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A cantora e compositora pernambucana Dani Carmesim celebra seus primeiros 10 anos na estrada com um novo álbum: Resumo da Ópera. Muito embora o título do trabalho sugira uma sintetização do que a roqueira tem feito até então, as 12 faixas do disco trazem, de fato, um pouco das novidades e experimentações que indicam o que a artista está disposta a fazer nos próximos anos. O lançamento acontece na próxima sexta (15), nas principais plataformas digitais.

Resumo da Ópera chega seis anos após o álbum de estreia de Carmesim, das Tripas Coração, lançado em 2015. A novidade marca uma década de trabalho da pernambucana, sintetizando sua obra e apresentando sua nova fase estética e sonora. Com produção musical, mixagem e masterização assinados por Fernando S., do Home Studio 51, o disco traz melodias mais dançantes, flertando diretamente com o synthwave, porém, sem deixar de lado o genuíno rock’n’roll. 

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Além disso, o álbum, totalmente autoral, passeia por temas bastante urgentes como preconceito, a atual crise política do país e as incertezas advindas dos últimos acontecimentos no mundo. Para as gravações, realizadas entre o final de 2018 e meados de 2021, Dani contou com sua banda - composta por André Insurgente no baixo, Fernando S na guitarra e sintetizador e Tiago Marditu na bateria -, e os músicos convidados, André Oliveira, Rafael Bandeira, Neilton Carvalho, da Devotos. Kira Aderne, da Diablo Angel e o cantor Fernandes. 

Para preparar o público para a chegada de Resumo Ópera, Dani ‘remodelou’ o pré-save criando um 'boletim informativo’, uma espécie de newsletter na qual é possível receber em primeira mão algumas notícias sobre a chegada do trabalho. Os assinantes poderão, também, participar de sorteios. As inscrições podem ser feitas através do Instagram da cantora.  


 

Dani Carmesim se apresenta, neste sábado (29), na live de aniversário do fanzine mexicano Kosmonauta. A pernambucana será a única representante brasileira na line da festa virtual que celebra o segundo ano de vida do zine do México. A transmissão é gratuita e será feita, simultaneamente, através do Facebook e do YouTube.

O Kosmonauta é um fanzine mexicano voltado à difusão da cultura independente latino-americana. Com publicações bimestrais, o zine fala sobre artes, pinturas, fotografias, poesias, textos, músicas e entrevistas com artistas diversos, fazendo uma conexão multicultural com profissionais de toda a América Latina. Em sua nona edição, o zine trouxe uma entrevista com a pernambucana Dani Carmesim, que na ocasião falou a respeito de seus ‘corres’ como artista independente brasileira.

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Após a entrevista, a ponte Brasil-México foi formada. Agora, Dani volta a mostrar o seu trabalho para os mexicanos, dessa vez, tocando na live de aniversário de dois anos do Kosmonauta. Na festa virtual, a pernambucana  apresenta um pocket show realizado com os músicos André Insurgente, Tiago Marditu e Fernando S. e com produção executiva de Priscilla Ribeiro e Jambalo Produções. 

Além da brasileira, passam pela comemoração  os artistas e bandas: Vondré (México), Elizabeth Naranjo (Costa Rica), Silvana Rubio (México), Miki Deb (México), Majenye Tar (Venezuela), Ghandi Ze (México), San Agustin (México), The Wolver (México), Mont Albán (México) e VeloVela (México). 

Serviço

Dani Carmesim na live de aniversário do Fanzine Kosmonauta

Sábado (29) - 22h (horário do Brasil) e 20h (horário do México)

YouTube

Faceboook

 

Pernambuco é conhecido em todo o país - e em boa parte do mundo - como um grande exportador de boa música. Dos ritmos mais tradicionais aos mais contemporâneos, é possível encontrar no Estado vários representantes que fazem valer sua fama de ‘grande celeiro cultural’. São artistas que estão espalhados pelos mais de 98 mil quilômetros de extensão de terras pernambucanas, provando que não é preciso estar na capital para produzir bons trabalhos. 

Do interior pernambucano não param de sair artistas inquietos e criativos que com muito trabalho e persistência conseguem superar dificuldades das mais diversas ordens. Nomes como Ciel Santos, de Bezerros; Bella Kahun, de Garanhuns; Neto Sales e a banda Hanagorik, esses dois últimos de Surubim, são apenas alguns dos exemplos da multiplicidade de cenas e artistas que integram essa seara. 

