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Após o Ministério da Saúde emitir uma nota anunciando a demissão de Andrey Lemos, diretor do Departamento de Prevenção e Promoção da Saúde, do cargo devido uma apresentação de funk no 1º Encontro de Mobilização para a Promoção da Saúde no Brasil, movimentos sociais e web classificaram o desligamento como uma "medida equivocada". 

Em meio as polêmicas, o Ministério da Saúde, comandado por Nísia trindade, informou que o evento contou com a presença de sete grupos artísticos durante seus intervalos, porém uma das apresentações "surpreendeu pela coreografia inapropriada". A pasta que fez questão de deixar claro que o acontecido não refletia a política da Secretaria, também comunicou que adotaria medidas.

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Através de suas redes sociais, a Coalizão Nacional LGBTI, junto ao União de Negras e Negros pela Igualdade e União Brasileira de Mulheres se posicionaram, no último domingo (8), contra a demissão de Andrey Lemos, afirmando que o trabalho desenvolvido por ele sempre refletiu a “seriedade, responsabilidade, compromisso” com o país.

O texto também condenou os ataques sofridos por Andrey após a divulgação dos vídeos em páginas da extrema direita.

“O que está posto é que existe um discurso orquestrado pelos setores de direita, que anseiam fragilizar o governo federal democraticamente eleito. Discurso este que, infelizmente, tem sido fortalecido por adesões abruptas de parcela do campo progressista. Optou-se por criminalizar uma manifestação isolada e, por associação, tenta-se deturpar a biografia de um grande brasileiro”, pontuou as entidades.

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Seguidores das páginas afirmaram que o “fato isolado” não deveria impulsionar a demissão, pois “o Ministério da Saúde deveria entender toda a situação e não culpabilizar apenas o Andrey”.

"Foi uma performance equivocada? Foi! A reação escalou de uma maneira gigante? Sim! O governo reagiu rápido, buscando dar uma resposta ao "clamor"? Sim! A punição ter atingido o Andrey Lemos foi indevida? Aparentemente sim! Cabe uma investigação e apuração mais criteriosa para evitar que uma pessoa com uma vida de dedicação seja punida no serviço público e linchada nas redes antisociais", pontuou um internauta. "Todo o Meu Respeito e Carinho por Andrey Lemos! Servidor público de carreira que sempre este a frente das pautas e lutas LGBTQIA+ no país! Força Meu Companheiro!", escreveu outra seguidora.

Quem é Andrey Lemos?

O diretor, que é mestre em Políticas Públicas em saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e servidor da carreira de tecnologista no Ministério da Saúde, atuou nas políticas de Saúde Integral da População Negra e população LGBT+. Ele também foi apoiador institucional na atenção básica junto a estados e municípios. Além disso, atuou na assessoria da Comissão Intersetorial de Recursos Humanos e Relações de Trabalho e na Câmara Técnica da Atenção Básica do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

 

Com o objetivo de pressionar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para ele indicar uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal (STF), uma organização composta por movimentos negros de todo o território nacional lançou, nesta quinta-feira (31), o site ministranegranostf.com.br, por onde a população consegue enviar um e-mail para o líder petista cobrando a indicação.

Em outubro deste ano, a ministra Rosa Weber se aposentará do seu cargo que está desde 2011, quando foi indicada pela ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) para ocupar uma cadeira no Supremo. Sendo assim, Lula terá a responsabilidade de escolher um nome para substituir a vaga da ministra.

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“Ter uma ministra negra progressista no STF é essencial para avançar na necessária transformação do sistema de justiça brasileiro, não só pela importância de ver o povo representado nas esferas de poder, mas por todas as mudanças estruturais na forma como a justiça é aplicada. E não há melhor momento para esse avanço do que em um governo progressista”, declara o movimento.

Baixa representatividade

Em 132 anos de existência do STF, somente três dos 171 ministros eram homens negros e três eram mulheres brancas. O STF nunca teve uma mulher negra em uma de suas cadeiras.

“O presidente Lula tem sido pressionado para escolher mais um homem branco e nós não podemos ficar de braços cruzados. É preciso levar nossas vozes à Brasília. Faremos História pressionando Lula para que ele nomeie uma ministra negra”, pontua a organização dos movimentos ao afirmar que a indicação de uma “mulher negra progressista para o STF não é um favor, é reparação histórica”.

A meta do site é enviar 500 mil e-mails para o chefe do Executivo nos próximos 20 dias. “Temos 20 dias para enviar 500 mil e-mails para Lula e levar, representados pelos movimentos negros e feministas, pessoalmente, nossa pressão ao presidente. Pressione agora! Precisamos ser meio milhão de vozes para pesar na decisão final, fazendo um só pedido: queremos uma ministra negra progressista no STF em outubro”.

Reações

Através de suas redes sociais, parlamentares negras compartilharam a campanha. Elas dizem que a vaga deixada por Rosa Weber em outubro precisa ser substituída por uma mulher negra pois “vivemos em um país com mais da metade da população composta por mulheres e pessoas negras”, segundo o IBGE. Ou seja, para eles precisa ter alguém que represente esses números.

