Tópicos | dia da Abolição da Escravatura

Apesar deste sábado (13) marcar os 135 anos da abolição da escravidão no país, é fundamental desmistificar a ideia passada nos livros antigos de História, na qual a protagonista era apenas a princesa Isabel, uma mulher branca que em 1888 assinou a Lei Áurea. É importante ressaltar que o Brasil foi o último país da América a acabar com esse sistema exploratório e desigual, depois de anos de uma intensa luta da população negra por sua libertação.

Os esforços da monarquia em definir a princesa e suas ações como fundamentais para os direitos do povo negro tinha razão óbvia e pouco nobre. No final do século 19, a realeza vivia seus últimos momentos em um território já dominado pelos ares republicanos. Sendo assim, associar a monarquia a uma causa tão popular quanto o abolicionismo era uma das últimas esperanças de dar sobrevida ao regime. Na época, os novos padrões civilizatórios, influenciados pelo continente europeu, condenavam a escravidão. O Brasil, pressionado diante o cenário, se viu em uma posição vexatória internacionalmente.

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O ato libertou 700 mil escravizados que ainda existiam, proibindo que pessoas fossem escravizadas futuramente. Porém, o Estado Brasileiro não disponibilizou políticas públicas para absorver os ex-escravizados na sociedade. Os negros não foram indenizados, não tiveram acesso a trabalho ou terra para continuar a vida com dignidade.

Durante todo o processo de abolição alguns personagens do movimento negro exerceram funções muito importantes, como é o caso do abolicionista Luís Gama. Ele usava diversos argumentos para obter a alforria. O principal deles era que os africanos trazidos ao país depois de 1831 tinham sido escravizados ilegalmente. Isso porque naquele ano foi assinado um tratado de proibição do tráfico de escravos.

"As vozes dos abolicionistas têm posto em relevo um fato altamente criminoso e assaz defendido pelas nossas indignas autoridades. A maior parte dos escravos africanos (...) foram importados depois da lei proibitiva do tráfico promulgada em 1831", disse Gama na época.

Esse abril deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) instituiu, em publicação no Diário Oficial da União (DOU), o Prêmio Luiz Gama de Direitos Humanos. No texto, o mandatário revogou a "Ordem do Mérito Princesa Isabel", que havia sido criada pela gestão de Jair Bolsonaro (PL) no final de 2022. De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos, a homenagem a uma mulher branca, herdeira do trono imperial, transmite uma mensagem equivocada. Portanto, em substituição à medalha que homenageava a princesa, foi instituído o prêmio com o nome do abolicionista negro.

Os debates sobre a falta de auxílio à população negra após a abolição ganham repercussão até hoje, como nas questões ligadas ao acesso à moradia, educação, trabalho e racismo. Apesar da Lei Áurea ser uma cláusula pétrea e irrevogável da nossa Constituição. Esta lei não impede que em 2023 ainda existam denúncias sobre trabalho análogo a escravidão no Brasil. 

Em entrevista ao LeiaJá, a ex-deputada estadual de Pernambuco, Jô Cavalcanti (PSOL), que tem uma atuação muito importante na luta do movimento negro e trabalhador no estado, falou dos desafios da população negra na atualidade.

"Nós, população negra, enxergamos esse processo como uma falsa abolição que se reflete até hoje na falta de políticas públicas de reparação, no extermínio da juventude negra e na vulnerabilidade social que toda essa população está submetida. A abolição foi formal, na letra da lei, mas não se refletiu na vida dos povos escravizados. A sobrevivência da vida e da história do nosso povo só foi possível pela resistência construída antes, durante e após a assinatura da lei Áurea", disse.

Além disso, Jô afirma que a sociedade precisa conhecer os verdadeiros heróis dessa história e que o protagonismo de mulheres negras deve ser reconhecido. "Ainda hoje é reservado para as mulheres negras os piores salários e os piores postos de emprego, a falta de moradia adequada e tantas outras violações. O Estado utiliza suas ferramentas como estratégia de ataque às vidas negras: a legislação criminaliza, o sistema de justiça criminal encarcera e escreve um destino de negação e invizibilizacao para os corpos negros.

Nessa data, nós entoamos a frase "13 de maio não é dia de negro" por entender que a liberdade não é e não foi dada por ninguém, ela é construída e buscada diariamente em cada território, pelos coletivos organizados e na vida de cada um de nós", afirmou.

A estudante de ciências políticas do 8º semestre da Universidade de Brasília (UnB) Vanessa Machado entrou na instituição pelo sistema de cotas raciais, mesmo com nota suficiente para ser aprovada sem o sistema. Vanessa está na contramão das estatísticas, estudou em escola particular e seus pais são formados, mas ainda assim engrossa a voz do movimento negro ao não comemorar o dia de assinatura da abolição da escravatura, em 13 de maio, há 125 anos.

“O 13 de maio é um marco histórico legal, representa mais do que a assinatura da princesa Isabel. Representa o grito sufocado dos negros. Mas ainda há muitos desafios, estamos longe do ideal. Pobreza tem cor e não é por acaso”, analisa a estudante.

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O pensamento é compartilhado por frei David, presidente da Educafro, uma organização não governamental que tem a missão de promover a inclusão da população negra e pobre nas universidades públicas e particulares. Segundo ele, cerca de 40 mil estudantes passaram pelos cursinhos de pré-vestibular da rede e já concluíram o ensino superior. Além de também defender o sistema de cotas raciais, ele questiona a comemoração da data. 

“Nenhuma sociedade do mundo deixou uma etnia quase 400 anos escravizada e resolveu [o assunto] apenas com a assinatura de um papel chamado de Lei Áurea. A desigualdade é o fruto da perversidade dos sucessivos partidos políticos que nada ou muito pouco fizeram para compensar o povo negro nestes quatro séculos de escravidão e exclusão. Daí a necessidade de políticas públicas de ação afirmativa [cotas] para negros nas universidades”, avalia.

O presidente da Fundação Cultural Palmares, Hilton Cobra, também defende as políticas de ações afirmativas instituídas pelo governo e critica a falta de espaços para projetos culturais que tratem da temática afro-brasileira.

“Arte e cultura negra ainda não são inseridas no sistema. Há muita dificuldade na captação de recursos para esses projetos. Um dia não precisaremos mais de cotas, mas elas são necessárias atualmente e representam uma vitória, uma abertura de espaços”, diz Hilton Cobra.

A data de assinatura da lei marca atualmente o Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo. No país, é considerada crime de racismo a conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou coletividade. A pena é imprescritível e inafiançável. O Código Penal prevê também o crime de injúria racial, que consiste em ofender a honra de alguém com a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem.

“Ser negro no Brasil é sofrer preconceito diariamente. É preciso ter esse debate, falar sobre o racismo. Quando não se fala, a questão se torna invisível. Essa linha que divide o que denigre a imagem de alguém e o que não denigre é muito tênue”, diz Vanessa. 

Para atender à população que enfrenta a situação no seu cotidiano, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial criou a ouvidoria, que recebe desde 2011 denúncias contras atos de racismos e discriminação racial em todo país. Segundo informações, a pasta recebeu até hoje 710 denúncias. O canal de atendimento ao cidadão é por meio do telefone (61) 2025-7001 ou do e-mail seppir.ouvidoria@seppir.gov.br.

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