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Pernambuco é conhecido em todo o país - e em boa parte do mundo - como um grande exportador de boa música. Dos ritmos mais tradicionais aos mais contemporâneos, é possível encontrar no Estado vários representantes que fazem valer sua fama de ‘grande celeiro cultural’. São artistas que estão espalhados pelos mais de 98 mil quilômetros de extensão de terras pernambucanas, provando que não é preciso estar na capital para produzir bons trabalhos. 

Do interior pernambucano não param de sair artistas inquietos e criativos que com muito trabalho e persistência conseguem superar dificuldades das mais diversas ordens. Nomes como Ciel Santos, de Bezerros; Bella Kahun, de Garanhuns; Neto Sales e a banda Hanagorik, esses dois últimos de Surubim, são apenas alguns dos exemplos da multiplicidade de cenas e artistas que integram essa seara. 

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Não à toa, os exemplos citados acima vêm todos de uma região específica do Estado, o Agreste, que vem renovando sua musicalidade e escoando, cada vez mais, talentos que em nada deixam a dever a qualquer um que porventura esteja mais próximo dos grandes centros.

"O interior tem, força, tem voz, e tem muita gente produzindo, é difícil mas não é impossivel". Luanda Luá - Foto: Divulgação

Luanda Luá é uma dessas artistas que conhece bem a cena do Agreste. No ‘corre’ há 18 anos, a artista que começou a cantar na igreja, ainda criança, é fruto direto da influência musical da cidade onde foi criada, Surubim. Motivada pela Hanagorik, que, segundo ela,  “foi inspiração para todos os jovens roqueiros da época” por lá, Luanda formou, em 2003, a Mennarca HC, banda de punk rock e hardcore. Porém, inquieta dentro de seus anseios artísticos e pessoais, iniciou em 2021 um projeto solo, pelo qual já lançou o primeiro EP, C.O.R.P.O. 

Em sua música, Luanda imprime parte de sua vivência enquanto mulher, gorda, e cria do interior. Desconstruindo estereótipos e rompendo com o senso comum, ela aprendeu na lida a conviver com eventuais impedimentos à sua arte. “No interior, basta você ser diferente que já tem preconceito. Ainda mais, você sendo mulher, cantando em banda de rock, cantando gutural, eu venho carregando esse preconceito desde o comecinho da Mennarca. Mas essa nova geração é muito acolhedora, me sinto bem acolhida com os jovens, bem mais do que com os mais velhos. A gente vai conquistando aos poucos”. 

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Além de já ter aprendido a lidar com tais percalços, a pedrense criada em Surubim também já conhece bem parte do caminho das pedras para manter um trabalho artístico sendo e estando no interior. Além de lidar com a já natural dificuldade de se viver de arte no Brasil, profissionais como ela precisam enfrentar ainda algumas limitações impostas pelas distâncias geográficas.

No entanto, Luanda revela um dos trunfos dos artistas do interior: “coletividade”. “Os artistas se ajudam, a gente termina virando um grande coletivo que as pessoas nem imaginam que esteja trabalhando em rede. Um vai indicando outro, vai ajudando, trocando ideia, é muito importante esse trabalho de rede. Não sei se nos grandes centros existe isso tão bem amarrado; não está tão bem amarrado porque não tem estrutura financeira , mas a vontade tem demais”. 

Essa coletividade também é mencionada por Yannara, nascida e criada em Surubim. Cantora, compositora, bailarina, coreógrafa, atriz, produtora e diretora dos próprios trabalhos, ela decidiu abraçar de vez a música, no início da pandemia, e em 2021 lançou o primeiro álbum, Força Motriz. “Querendo ou não, a gente compartilha do mesmo pensamento, somos todos interioranos, então já cria-se um apoio mútuo, de lutar junto porque aqui grande parte dos artistas se conhece; a gente frequenta o Reduto Coletivo e a gente faz muita troca, tem esse espaço de fortalecimento”, disse em entrevista ao LeiaJá

"Quando a gente escreve sobre a gente, não tem como não levar as referências, porque se é inteiro, se é real, é nosso, não tem como" , Yannara -  Foto: Divulgação.

Em sua música, Yannara traz parte das vivências de uma mulher nascida na zona rural do Agreste e criada em um bairro periférico de Surubim - conhecido como Rua do Açude e que ela carinhosamente chama de “RDA”. Como Luanda, ela também precisou enfrentar alguns olhares tortos, mas, otimista, afirma que o eventual conservadorismo relegado ao público do interior está ficando cada vez menor. “Desde meu trabalho com dança, meus trabalhos sempre ‘causaram’. A gente tá numa cidade do interior, querendo ou não as demandas, o que a gente recebe, o que é consumido, acho que é um pouco menor do que tem nas cidades maiores, então isso acaba limitando a visão, o pensamento ou a aceitação do diálogo. Mas acho que Surubim tem passado por uma fase de boas aceitações, até porque é uma cidade que tem uma movimentação artística por causa do Sesc, a gente sempre movimentou a arte na cidade, então acho que a galera tá se abrindo mais”. 

Transitando pelas culturas pop, hip hop e, claro, popular, Yannara quer, com sua música, dialogar com as mais diferentes pessoas, sobretudo mulheres e público LGBTQIA+, mostrando que no interior existem vivências que precisam ser conhecidas e reconhecidas. A despeito das dificuldades, sejam elas geográficas, pandêmicas ou as já bem conhecidas de qualquer artista independente em qualquer ponto desse país, a pernambucana está empenhada em levar à frente a sua voz “interiorana”, sendo mais uma das várias representantes que movem esse caldeirão de arte e cultura. “A gente tem uma luta, tem uma luta nossa. De alguma forma essa luta acrescenta em alguma coisa, nos dá mais força e impulso”.

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