“Nas próximas semanas, o Presidente Lula nomeará aquela que ocupará o órgão guardião da Constituição Federal pelas próximas décadas, e não aceitaremos mais um ministro conservador. Queremos a primeira ministra negra progressista da história no STF”, escreveu a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP).

Reprodução/Twitter

A vereadora de Salvador Laina Crisóstomo (PSOL-BA) disse que Lula “foi eleito com o voto das mulheres negras” e por isso espera uma mulher negra no STF. A parlamentar disse que já tem até uma lista tríplice com os nomes da doutora em ciências jurídico-políticas Livia Sant'Anna Vaz, da doutora em Direito Penal Adriana Cruz e da pós-doutora em Teorias Jurídicas Contemporâneas Soraia Mendes.

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Na última quinta-feira (24), grupos de movimentos negros se encontraram em diversas cidades do Brasil para dar início à Jornada dos Movimentos Negros contra a Violência Policial. No Recife, coletivos, frentes e articulações pelos direitos das pessoas negras se reuniram no bairro do Ibura, na zona Sul da cidade.  

Um dos grupos representados no ato foi o Sindicato dos Professores da Rede Municipal do Recife (SIMPERE), com a presença de Carmen Dolores, que faz parte do Coletivo Antirracista, formado por professores e professoras da categoria. Ao LeiaJá, Dolores compartilhou a importância de incluir pautas antirracistas no currículo escolar, e como falta de presença das autoridades é latente. 

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“A gente acha que as ações da prefeitura com relação à questão da violência e do enfrentamento ao racismo ainda têm sido muito tímidas. Na prefeitura, por exemplo, a gente tem um grupo que é responsável de fazer o trabalho do antirracismo nas escolas, e esse grupo praticamente se resume hoje a duas pessoas na Prefeitura do Recife”, declarou Carmen. 

Carmen Dolores, integrante do Simpere. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá 

“Não existe uma política pública de fato. Não é política de governo, a gente quer uma política de Estado, uma política que se alongue independente dos governos, na perspectiva do enfrentamento da violência e do racismo. Então essas ações estruturantes [devem ser colocadas em prática] a médio e longo prazo”, continuou a docente. 

Soluções concretas e possíveis 

As críticas, no entanto, não vêm sozinhas. A categoria já encontra e insiste em propor soluções concretas e possíveis. A necessidade de formação para os professores é fundamental, para a implementação de uma educação antirracista, segundo apontam os docentes. 

“O principal apontamento para resolver o problema da violência nas comunidades, é a escola ser pertencente da comunidade. É a comunidade se sentir parte da escola, ‘derrubar os muros’. Quando a comunidade sente que a escola é pertencente à própria comunidade, a escola não é atacada, não existe violência. É um processo em que a escola precisa se aproximar cada vez mais das comunidades”, enfatizou Carmen Dolores. 

Ato lembra Mãe Bernadete 

Além de abordar a violência policial, que causou a morte de 45 pessoas na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, entre julho e agosto deste ano, o ato foi organizado para se manifestar contra a morte da Yalorixá Mãe Bernadete, assassinada no último dia 17. 

Piedade Marques, da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, lista as principais problemáticas que incentivaram a mobilização nacional. 

Piedade Marques, participante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá 

“É aquela história, no frigir dos ovos, é sobre as nossas vidas. É sobre as violências, é sobre o racismo estrutural, sobre o perfilamento que define quem são as pessoas, os corpos sujeitos da ação policial. Fala sobre o encarceramento em massa, fala sobre a guerra às drogas aonde nós, negros e negras é que somos vítimas, colocadas inclusive como algozes porque somos nós que estamos ocupando os presídios”, relata Marques. 

 

Manifestações pacíficas, organizadas pela união de movimentos negros, ocupam diversas cidades no Brasil nesta quinta-feira (24). A data foi escolhida por marcar o aniversário de 141 anos da morte de Luiz Gama, primeiro advogado negro do Brasil e Patrono da Abolição da Escravidão no país. Em Pernambuco, o ato foi realizado na praça da UR-11, no bairro do Ibura, na zona Sul do Recife. 

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A jornada dos movimentos negros contra a violência policial foi pensada como forma de se manifestar contra as chacinas ocorridas nos estados da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, em julho e agosto deste ano, que resultaram na morte de 45 pessoas. Os grupos também lembram a morte da Ialorixá Mãe Bernadete, que foi assassinada em sua casa na última quinta-feira (17), na região metropolitana da Bahia, atingida por 14 tiros. 

O ato local foi realizado por diversos grupos como a Articulação Negra de Pernambuco, o Centro Comunitário Mário Andrade, Feministas Antirracistas Socialistas, Afoxé Alafin Oyó, Coalizão Negra por Direitos, coletivos sindicais, entre outros. 

Um dos participantes ativos é João José da Silva, militante do Coletivo de Entidades Negras e do Movimento de Luta Popular e Comunitária de Pernambuco. Ao LeiaJá, João explicou a razão da escolha do local do ato no estado. "A gente aqui em Pernambuco não fez no centro da cidade porque as violências policiais ocorrem nas periferias, e aí a gente adotou aqui em Pernambuco na periferia, em uma das áreas que tá sendo mais [atingida]", afirmou João. 

