O Ministério Público Federal (MPF) lançou uma nota, nesta quarta-feira (4), classificando como “inadmissíveis” quaisquer tipo de ameaça, explícitas ou veladas, de violação à autonomia do Supremo Tribunal Federal (STF). A postura do MPF foi exposta um dia depois do comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas, ir ao Twitter dizer que o Exército "se mantém atento às suas missões institucionais" e repudia a impunidade, fazendo referência ao julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na nota, o MPF diz que o tipo de ameaça, além de inadmissível, torna-se mais mais grave se “partem da cúpula de instituições que detêm o monopólio do uso da força armada no País”. A postura do general foi considerada como uma espécie de pressão ao Supremo, inclusive, pela reação de outros generais, como o general Paulo Chagas que declarou estar com “a espada ao lado, a sela equipada, o cavalo trabalhado e aguardo suas ordens".
##RECOMENDA##“A mera cogitação por parte de alguns agentes do Estado e de segmentos da sociedade civil de intervenção militar contra o exercício legítimo da competência judicial pelo Supremo Tribunal Federal revela que a tarefa de consolidação democrática no processo transicional brasileiro não foi concluída”, declara o Ministério Público Federal.
No documento, o MPF também diz que o STF ao decidir sobre o habeas corpus de Lula “não deliberará entre punição ou impunidade, mas sim sobre qual interpretação confere, em última instância, a normas constitucionais sobre os direitos do acusado” e salienta, “essa missão é exclusivamente” do Supremo.
“O Poder Executivo – por qualquer de seus órgãos de cúpula – não pode ameaçar o exercício livre da competência judicial. Um ato de ameaça ao Supremo Tribunal Federal é da mais alta gravidade constitucional e pode caracterizar, em tese, crime de responsabilidade”, crava o texto, lembrando que a sociedade civil pode se manifestar livremente sobre o assunto.
Veja a nota na íntegra:
A democracia se constrói e se fortalece quando todas as instituições respeitam as regras do jogo, a começar pela observância da separação de poderes, nos estritos termos da Constituição Federal. Ameaças explícitas ou veladas de violação à autonomia do Supremo Tribunal Federal por parte do Poder Executivo são inadmissíveis em quaisquer hipóteses. Mais grave se partem da cúpula de instituições que detêm o monopólio do uso da força armada no País.
O Brasil completa em 2018 o trigésimo aniversário da promulgação da Constituição de 1988. Constituição restauradora da ordem democrática, a qual foi abatida em 1964, por um golpe de Estado que deu origem a graves violações aos direitos humanos, ainda mantidas impunes. A mera cogitação por parte de alguns agentes do Estado e de segmentos da sociedade civil de intervenção militar contra o exercício legítimo da competência judicial pelo Supremo Tribunal Federal revela que a tarefa de consolidação democrática no processo transicional brasileiro não foi concluída, até mesmo porque seguem pendentes os acertamentos judiciais de crimes contra a humanidade e reformas institucionais, como reiteradamente já se pronunciaram diversos órgãos e mecanismos das Nações Unidas e do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.
O Supremo Tribunal Federal, ao decidir o Habeas Corpus nº 152752, não deliberará entre punição ou impunidade, mas sim sobre qual interpretação confere, em última instância, a normas constitucionais sobre os direitos do acusado. Essa missão é exclusivamente sua, nos termos do artigo 102 da Constituição. É extremamente saudável que a sociedade civil compreenda e livremente se manifeste, critique e debata a atividade do poder judicial e suas decisões (CF, art. 5º, IV, IX e XXXIII). A liberdade de manifestação protege, inclusive, agentes públicos que, no exercício de sua cidadania privada, se expressem sobre processos judiciais. Todavia, o Poder Executivo – por qualquer de seus órgãos de cúpula – não pode ameaçar o exercício livre da competência judicial. Um ato de ameaça ao Supremo Tribunal Federal é da mais alta gravidade constitucional e pode caracterizar, em tese, crime de responsabilidade (Lei nº 1079/50, art. 6º, 6: São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos poderes legislativo e judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados: usar de violência ou ameaça, para constranger juiz, ou jurado, a proferir ou deixar de proferir despacho, sentença ou voto, ou a fazer ou deixar de fazer ato do seu ofício). Se suposta ameaça ocorresse no plano estadual, poderia dar ensejo, inclusive, à intervenção federal (CF, art. 34, IV).
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do Ministério Público Federal, reafirma sua defesa intransigente das instituições democráticas e de respeito ao Poder Judiciário e repudia qualquer iniciativa de interferência indevida no livre exercício da missão constitucional do Supremo Tribunal Federal.
Deborah Duprat
Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão
Domingos Sávio Dresch da Silveira
Procurador Federal Adjunto dos Direitos do Cidadão
Marlon Weichert
Procurador Federal Adjunto dos Direitos do Cidadão
João Akira Omoto
Procurador Federal Adjunto dos Direitos do Cidadão