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Não à toa, os exemplos citados acima vêm todos de uma região específica do Estado, o Agreste, que vem renovando sua musicalidade e escoando, cada vez mais, talentos que em nada deixam a dever a qualquer um que porventura esteja mais próximo dos grandes centros.

"O interior tem, força, tem voz, e tem muita gente produzindo, é difícil mas não é impossivel". Luanda Luá - Foto: Divulgação

Luanda Luá é uma dessas artistas que conhece bem a cena do Agreste. No ‘corre’ há 18 anos, a artista que começou a cantar na igreja, ainda criança, é fruto direto da influência musical da cidade onde foi criada, Surubim. Motivada pela Hanagorik, que, segundo ela,  “foi inspiração para todos os jovens roqueiros da época” por lá, Luanda formou, em 2003, a Mennarca HC, banda de punk rock e hardcore. Porém, inquieta dentro de seus anseios artísticos e pessoais, iniciou em 2021 um projeto solo, pelo qual já lançou o primeiro EP, C.O.R.P.O. 

Em sua música, Luanda imprime parte de sua vivência enquanto mulher, gorda, e cria do interior. Desconstruindo estereótipos e rompendo com o senso comum, ela aprendeu na lida a conviver com eventuais impedimentos à sua arte. “No interior, basta você ser diferente que já tem preconceito. Ainda mais, você sendo mulher, cantando em banda de rock, cantando gutural, eu venho carregando esse preconceito desde o comecinho da Mennarca. Mas essa nova geração é muito acolhedora, me sinto bem acolhida com os jovens, bem mais do que com os mais velhos. A gente vai conquistando aos poucos”. 

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Além de já ter aprendido a lidar com tais percalços, a pedrense criada em Surubim também já conhece bem parte do caminho das pedras para manter um trabalho artístico sendo e estando no interior. Além de lidar com a já natural dificuldade de se viver de arte no Brasil, profissionais como ela precisam enfrentar ainda algumas limitações impostas pelas distâncias geográficas.

No entanto, Luanda revela um dos trunfos dos artistas do interior: “coletividade”. “Os artistas se ajudam, a gente termina virando um grande coletivo que as pessoas nem imaginam que esteja trabalhando em rede. Um vai indicando outro, vai ajudando, trocando ideia, é muito importante esse trabalho de rede. Não sei se nos grandes centros existe isso tão bem amarrado; não está tão bem amarrado porque não tem estrutura financeira , mas a vontade tem demais”. 

Essa coletividade também é mencionada por Yannara, nascida e criada em Surubim. Cantora, compositora, bailarina, coreógrafa, atriz, produtora e diretora dos próprios trabalhos, ela decidiu abraçar de vez a música, no início da pandemia, e em 2021 lançou o primeiro álbum, Força Motriz. “Querendo ou não, a gente compartilha do mesmo pensamento, somos todos interioranos, então já cria-se um apoio mútuo, de lutar junto porque aqui grande parte dos artistas se conhece; a gente frequenta o Reduto Coletivo e a gente faz muita troca, tem esse espaço de fortalecimento”, disse em entrevista ao LeiaJá

"Quando a gente escreve sobre a gente, não tem como não levar as referências, porque se é inteiro, se é real, é nosso, não tem como" , Yannara -  Foto: Divulgação.

Em sua música, Yannara traz parte das vivências de uma mulher nascida na zona rural do Agreste e criada em um bairro periférico de Surubim - conhecido como Rua do Açude e que ela carinhosamente chama de “RDA”. Como Luanda, ela também precisou enfrentar alguns olhares tortos, mas, otimista, afirma que o eventual conservadorismo relegado ao público do interior está ficando cada vez menor. “Desde meu trabalho com dança, meus trabalhos sempre ‘causaram’. A gente tá numa cidade do interior, querendo ou não as demandas, o que a gente recebe, o que é consumido, acho que é um pouco menor do que tem nas cidades maiores, então isso acaba limitando a visão, o pensamento ou a aceitação do diálogo. Mas acho que Surubim tem passado por uma fase de boas aceitações, até porque é uma cidade que tem uma movimentação artística por causa do Sesc, a gente sempre movimentou a arte na cidade, então acho que a galera tá se abrindo mais”. 