João José da Silva. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá 

"A gente preferiu fazer aqui na UR-11 porque também é um ponto que tem sido muito chocante a atividade policial em cima dos nossos jovens negros e negras", continuou. 

Presença contra injustiças 

O ato contou com a participação de Joelma Andrade, mãe de Mário, adolescente de 14 anos que foi morto por um policial em 2016. “Esse ato representa toda a minha luta. Amanhã faz sete anos e um mês que eu estou sem meu filho através de um policial que exterminou Mário, ele tinha 14 anos. E nesse ato hoje é para mostrar mais uma vez que a gente, o povo preto, tem voz.” 

Joelma Andrade. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá 

Em uma batalha judicial para reivindicar justiça pela vida do seu filho, Joelma é fundadora do www.leiaja.com/carreiras/2023/08/22/escola-comunitaria-mantem-viva-memor...">https://www.leiaja.com/carreiras/2023/08/22/escola-comunitaria-mantem-vi...">Centro Comunitário Mário Andrade,espaço que tem por objetivo promover atividades que possam afastar os jovens periféricos da violência e do crime. “De 2016 para cá que eu venho nessa luta antirracista, antigenocida, que a gente que mora em comunidade sabe o que a gente passa. Infelizmente, com essa polícia que entra na comunidade para matar. A PM, ‘Preparada pra Matar’, o nome ‘PM’ para mim já diz tudo. E participar desse ato hoje é mais do que importante. Mostrar que são sete anos de luta, mas sete anos que eu tô de pé. Não desistir, não vou desistir nunca de lutar. Existem vários outros Maridos, várias outras Joelmas mas que eu luto pra que permaneça a vida”, declarou. 

A realidade que se repete na história 

A violência policial em favelas no Brasil é um fenômeno que reflete o despreparo do Estado para lidar com o cumprimento da lei e com a segurança pública. A lembrança de Luiz Gama serve para marcar também as ações de repressão policiais, que datam desde sua criação, como explica Yasmim Alves, militante dos grupos Feministas Antirracistas Socialistas e Afoxé Aladin Oyó. 

Yasmim Alves. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá 

“A origem da polícia militar vem com a vinda da [Família Real ao Brasil, no século XIX], então a Polícia Militar, originalmente chamada Guarda Militar, era voltada para proteger a nobreza, e isso no período colonial. Hoje no período da República, a Polícia Militar ainda serve aos interesses da burguesia branca, para controlar, assassinar e exterminar determinada parte da sociedade, que é preta, trabalhadora. Até leis antigas, como a lei que criminalizava a capoeira, lei que criminalizava o maracatu, hoje em dia, por exemplo, a lei de drogas não é para a gente enfrentar a questão do tráfico, é para prender e encarcerar pessoas negras porque quando você vai olhar quem está encarcerado não é quem realmente é responsável pela questão do tráfico”, explanou Alves. 

Reivindicações coletivas 

Durante o ato foi distribuído um manifesto que reúne demandas que podem garantir mais segurança para a parcela da população que é frequentemente vítima de ações truculentas das forças armadas. Yasmim listou algumas delas: 

A desmilitarização da Polícia Militar. Isso significa tirar o vínculo da Polícia Militar do Exército. Desvincular e tirar esse caráter da Polícia [de ser associada ao] confronto. E isso traz também, por exemplo, a possibilidade de sindicalização dos próprios policiais, direito a greve (...)”, explicou. 

A criação de conselhos populares, com poderes reais para definir as prioridades orçamentárias e de uso das forças de segurança. A gente não debate orçamento para cultura? A gente não debate orçamento para educação? Por que a gente não debate orçamento para as forças de segurança?”, questionou. 

Proibir o uso policial de gás lacrimogênio, balas de borracha, estrangulamentos e equipamento militar, desarmar policiais em patrulha. Para que aquelas armas de patrulha?”  

O reconhecimento dos terreiros, espaços do sagrado e pela titulação dos territórios quilombolas no Brasil, para que eles tenham proteção e para que a gente não tenha mais Ias como aconteceu com Mãe Bernadete e com várias outras pessoas”, complementou Alves. 

Primeiro dia de uma longa Jornada 

Segundo Ademir Damião, militante da Articulação Negra de Pernambuco (ANEPE), os grupos têm uma agenda que deverá ser cumprida nos próximos meses, sendo este o primeiro dia da jornada. “A ideia da gente é em setembro e outubro realizar mais dois atos. Em setembro será em Jaboatão [dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife], e em outubro possivelmente no Cabo [de Santo Agostinho], que são municípios que têm [um alto nível de mortalidade] de gente negra, de várias formas. E em novembro, no dia 20, que é dia de Zumbi e de Dandara, a gente vai realizar um grande ato no centro da cidade e entregando à governadora [Raquel Lyra], exigindo dela, a nível de Estado, questões concretas que acabe com essa matança do povo negro”, explicou Damião. 

Apesar deste sábado (13) marcar os 135 anos da abolição da escravidão no país, é fundamental desmistificar a ideia passada nos livros antigos de História, na qual a protagonista era apenas a princesa Isabel, uma mulher branca que em 1888 assinou a Lei Áurea. É importante ressaltar que o Brasil foi o último país da América a acabar com esse sistema exploratório e desigual, depois de anos de uma intensa luta da população negra por sua libertação.

