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Na semana passada, o anúncio da decisão da Ford de fechar suas fábricas no Brasil após 100 anos evidenciou o processo de desindustrialização em curso no País, agravado nos últimos tempos. Há seis anos consecutivos, desde a recessão iniciada em 2014, o Brasil vê o número de indústrias no território nacional cair. No ano passado, 5,5 mil fábricas encerraram suas atividades. Ao todo, entre 2015 e 2020, foram extintas 36,6 mil. Isso equivale a quase 17 estabelecimentos industriais exterminados por dia. Os números são de um levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) feito com exclusividade para o Estadão/Broadcast.

Segundo a série histórica iniciada em 2002, até 2014 o número de fábricas crescia, mesmo com a indústria de transformação perdendo relevância na economia diante do avanço dos outros setores. Há seis anos, o País tinha 384,7 mil estabelecimentos industriais. Mas, no fim do ano passado, a estimativa era de que o número tinha caído para 348,1 mil. Pouco antes do anúncio da Ford, outras multinacionais já haviam comunicado que fechariam suas fábricas no Brasil, caso da Sony e da Mercedes-Benz, que encerrou a produção de automóveis.

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"O processo de desindustrialização coincide com o início do Plano Real (quando o câmbio apreciado tornou os produtos brasileiros mais caros lá fora e os importados ficaram mais baratos no País). Além do custo Brasil, mais recentemente a produtividade caiu e parte do parque industrial não se modernizou", explica o economista Fabio Bentes, da Divisão Econômica da CNC, responsável pelo estudo. "A desvalorização recente do real ajuda o setor agrícola, o extrativo, favoreceu a balança comercial. Mas o efeito para a indústria não é instantâneo."

Bentes calcula que a fatia da indústria da transformação no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro desça a 11,2% em 2020. Será o patamar mais baixo da série histórica iniciada em 1946.

O levantamento da CNC foi feito a partir de duas bases de dados. Uma é a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), atualmente sob responsabilidade do Ministério da Economia. Outra é o Sistema de Contas Nacionais, do IBGE. Apenas os dados referentes a 2020 são uma projeção, feita com base em estimativas para o PIB da indústria de transformação e a produtividade do setor. Se a produção cresce, cada aumento de um ponto porcentual gera abertura de cerca de 1,2 mil unidades produtivas no ano seguinte. O mesmo raciocínio vale no caso de queda de produção. "Diante disso, não se pode descartar que haja uma redução ainda mais forte no número de indústrias este ano", explica Bentes.

O desempenho da indústria nacional está hoje 14% abaixo do pico atingido em 2011. Segundo o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin, o quadro é fruto de um ambiente de negócios hostil e de fatores estruturais que atingem a competitividade internacional do setor. O principal deles, aponta, é o complexo sistema tributário brasileiro. Outro ponto fundamental, diz, é a necessidade de uma política de inovação, hoje fora da agenda nacional.

Cagnin explica que a restrição dos fluxos entre países durante a pandemia da covid-19 pôs em xeque o modelo de suprimento geograficamente disperso e integrado. "No atual ambiente internacional de rearranjo tecnológico e das cadeias globais de valor, o ônus de ter baixa competitividade pelo sistema tributário tende a aumentar. Precisamos de um indicativo muito claro de que esse problema será solucionado. Sem isso, será muito complicado atrair e preservar investimentos", diz.

O vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e presidente da Abiplast, José Ricardo Roriz Coelho, também indica como fator preponderante para os fechamentos de fábricas a falta de perspectiva de que o governo faça as reformas e que tome as providências para melhorar o ambiente de negócios.

Multinacionais como a Ford investem em fábricas com escala global de produção, observa Roriz. E, como o Brasil não cresce e a renda da população se mantém no patamar de dez anos atrás, os produtos ficam inacessíveis aos brasileiros e as empresas não avançam.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

A tese de que o Brasil passa por um processo inequívoco de desindustrialização não é ainda um consenso entre especialistas. Levantamento feito pela Ordem dos Economistas do Brasil (OEB) e Conselho Regional de Economia (Corecon-SP) mostra que para 18,6%% de um universo de 250 economistas associados às duas entidades e que se propuseram a responder ao questionário, não é verdade que o parque fabril brasileiro passa por um desmonte.

A pesquisa de opinião, que o Broadcast recebeu com exclusividade, mostra ainda 11,7% dos consultados avaliando que a tese da desindustrialização é válida, mas apenas para alguns setores e não para a indústria como um todo. Ainda assim a maioria dos participantes, 69,7% do total de entrevistados, acredita sim que o País passa por um processo de desfazimento de seu parque fabril.

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Além disso, 94,7% dos informantes que se dizem favoráveis à adoção de medidas para reativar a indústria no Brasil. Apenas 4,7% dos 250 economistas consultados disseram ser contrários a que se adote medidas de estímulos à indústria. Outros 0,5% disseram ser favoráveis, mas apenas para aqueles setores que eles acreditam estarem de fatos apresentando dificuldades de permanência nos seus nichos de atuação.

A OEB e o Corecon-SP procuraram saber de seus associados quais seriam os principais problemas que emperram o crescimento industrial no Brasil nos padrões esperados diante de seu potencial. Contrariamente ao esperado, o câmbio apareceu na última colocação dentre as 9 alternativas propostas nas questões fechadas.

Por este levantamento, lidera o ranking das questões determinantes para a indústria a falta de infraestrutura, seguido de custo dos impostos, problemas de logísticas e burocracia. Figuram ainda insegurança com a legislação, falta de capacitação profissional, altas taxas de juros, encargo trabalhistas, dificuldade de acesso a crédito e problema cambial.

Infraestrutura

Numa escala de zero a 10 pontos, de péssimo a ótimo, mais de 80% dos pesquisados classificaram o problema da infraestrutura com menos de 3 pontos, numa média de 1,43 pontos. A baixa nota dada à infraestrutura decorre dos problemas ou falta de estradas, ferrovias, portos, silos para armazenagem e excesso de trânsito.

Os custos da indústria com impostos receberam uma média de 1,53 pontos, mesma pontuação dada à logística e burocracia. A segurança na legislação ficou com uma média de 2,33 pontos, a capacitação profissional com 2,59 pontos. Ainda de acordo com a pesquisa, o sexto maior entrave para o crescimento da indústria, a taxa de juros, ficou com uma média de 2,60 pontos na escala de zero a 10 pontos.

O custo com encargos trabalhistas ficou com 2,65 pontos e foi reconhecida pelos economistas como uma questão que extrapola o razoável ao dobrar o custo da mão de obra na produção, parcialmente compensada com salários relativamente inferior ao dado pelos padrões internacionais, exceto ao da China, entre outros países com regimes políticos diferenciados. A disponibilidade de crédito assim com os juros não aparecem na pesquisa como fator impeditivo determinante da melhoria do crescimento industrial. A média conferida a esta questão foi de 3,27 pontos.

A sobrevalorização do real frente ao dólar se, por um tempo, acarretou alguns impedimentos à competitividade da indústria brasileira, mas recentemente deixou de sê-lo porque, mesmo com a recente desvalorização, não produziu resultados muito animadores, pelo menos no curto prazo. Embora a grande maioria, mais de 80%, ainda classificam esta questão com pontuação inferior a 5 pontos, a média ficou em 3,75 pontos.

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