Transitando pelas culturas pop, hip hop e, claro, popular, Yannara quer, com sua música, dialogar com as mais diferentes pessoas, sobretudo mulheres e público LGBTQIA+, mostrando que no interior existem vivências que precisam ser conhecidas e reconhecidas. A despeito das dificuldades, sejam elas geográficas, pandêmicas ou as já bem conhecidas de qualquer artista independente em qualquer ponto desse país, a pernambucana está empenhada em levar à frente a sua voz “interiorana”, sendo mais uma das várias representantes que movem esse caldeirão de arte e cultura. “A gente tem uma luta, tem uma luta nossa. De alguma forma essa luta acrescenta em alguma coisa, nos dá mais força e impulso”.

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Em 2011, a cantora e compositora pernambucana Dani Carmesim decidiu bancar uma carreira fazendo rock autoral. Mulher, preta, gorda, e vindo da periferia da Região Metropolitana do Recife, ela reuniu todos os fatores que poderiam ser usados como limitação para sua trajetória e com eles pavimentou um caminho de sucesso, cheio de força e representatividade.

Nesta sexta (26), Carmesim dá início à celebração de suas Bodas de Zinco com a música. Os 10 anos de carreira começam a ser comemorados com o lançamento do primeiro episódio de um documentário que ilustra o ‘corre’ dela e sua banda para produzir o disco Resumo da Ópera, o segundo de sua discografia, que chega para o público no segundo semestre deste ano. 

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O ano de 2021 será de comemoração das 'Bodas de Zinco' de Dani Carmesim. Foto: Divulgação/André Insurgente

Antes de assumir o nome e a carreira solo, Dani passou por algumas bandas locais fazendo backing vocal. Pouco tempo depois, a inquietação da artista que também compõe a fez mudar o direcionamento do seu trabalho a fim de levar suas próprias músicas aos palcos recifenses.

O compromisso com a música autoral, no entanto, veio acompanhado de desafios comuns a (quase) todos aqueles que escolhem a mesma trajetória, como falta de espaço, oportunidade e dinheiro. “Nesses 10 anos eu fiz tudo na raça, tirando do próprio bolso, fazendo do jeito que eu podia, eu mesma junto com André (Insurgente) e com os meninos (da banda). Tudo na base do ‘faça você mesmo’, bem underground mesmo naquela raiz do punk”, diz Dani em entrevista exclusiva ao LeiaJá

Como se tais dificuldades não fossem o bastante, Dani trazia em si própria outros elementos que poderiam transformar a jornada ainda mais desafiadora. E transformaram. “Você não espera uma mulher fazendo rock, já começa por aí; e quando a mulher faz rock você não espera que ela seja preta e nem que ela seja gorda, então são muitos estereótipos que eu venho tentando quebrar. E ainda, uma pessoa periférica fazendo rock.  Se você olhar a história do rock, ele fica ali em volta da galera da classe média, é muito difícil o rock surgir da favela ou da periferia, embora exista isso e as pessoas não deem holofote. A gente não tem espaço pra mostrar”. 

Porém, a roqueira pegou todas as ‘pedras’ que poderiam atravancar o caminho e com elas pavimentou uma estrada sólida. Em seu segundo EP,  Tratamento de Choque (Desconstruindo a Imagem Ideal), lançado em 2012,  ela deixou bem claro que não se intimidaria com tão pouco, nem mesmo com muito, e que a força do seu rock’n’roll havia chegado para ficar. “São 10 anos de luta, de resistência, de quebra de estética, levantando bandeiras. Aos pouquinhos a gente vê que muita coisa já mudou, mas toda luta é árdua. A batalha (para a mulher) é mais longa pra chegar na vitória e nem sempre a gente consegue as coisas do jeito que a gente quer e planeja. Essa é a vida do artista”.

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Bodas de Zinco

A última década de trabalho duro, no entanto, não foi feita apenas de dificuldades e luta. Durante esse tempo, Dani construiu parcerias importantes  na cena musical de Pernambuco, teve seu trabalho reconhecido - como quando ganhou o Sétimo Prêmio da Música de Pernambuco da Associação dos Cantores e Intérpretes de Pernambuco (ACINPE), com seu disco de estreia, Das Tripas Coração; e também quando conquistou espaço em webrádios de todo o mundo, durante a pior crise sanitária enfrentada pelo planeta -; além de ter consagrado seu nome como um dos mais respeitados do rock pernambucano. 