Os esforços da monarquia em definir a princesa e suas ações como fundamentais para os direitos do povo negro tinha razão óbvia e pouco nobre. No final do século 19, a realeza vivia seus últimos momentos em um território já dominado pelos ares republicanos. Sendo assim, associar a monarquia a uma causa tão popular quanto o abolicionismo era uma das últimas esperanças de dar sobrevida ao regime. Na época, os novos padrões civilizatórios, influenciados pelo continente europeu, condenavam a escravidão. O Brasil, pressionado diante o cenário, se viu em uma posição vexatória internacionalmente.

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O ato libertou 700 mil escravizados que ainda existiam, proibindo que pessoas fossem escravizadas futuramente. Porém, o Estado Brasileiro não disponibilizou políticas públicas para absorver os ex-escravizados na sociedade. Os negros não foram indenizados, não tiveram acesso a trabalho ou terra para continuar a vida com dignidade.

Durante todo o processo de abolição alguns personagens do movimento negro exerceram funções muito importantes, como é o caso do abolicionista Luís Gama. Ele usava diversos argumentos para obter a alforria. O principal deles era que os africanos trazidos ao país depois de 1831 tinham sido escravizados ilegalmente. Isso porque naquele ano foi assinado um tratado de proibição do tráfico de escravos.

"As vozes dos abolicionistas têm posto em relevo um fato altamente criminoso e assaz defendido pelas nossas indignas autoridades. A maior parte dos escravos africanos (...) foram importados depois da lei proibitiva do tráfico promulgada em 1831", disse Gama na época.

Esse abril deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) instituiu, em publicação no Diário Oficial da União (DOU), o Prêmio Luiz Gama de Direitos Humanos. No texto, o mandatário revogou a "Ordem do Mérito Princesa Isabel", que havia sido criada pela gestão de Jair Bolsonaro (PL) no final de 2022. De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos, a homenagem a uma mulher branca, herdeira do trono imperial, transmite uma mensagem equivocada. Portanto, em substituição à medalha que homenageava a princesa, foi instituído o prêmio com o nome do abolicionista negro.

Os debates sobre a falta de auxílio à população negra após a abolição ganham repercussão até hoje, como nas questões ligadas ao acesso à moradia, educação, trabalho e racismo. Apesar da Lei Áurea ser uma cláusula pétrea e irrevogável da nossa Constituição. Esta lei não impede que em 2023 ainda existam denúncias sobre trabalho análogo a escravidão no Brasil. 

Em entrevista ao LeiaJá, a ex-deputada estadual de Pernambuco, Jô Cavalcanti (PSOL), que tem uma atuação muito importante na luta do movimento negro e trabalhador no estado, falou dos desafios da população negra na atualidade.

"Nós, população negra, enxergamos esse processo como uma falsa abolição que se reflete até hoje na falta de políticas públicas de reparação, no extermínio da juventude negra e na vulnerabilidade social que toda essa população está submetida. A abolição foi formal, na letra da lei, mas não se refletiu na vida dos povos escravizados. A sobrevivência da vida e da história do nosso povo só foi possível pela resistência construída antes, durante e após a assinatura da lei Áurea", disse.

Além disso, Jô afirma que a sociedade precisa conhecer os verdadeiros heróis dessa história e que o protagonismo de mulheres negras deve ser reconhecido. "Ainda hoje é reservado para as mulheres negras os piores salários e os piores postos de emprego, a falta de moradia adequada e tantas outras violações. O Estado utiliza suas ferramentas como estratégia de ataque às vidas negras: a legislação criminaliza, o sistema de justiça criminal encarcera e escreve um destino de negação e invizibilizacao para os corpos negros.

Nessa data, nós entoamos a frase "13 de maio não é dia de negro" por entender que a liberdade não é e não foi dada por ninguém, ela é construída e buscada diariamente em cada território, pelos coletivos organizados e na vida de cada um de nós", afirmou.

Uma pesquisa lançada em março desse ano pela Enegrecer a Política, mostrou o comportamento do eleitorado recifense nas disputas municipais de 2022. Entre as capitais que participaram do levantamento, Recife foi identificada como a capital com o maior número de eleitores que declararam já ter votado em candidaturas negras.

O Enegrecer a Política tem como principal foco de atuação, promover a discussão sobre a baixa representatividade negra nas esferas públicas, espaços de poder e decisão, além de estimular a criação de estratégias que visam fortalecer essa presença.

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Diante esses dados, o LeiaJá entrevistou Renato Aquiles, um jovem morador do bairro do Vasco da Gama, na Zona Norte do Recife. O estudante de arquitetura faz questão de confessar sua preferência em votar nos candidatos negros do município e do estado, além disso, afirma que ''a maior parte da população se identificar como negra, então existe a necessidade de que os postos políticos sejam ocupados por pessoas desse perfil''.  

