas. Ele está tão vivo dentro de mim que não tem nem como mensurar. Como diz o Ferreirinha, o dicionário não teria uma palavra pra definir o que eu sinto quando eu penso em frevo."
O Ferreirinha, mencionado por Maria Flor, é José Ferreira da Silva Irmão. Passista e professor no mesmo grupo, ele tem gravado nas lembranças de infância seus encontros com o frevo indo atrás da centenária troça Pão Duro, mas foi um pouco mais tarde, e por ordem médica, que seus laços com a dança se estreitaram. "A médica do trabalho mandou eu fazer caminhada, mas eu fui e me inscrevi na Escola de Frevo. Hoje, eu danço quase todos os dias". Após se encontrar com os Brincantes das Ladeiras durante a saída de alguns blocos, o passista se integrou ao grupo. Hoje, ao lado de Flor e Wilson, ministra aulas em Olinda e fora do Brasil ensinando o tradicional frevo de rua: "Aqui eu tenho o prazer de dançar com a liberdade que eu tenho. Eu não danço com a sombrinha, eu uso o chapéu, geralmente", explica. Aos 58 anos de idade, Ferreirinha parece também ter se encontrado no passo: "A gente entra na brincadeira sem saber que a brincadeira tem um valor excepcional para os impulsos vitais."
Brincantes das Ladeiras
"Eu, Francis - minha esposa - e outros amigos, percebemos que nas ladeiras de Olinda e nas ruas do Recife, os passistas estavam em menor número. A gente não via quase ninguém fazendo o passo na frente das orquestras", esse foi o mote para que Wilson Aguiar montasse o Brincantes das Ladeiras. Preocupado com a preservação e manutenção dos passos tradicionais e do frevo dançado na rua, ele reuniu os amigos e deram início aos encontros semanais nos quais os interessados na dança, de qualquer idade, podem aprender os passos e, mais do que isso, se divertir de forma espontânea: "Cada um faz o que quer, como quer e como pode. Não adianta ir além do que pode e se lesionar".
Os instrutores do grupo se preparam através de estudos de fisiologia e fisioterapia para evitar que alguém sofra qualquer tipo de lesão. A metodologia é o "frevo convidativo", no qual todos são bem-vindos. As aulas gratuitas começam na primeira semana de agosto e vão até o mês de fevereiro do ano seguinte, sempre às 16h, na Praça Laura Nigro, Sítio Histórico de Olinda, mas o espaço se estende quando passa alguma troça e todos vão atrás colocando o frevo no lugar em que ele transborda, a rua: "Essa foi a forma que nós encontramos de divulgar esta cultura 100% pernambucana, brasileira e mundial. A gente tem que fazer esse patrimônio aparecer.", afirma Wilson.
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Valorização
A brincadeira é divertida e bastante saudável mas, nem só de alegria vive quem escolhe o frevo como missão. A pouca valorização a esta manifestação, relegada ao período carnavalesco, torna difícil o cotidiano de quem vive dela. "Criou-se uma expectativa na sociedade que o frevo é uma coisa do Carnaval. Hoje nós temos cada vez mais compositores, músicos, passistas, pessoas que trabalham o ano inteiro", afirma Maria Flor. A artista acredita que é preciso educar as pessoas para que elas tenham acesso a esta música e dança, algo que deve começar na escola mas, também, ir além: "De que forma você leva o frevo para as pessoas? Pela TV, pelo rádio, os veículos de comunicação precisam ter uma expressão mais forte de frevo. Isso também é uma forma de valorizar os trabalhos que estão sendo feitos agora."
Mesma opinião têm os músicos que tocam o frevo ao longo dos 12 meses do ano. "Viver de frevo é muito bom mas a desvalorização da cultura da gente é muito grande.No Carnaval tem a febre do frevo, mas é só durante aquela semana", lamenta Fernando Carvani, baterista e percussionista de várias orquestras como a do Maestro Forró e a Arruando. Seu colega de profissão e de orquestras, o saxofonista Fábio Andrade, estava na França quando o ritmo ganhou o título de Patrimônio da Humanidade e lembra o que o momento representou: "A gente acreditava que, a partir dali, o frevo ia ser mais tocado. Mas, a gente ainda acredita", confessa. Movidos pelo amor, os músicos apostam nesse sentimento para continuar na missão de levar o frevo adiante. E o trompetista Duda Oliveira deixa o recado: "Como é que a gente vai manter o frevo vivo se ficar só no saudosismo? Tem que tocar no rádio".
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