Para comemorar tanta história, Dani Carmesim vai lançar uma série de vídeos, um minidoc sobre essa estrada e, por fim, seu segundo disco, o Resumo da Ópera. Abrindo as celebrações, nesta sexta (26), será lançado Lapada, dose e bronca, com cenas dos bastidores da gravação do novo álbum. Até meados de abril, serão mais dois vídeos como esse (nos dias dois e nove), exibidos através do canal do YouTube da cantora, sempre às 20h. 

“São 10 anos de luta, de resistência, de quebra de estética, levantando bandeiras". Foto: Divulgação/André Insurgente

Já no segundo semestre, chegam um documentário, que conta mais detalhes sobre a carreira de Carmesim, e o seu segundo álbum: “O disco novo faz uma quebra no meu estilo musical, eu acrescentei elementos mais pop e mais dançantes, mas não abandonei o rock’n’roll”, avisa Dani. 

Daqui pra frente, a pernambucana pretende seguir trabalhando árduamente - enquanto assim como milhares de brasileiros aguarda pela vacina contra o coronavírus. Apesar da dificuldade em prospectar um futuro, diante das incertezas impostas pela pandemia, ela não para e, certamente, em breve a comemoração será de Bodas de Porcelana (20 anos). “É uma batalha, uma construção aos poucos. Dolorosa, mas vale muito a pena. Se eu me ligasse só em grana, em fama, eu não tava fazendo arte”. 



 

A caminho do lançamento de seu novo disco, Dani Carmesim libera mais uma prévia para o seu público. Nesta sexta (27), a roqueira pernambucana lança o single De dentro pra fora, segunda música do próximo álbum da artista. Os interessados já podem fazer um pré-save da canção através da internet.

De dentro pra fora traz uma reflexão sobre o dilema entre adequar-se ao status quo ou ter a liberdade de ser quem verdadeiramente deseja. A música tem pegada disco-funk moderna bebendo em referências como Talking Heads e Tame Impala. No instrumental, Carmesim contou com o reforço de Fernando S., nas guitarras e sintetizadores; André Insurgente no baixo; e Tiago Marditu na bateria. A arte da capa do single foi assinada e protagonizada pelo artista plástico Vinicius (@vinicius65). 

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Dani Carmesim é cantora e compositora com uma trajetória de quase 10 anos fazendo música autoral. Ela trabalha de forma independente e seu objetivo é usar a música como ferramenta de representatividade, estimulando a valorização da mulher negra dentro do mercado fonográfico, principalmente no segmento do rock.  

Conhecido como uma música de crítica social e mensagem acerca da dura realidade das periferias, o rap tem grandes representantes brasileiros. Racionais MC's; G.O.G.; Dexter; Sabotage; Emicida; todos homens. Da mesma forma, o trap e o brega funk são estilos que priorizam a diversão e incitam a sensualidade e já têm um leque de representantes de peso. Os trappers Chris MC, Matuê e Sidoka, e os bregueiros Dadá Boladão, MC Troia e Shevchenko e Elloco, são alguns exemplos de sucesso. E também homens. Mas esse cenário está mudando. A presença feminina, de discurso empoderado, é cada vez maior nessas cenas que, antigamente, eram majoritariamente dominadas por artistas masculinos.

As 'manas' também querem cantar sua realidade, além de fazerem questão de reivindicar o direito de ocupar os espaços, se divertir e, por que não, rebolar sem a necessidade de prestar contas ou pedir permissão a ninguém. Sendo assim, elas estão levantando suas vozes e fazendo música de qualidade que está atraindo um público igualmente crescente, ao passo que se multiplica o número de artistas mulheres no rap, trap e brega funk. 

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Foi a partir de uma situação de assédio que Rayssa Dias, de 24 anos, moradora de Salgadinho, em Olinda, decidiu criar o brega funk empoderado. Ao testemunhar uma amiga sendo apalpada durante uma festa, ela resolveu que usaria sua voz para exigir respeito no 'rolê' e fora dele também. "A gente estava numa casa de show e lá no evento um cara meteu a mão na bunda da minha amiga. A justificativa dele foi que tinha sido por conta da música. Aquilo mexeu comigo, eu disse: 'caramba, eu como cantora e poeta que faz parte da militância, isso acontece na minha frente e eu não vou poder fazer nada?'. Fiquei tão revoltada que no dia seguinte fiz uma música sobre isso".