''Pernambuco tem um viés de luta e história negra, que é muito ativo. E isso me instiga bastante de querer participar e votar nessas pessoas, porque eu acredito muito no que elas estão fazendo. Eu acompanho algumas delas há muito tempo. Algumas acompanho pelo Instagram, e através das notícias. Consigo entender melhor o que elas fazem. Me sinto muito próximo delas dessa forma, através de suas atuações nas redes sociais e nos jornais. E consigo confiar mais nessas pessoas pois elas saíram da mesma realidade que a minha. Ela tem uma ótica da sociedade, que é parecida com a minha’’, disse.

Entre os políticos citados por Renato, estão os nomes da deputada estadual Dani Portela (PSOL-PE) e do professor de história, Jones manoel (PCB-PE). ''Pernambuco é um estado que nas últimas eleições leque de opções de candidaturas negras'', afirmou.

Deputada estadual Dani Portela (PSOL) - Foto: Roberto Soares/ALEPE

Porém, segundo a pesquisa, o desconhecimento das candidaturas negras ainda é o principal motivo para a população não votar nestas candidaturas. Na capital pernambucana, 16% da amostra declara que desconhecia as candidaturas; 2% não acredita na política; 2% afirmaram que é a primeira eleição que participa; 1% não vota por cor e 1% não gosta de pessoas negras. De acordo com o dossiê, a falta de conhecimento pelos eleitores sobre as candidaturas negras é consequência da falta de investimento na disputa eleitoral com as demais. De acordo com a Educafro, em 2022, os partidos repassaram menos recursos a candidatas negras, estas receberam 41,8% das verbas mesmo estando em maior número, enquanto as não negras receberam 58,2%.

Entre as motivações para votar em pessoas negras na cidade, 48% do público apontou que se baseia na pauta política dos candidatos e candidatas, 27% priorizam a trajetória dos representantes políticos e 26% analisam a agenda de campanha.

Para a cientista política Letycia Raila, mesmo o Brasil tendo mais da metade da sua população declarada como negra, ainda existem barreiras estruturais que dificultam que essas pessoas cheguem a cadeiras maiores. ‘’Fazer campanha é muito caro. Você precisa ter um círculo que te favorece. Isso não só financeiramente falando, mas em termos de influência também. E para que você consiga ter um Apoio, né? Então, às vezes, pela característica estrutural do Brasil, a população negra nem sempre está em sua maioria nesses círculos. Então, infelizmente a gente tem grande parte da população negra vivendo abaixo da linha da pobreza, sem acesso à educação de qualidade e sem acesso a uma segunda língua, por exemplo. E a política ela acaba sendo bastante personalista em alguns momentos. Então essa própria barreira estrutural impede que pessoas negras cheguem a cargos do executivo’’, afirma.

Câmara dos vereadores do Recife - Foto: Beto Figueiroa/Ivan Moraes/Flickr

A estudiosa também falou dos preconceitos enfrentados por candidatos negros na disputa eleitoral. ''A gente vive numa sociedade racista que impede que as pessoas confiem 100%. Você como candidato negro precisa demonstrar às vezes o dobro, o triplo, o quádruplo da sua competência para que as pessoas validem o seu trabalho''.

Mesmo com um cenário político de bastante dificuldades, Letycia Raila enxerga alguns avanços nos direitos de candidatos negros no país. A cientista política destaca a função das cotas raciais nas eleições, que diminuem as desigualdades na representação de raça na política institucional. As eleições de 2022 foi a primeira a garantir esse direito para políticos negros.

 

 

Nesta quinta-feira (27), a Fundação Cultural Palmares do Ministério da Cultura empossou, o novo presidente da instituição, João Jorge Rodrigues. Sua nomeação para comandar a entidade foi publicada em 21 de março, emblemática data em que se marca o Dia Internacional de Combate à Discriminação Racial.

O baiano de 66 anos é produtor cultural, um dos fundadores do bloco afro Olodum, advogado, egresso da Universidade Católica de Salvador (UCSal) e mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). De 2009 a 2016, ele integrou o Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). É autor do livro Fala Negão: Um discurso sobre Igualdade (2021) e filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB).

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A solenidade, realizada no Palácio do Itamaraty, na capital federal, contou com a presença de familiares de João, mães de santo de religiões de raízes africanas e indígenas. A ministra da Cultura, Margareth Menezes; a secretária de Igualdade Racial da Bahia, Ângela Guimarães; a reitora da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), e as embaixadas do Zimbábue, República de Gana e da República Unida da Tanzânia, também marcaram presença na cerimônia.

Margareth Menezes, em seu discurso, disse que a posse de João marca a retomada da valorização da fundação e o compromisso do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com a proteção e a promoção da cultura afro-brasileira. “Empossar João Jorge é dar uma resposta ao que aconteceu na gestão anterior, ao desrespeito ao legado do povo afro, à falta de consciência pelos que passaram os nossos antepassados”, classificou.

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Emocionado, João Jorge falou que o símbolo da Fundação Palmares, um machado que simboliza a justiça, voltou para a instituição. De acordo com as tradições de religiões de matriz africana, o machado também simboliza o orixá Xangô.

"Eu estou falando emocionado porque estive com os presidentes da Palmares e depois cheguei em Brasília e encontrei as fotos deles jogadas em um depósito. Um funcionário me entregou os tapetes com a marca de Xangô e disse que escondeu para não jogarem fora", contou.

Durante a gestão Bolsonaro (PL), a Fundação Palmares foi palco de polêmicas. Uma delas foi a mudança do machado de Xangô para uma nova logomarca com elementos da bandeira do Brasil e as cores verde e amarela no nome da instituição.

Além disso, o ex-presidente Sérgio Camargo (PL-SP) chegou a chamar o Dia da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro, de "Dia da Vitimização do Negro". Em uma série de publicações em suas redes, Sérgio minimizou a luta do movimento negro em diversos aspectos e sugeriu a troca do nome de Zumbi dos Palmares da instituição para o do engenheiro André Rebouças (1838-1898) para destacar outros valores. “Promoveria virtudes e valores construtivos, a união e a colaboração de pretos e brancos do Brasil”, publicou.

Para João Jorge, o momento é de renascimento da Fundação Palmares, a partir de investimento financeiro em políticas públicas e apoio aos desenvolvimentos dos projetos. O novo presidente da fundação, ainda exaltou nomes de ativistas da causa negrasm trabalhadores da entidade e, em especial, das mulheres que lutaram no movimento negro no Brasil. “A Palmares não é minha, é nossa. É do povo brasileiro. Nós vamos fazer a Palmares de novo”, afirmou.

 

Liberdade, mas sem direitos e ações afirmativas. Jogados na rua apenas com a roupa do corpo. São essas questões que representam o 13 de maio, data oficial da abolição da escravatura no Brasil, para o movimento negro - que não enxerga nesse dia motivos para celebrar.

Isso se dá porque, há 134 anos, quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, não foi editada nenhuma medida que garantisse a sobrevivência digna dessa população que passou 388 anos sendo escravizada no país.

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Mônica Oliveira, integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e Coalizão Negra por Direitos, reforça que os movimentos negros brasileiros não comemoram o 13 de maio por compreender a abolição como uma ação inclonclusa. 

“Nós usamos a expressão de ‘falsa abolição’ porque, concretamente, o simples estabelecimento da lei não significou melhoria da vida para a população negra. No dia seguinte ao 13 de maio, os negros ficaram na rua, sem escola, sem casa, sem alimentação, sem trabalho e sem nenhum tipo de proteção social. O Estado brasileiro se desobrigou de oferecer a proteção social para essa população”, acentua.

Para Dayse Rodrigues, consultora de diversidade racial e co-fundadora da empresa futuro black, essa data é mostrada pela história de uma forma muito “romantizada”, como se a partir da sanção da Lei Áurea tudo tivesse melhorado para os negros. 

“A princesa Isabel não tem nenhum papel central na luta pela abolição da escravatura. Quem de fato tem o papel central são os abolicionistas, são as pessoas pretas que lutaram e morreram para que isso acontecesse. Esse protagonismo deveria ser mostrado nas escolas. Imagina o impacto que isso teria na vida dos jovens pretos”, diz.

Ela lembra que a Lei Áurea foi algo pensado puramente na economia. O país estava sofrendo pressão, principalmente da Inglaterra, para ser um mercado consumidor muito maior e o Brasil tinha uma população de quase 70% das pessoas escravizadas ainda. Isso não era interessante para os países europeus”, detalha.

Mulheres unidas na área central do Recife contra o racismo. Foto: Júlio Gomes/LeiaJá Imagens/Arquivo

Mônica Carvalho complementa que, após a abolição, ao invés do governo brasileiro ajudar os negros concedendo terras e possibilitando ações afirmativas, preferiu financiar a imigração européia. 

“Concretamente, o Estado fez uma escolha. Ele financiou as passagens de navio para os europeus, financiou um atendimento quando essas famílias européias chegaram ao país e deu terras de graça. Por isso que hoje nós não temos grandes latifundiários negros. E isso é fruto de como foi feito o processo de ‘libertação’ dessa população escravizada”, fala.

É diante de todas essas faltas do governo brasileiro para com o povo preto que o 13 de maio é tido como um dia de denúncia do racismo, sendo classificado como o “Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo”. 

“A discussão importante é como se dá o racismo hoje, porque o racismo não é uma coisa de antes, superada com a abolição. O racismo é operado como um sistema de exploração e opressão. É um sistema que está na política, na economia, na segurança pública e que violenta a população negra”, esclarece Mônica.

A integrante da Coalizão Negra Por Direitos reforça que o racismo é um sistema de dominação e está em todos os campos da vida em sociedade, atingindo todas as dimensões da sobrevivência de uma pessoa negra. 

Mas, para ela, tudo não pode ser atribuído à escravidão. “Eu jamais vou afirmar que nada mudou desde a Lei Áurea até agora, porque isso não é verdadeiro. Não é que nada mudou. Existem conquistas da população negra, existem conquistas do movimento negro. Nós avançamos em diferentes aspectos, mas nós ainda não destruímos o sistema racista”, pontua.

Celebração só em novembro

O dia 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares, é a data escolhida pelos movimentos negros do Brasil para celebrar as lutas e conquistas dessa população que até os dias atuais luta contra o racismo e pelas reparações históricas. Neste dia, o povo preto sai as ruas do país, celebrando as vitórias, reafirmando a sua identidade e fortalecendo as suas lutas.