Rayssa Dias é a criadora do brega funk empoderado. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Nos versos da música em questão, batizada de 'Fica na Tua' e gravada em parceria com a rapper Lady Laay, Rayssa é direta: "Quando eu chegar no baile, sentando e quicando, tu fica na tua! Se tu não respeitar, a idéia é uma só, tarado aqui no baile, nós passa o cerol". A cantora, na correria para fazer sua carreira acontecer desde os 12 anos, tendo passado pelo coral de uma igreja evangélica, bandas de brega romântico e batalhas de poesia, explica sua composição: "Quando a gente é mulher, a gente tem essa dificuldade de ser respeitada nos ambientes que a gente frequenta. O brega é um meio muito machista, até porque é dominado por homens, tem esse lado pejorativo que explora a sexualidade. As meninas querem rebolar a bunda, mas elas querem ser respeitadas".

A parceira de Rayssa em 'Fica na Tua', Lady Laay, sabe bem o que é abrir espaço para fazer seu ‘trampo’. MC, Bgirl e grafiteira, ela vem desde 2012 lutando para ser ouvida e respeitada no meio do hip hop. A estrada, de lá até cá, ensinou a Laay que o lugar que hoje ocupa é dela e não é necessário pedir licença para mostrar a que veio. "(Já passei por) tentativas de boicote, silenciamento, falta de valorização. Mas coloquei em mente que nós mulheres somos capazes de coisas grandiosas, e se a cena rap não enxerga isso, pra mim ela não é digna do nosso trabalho. Cansei, não precisamos tentar nos encaixar, nos diminuir pra caber num mundinho tão limitado e imaturo, cheio de homens que tentam nos diminuir porque sua masculinidade e ego podem ser frágeis demais diante da nossa capacidade", dispara a artista.

Agora, ela se aventura no meio do trap, indo na contramão da pegada comercial do estilo - que prioriza letras que falam sobre diversão, mulheres (em um sentido quase sempre pejorativo) e ostentação -; e criou o Afrontrap, o "trap de afronta". "Essa minha proposta se refere em mesclar a característica dançante e ousada do TRAP com o viés social na afronta de tocar em feridas da sociedade, tabus e temas polêmicos, que seriam trazidos nas letras de forma afrontosa e descontraída utilizando como principais artifícios o deboche e o sarcasmo", explica Laay. 

Consciente de seu papel social enquanto cantora e compositora, ela quer, através de sua música, politizar o estilo e "ser a mudança" que ela mesma quer ver. "Eu acredito que o artista, independente do gênero musical, tem uma responsabilidade sobre o impacto e consequências que sua música causará... Sobretudo quando o público alvo de sua música é uma parcela da população estigmatizada, vulnerável e que está à margem dos privilégios e até dos direitos básicos". 

Consciência do poder que suas vozes podem ter também é algo que não falta para as minas do Femigang. O grupo de rap formado pelas MCs Adelaide, Adelita, Maria Helena e a DJ Larissa é ‘cria’ do Recital Boca no Trombone, realizado no Alto do Pereirinha, no bairro de Água Fria, há cinco anos e que vem revelando talentos na cena hip hop pernambucana, sobretudo os femininos. O Femigang foi formado pela necessidade de ocupar esse espaço e veio com tamanha força e disposição de se firmar em uma cena tão masculina que já é tido como referência por outras MCs e rappers que vêm aparecendo no Recife, como comenta Adelaide. "É difícil porque a gente ainda é invisibilizada dentro do movimento, mas a gente conseguiu esse espaço batalhando pra caramba, e os frutos estão chegando".

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Dentre os frutos estão participações em eventos importantes, como o show do rapper Baco Exu do Blues, em maio deste ano, no Baile Perfumado, e o Baile de Favela, que contou com apresentações de lendas do rap nacional como o DJ KL Jay, do grupo Racionais MCs. Mas para as meninas do Femigang, realização mesmo é ver a satisfação do seu público feminino durante os shows sem contar na rede de apoio e acolhimento que elas compartilham com outras artistas. "A gente vem de movimentos sociais, que nós organizamos, e vamos abrindo espaço para outras mulheres que veem que não é só meninas em cima do palco botando som e que não fazem nada além disso A gente tá construindo de verdade com mulheres da periferia, então muitas meninas se sentem acolhidas de chegar", diz Adelaide. 