Na tarde desta segunda-feira (16), um protesto que leva o nome de “Ato-xirê contra o racismo religioso” está marcado para acontecer no bairro da Madalena, Zona Oeste do Recife (PE). Os manifestantes farão uma caminhada ao longo do Túnel da Abolição, onde um mural pintado pelos artistas negros Adelson Boris, Emerson Crazy e Nathê Ferreira foi alvo intolerância religiosa praticada por um pastor evangélico.

A mobilização é capitaneada pela Articulação Negra de Pernambuco (ANEPE), em conjunto com outros grupos do movimento negro, e visa cobrar posicionamento dos órgãos públicos frente ao episódio classificado como um exemplo de racismo religioso.

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O painel “Do Orum ao Aiye: Afrika Elementar” foi feito com incentivo da Secretaria-Executiva de Inovação Urbana, que através do projeto “Colorindo o Recife” passou a criar galerias de arte a céu aberto com a participação de artistas. A obra, inaugurada em julho, reflete elementos da cultura e religiosidade afro-brasileiras, funcionando como uma espécie de memória ancestral cartografada na cidade.

“É muito triste essa impunidade”

Ainda durante o mês de julho, o pastor Aijalon Berto, que atua na área de Igarassu (PE), na Região Metropolitana do Recife (RMR), usou as redes sociais para divulgar um vídeo, em tom impositivo, no qual proferiu ofensas aos artistas que compuseram a obra no Túnel da Abolição.

Apoiado no pressuposto da laicidade religiosa e da liberdade de expressão, Berto fala em “bruxaria” e “portal demoníaco” ao citar a obra, além de associar os orixás - divindades cultuadas nas religiões de matriz africana e afro indígena - à “feitiçaria”. O pastor usa ainda imagens dos autores do mural para incitar o discurso de ódio.

Para Nathê Ferreira, grafiteira e uma das artistas atacadas pela fala do líder religioso, além da violência presente no vídeo, há também o desejo de autopromover-se através da propagação de notícias falsas. A fala da artista reforça que “ele [Aijalon Berto] insistiu para que o argumento dele chegasse onde queria, e, inclusive ele inventou coisas que não existem”.

Embora o objetivo do mural seja ilustrar os elementos ar, terra, ar e água, o modus operandi do pastor foi apresentar informações inverídicas sobre as pinturas, associando todo o trabalho às representações de matriz africana. No vídeo, Berto chegou a inventar uma entidade inexistente.

“Por que isso não dá em nada? Por que ele não é preso? Por que ele não paga indenização a nenhuma das vítimas? É muito triste essa impunidade”, desabafou Nathê, que durante a fala também compartilhou o medo que o episódio de racismo trouxe. Os artistas estão recebendo apoio jurídico para levar o caso adiante.

Injúria racial ou racismo?

Segundo Priscila Rocha, integrante do setor jurídico da Articulação Negra de Pernambuco, que está acompanhando o caso, a intenção dos advogados à frente do processo é tipificar as declarações do pastor Aijalon Berto como racismo. Os profissionais estão atuando de maneira voluntária.

“O que acontece na maioria dos casos é que todo esse racismo contra uma pessoa ou contra uma religião de matriz africana e toda sua cosmologia é reduzido a injúria racial, que é um crime de competência privativa e exclusiva a um afeto próprio, um afeto particular. Quanto ao crime de racismo, ele é voltado a uma coletividade”, explicou Rocha.

O objetivo da assessoria jurídica das vítimas é apresentar uma "notitia criminis”, ou “notícia crime” para embasar a denúncia. “A partir dessa notícia crime, que vai reunir todas as representações sobre o caso, dos movimentos sociais, dos partidos políticos, dos movimentos negros, vai acontecer a apresentação à delegacia responsável pelo caso e para Ministério Público [MPPE], solicitando que uma investigação seja aberta e também que se faça a oitiva, ou seja, a ouvida das pessoas que foram ofendidas e do ofensor”.

Além disso, também haverá uma representação na esfera cível solicitando a retirada do conteúdo publicado pelo pastor das redes sociais, sob pena de multa, já que veiculam as imagens dos artistas de maneira não autorizada pelos mesmos. A advogada ressalta ainda que o grupo jurídico solicitará indenização por danos morais e materiais aos representados.

“Não vimos nos Evangelhos Jesus perseguir pessoas de outra religião”

Em nota, o Movimento Negro Evangélico (MNE) em Pernambuco afirmou que “repudia veementemente a publicação e postura de propagação ao racismo, ódio e desrespeito às tradições de matriz africanas à profissionais negras e negros da área do grafite, perpetrada pelo dito então pastor Aijalon Berto na sua página pública no Instagram”.

“O Evangelho vivido e ensinado pelo Mestre Jesus Cristo aponta para o caminho do respeito à dignidade e liberdade humana: A 1ª Carta de João 4.12-21 diz que aquele que diz que ama a Deus, mas odeia seu irmão é mentiroso. Não vimos nos Evangelhos Jesus perseguir pessoas de outra religião. Pelo contrário, Jesus admoestava e denunciava as condutas hipócritas dos da sua própria religião. Jesus não falava contra outras religiões ou profissões de fé”, continua a nota.