A poeta e rapper faz questão de frisar que além do acolhimento ao público feminino e às artistas mulheres, o esforço do grupo é ensinar aos homens a importância deles nesse movimento de empoderamento feminino. Elas não se incomodam em ensinar sobre questões importantes para que a igualdade de gênero seja alcançada. "Temos outra ideia de feminismo, estamos lidando com os homens da favela, então não temos aquele feminismo de excluir. A gente quer trabalhar com eles e desconstruir aquilo pra poder ensinar a eles e construir juntos. A gente recebe muitas críticas por causa disso, porque a gente escuta eles e quer dialogar. Mas vale à pena, porque a gente vê a semente crescendo, o que a gente tá fazendo tá andando".

Rede de apoio

As dificuldades enfrentadas por essas e outras artistas mulheres que escolhem segmentos considerados machistas para se expressar não são meras histórias de panfleto. As barreiras são reais e vão desde dificuldade em conseguir produzir trabalhos até perseguição e ameaças. Adelaide, do Femigang, lista algumas: "Primeiro que as vezes nem tem 'line' (programação) só de mulher ou com uma mulher, sempre é só homem. Na line que botava a gente, atrasava o som, cortava o som, o tempo era sempre menor, o tratamento não era o mesmo. Às vezes não chamavam a gente porque eles estavam comentando por aí afora que a gente tava querendo mudar o hip hop só para mulheres".

Outra artista, essa da cena trap, Margot - uma joem de apenas 19 anos, moradora de Caetés I, em Abreu e Lima, lista outros empecilhos como a falta de estrutura e dinheiro para botar o trabalho na rua. "Eles lançam som uma vez por semana, a gente passa seis meses para lançar um som. Temos poucas produtoras e beatmakers. Mas hoje em dia ter mulher na line gera um hype, é bom mostrar que tem mulher preta, periférica, mas ainda assim é pouco, a gente precisa mais que uma apresentação".

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Para burlar as limitações e barreiras, as meninas acabam criando uma rede de apoio. A própria Margot só aconteceu após as meninas do Femigang impulsionarem o seu 'corre'. Ela começou a se apresentar em shows do grupo, há cerca de um ano, e acabou engrenando na carreira. "Até hoje eu digo que minhas influências não vieram de fora, vieram daqui mesmo, elas (Femigang) foram as primeiras mulheres do rap que eu comecei a ouvir", diz Margot. 

Público feminino

Não é fazer 'música de mulher' mas sim, fazer música sobre e para mulheres. As artistas ouvidas por essa reportagem foram unânimes ao falar sobre a importância de serem reconhecidas pelo público feminino durante os shows. Falar diretamente para quem entende daqueles temas, por viverem o mesmo, é o que faz diferença no trabalho dessas minas. "Quando eu vou fazer show, algumas meninas nem conseguem curtir porque acho que elas ficam com aquele olhar assim impresisonado, elas me procuram e falam surpreendidas, me elogiam. As mulheres têm essa necessidade no meio do brega de dizer: 'poxa, era isso que eu queria ouvir e dizer quando eu escuto brega", diz Rayssa Dias.

Margot também tem essa resposta do seu público, a identificação com o que se diz no palco é imediata e as meninas acabam fazendo do show um momento só seu. "Só a gente fala aquilo que elas se identificam, se não for a gente, ninguém mais vai dizer, por isso nossa voz ecoa muito. Quando eu tô tocando e vejo aquele bate cabeça das meninas, muitas vezes os meninos vêm e elas não conseguem curtir, aí a gente pede pra eles saírem e deixarem elas à vontade também. Aquele é o momento delas". 

Já Lady Laay, se surpreendeu com o poder de alcance de suas rimas. Ela revela que o feedback de seu trabalho vem de inúmeras formas, mas, sobretudo, de pessoas que não são da cena rap. “Descobri isso quando me dei conta que a maioria dos convites de shows partiam de eventos/públicos que mal curtiam rap, e que curtiam meu trabalho simplesmente por se identificar com a mensagem e pela representatividade. Foi aí que decidi que se essa cena ignora as mulheres, eu ignorarei esta cena”. A cantora sintetiza bem o que ela e as outras artistas presentes nesta matéria - entre tantas outras que não puderam estar nesse espaço -, representam em suas cenas musicais e até mesmo fora delas: “O simples fato de fazermos o que fazemos já é um ato de resistência”.

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