Para Jackson Augusto, Integrante da coordenação nacional do MNE, a importância do posicionamento diante do mais recente episódio é “dizer que existe uma outra forma de construir a experiência da fé evangélica que não seja baseada no racismo, que vai construindo a lógica em toda a sociedade, inclusive na religão, e que olha para tudo que pertence ao povo negro, que tem o protagonismo negro, como ruim, como feio, como profano, como diabólico”.

“Existem sim formas de olhar para a fé evangélica e de construir a fé evangélica de uma maneira não só que tolere o diferente, o outro, mas que também promova e valorize a importância das religiões de matriz africana para a construção da negritude brasileira”, completou.

O que diz a Secretaria-Executiva de Inovação Urbana

A equipe do LeiaJá questionou a Secretaria de Inovação Urbana sobre o futuro do projeto “Colorindo o Recife”, já que no dia 2 de agosto, de acordo com o Diário Oficial, o secretário da pasta, Tullio Ponzi, foi exonerado do cargo.

Nós também perguntamos se a saída de Ponzi da pasta tem alguma relação com a polêmica gerada em torno do caso de intolerância religiosa. Confira a resposta da secretaria:

A Secretaria Executiva de Inovação Urbana do Recife informa que o painel do Túnel da Abolição, no bairro da Madalena, é mais uma das intervenções do programa Colorindo o Recife, que está ressignificando áreas e equipamentos públicos da cidade por meio da arte urbana.

A proposta do programa é fazer da capital pernambucana uma grande galeria de arte a céu aberto, trazendo mais cores e vida para a cidade e promovendo o protagonismo dos artistas urbanos. A Secretaria destaca ainda que os painéis do Túnel da Abolição foram criados pelos artistas Adelson Boris, Nathê Ferreira e Emerson Crazy, que escolheram a cultura afrobrasileira como inspiração. Os temas abordados em cada painel são frutos de uma construção colaborativa entre a Prefeitura e os artistas.

Todos os artistas do Colorindo o Recife são selecionados a partir de cadastro realizado através de chamamento público e terão sua liberdade de expressão asseguradas pela gestão.  A administração municipal reafirma sua posição contra a intolerância religiosa e em defesa da diversidade.

O programa Colorindo o Recife foi criado em 2013 e, desde 2017 se tornou política pública da cidade, fomentando a arte urbana e promovendo interação com os espaços públicos, reinventando o olhar de turistas e moradores da capital pernambucana. Criado sob a gestão da então Secretaria de Turismo, Esportes e Lazer (Seturel), atualmente a iniciativa está sendo desenvolvida pela Secretaria Executiva de Inovação Urbana e já conta com intervenções artísticas em mais de 200 espaços urbanos da cidade desde sua criação.

A Secretaria Executiva de Inovação Urbana esclarece ainda que o Colorindo o Recife segue com suas atividades normais e que o ex-secretário foi exonerado, a pedido, conforme publicado no D.O, sem qualquer relação com o episódio citado.

 

A Coalizão Negra por Direitos denunciou, nesta quinta-feira (22), à Organização das Nações Unidas (ONU) o presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), Sérgio Camargo, por violação de Direitos Humanos e dos interesses da população negra. O apelo foi enviado e assinado pela entidade, que reúne 200 grupos e coletivos negros para promover ações de incidência política nacional e internacional.

O objetivo da ação inédita é solicitar a interferência da ONU para que a organização notifique o Estado brasileiro acerca das denúncias, a fim de “garantir o exercício de direitos da população negra no Brasil e a proteção da memória e patrimônio cultural que estão sob tutela da Fundação Palmares''. No documento, que o portal Alma Preta Jornalismo teve acesso, a Coalizão descreve o comportamento de Camargo como “totalmente adverso ao escopo institucional que se espera da conduta e lisura” de quem ocupa a Fundação.

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Figuram entre os ataques mencionados no dossiê, as tentativas de Sérgio Camargo de promover o desmonte da proteção institucional do patrimônio histórico e cultural afro-brasileiro, bem como os inúmeros ataques ao movimento negro e militantes antirracistas. Segundo a Coalizão, trata-se de uma tentativa de censurar e promover o apagamento histórico da luta negra no país.

A ação anexou ainda a alteração da lista de personalidades negras feita pelo presidente da FCP, que desagradou ao anunciar que a tornaria uma lista póstuma, ou seja, de homenagens a pessoas que já faleceram. A opinião dos movimentos negros, no entanto, é uníssona ao reafirmar a importância da lista, que reúne uma coletânea de lideranças e propagadores da luta por igualdade racial, a exemplo das escritoras Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo.

Camargo e relação com a imprensa

De acordo com o portal Alma Preta Jornalismo, a reunião de documentos enviados para a ONU também pauta as agressões de Sérgio Camargo a jornalistas e à imprensa de forma abrangente. Em um dos episódios mais recentes, Camargo comentou o caso conhecido como “Chacina do Jacarézinho”, no Rio de Janeiro, que causou a morte de 29 jovens em sua maioria negros, e chegou a afirmar que “parcela significativa dos jornalistas é usuária de cocaína”, buscando desqualificar a cobertura da imprensa.

O "inimigo do politicamente correto" e presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo, voltou a atacar personalidades da cultura negra brasileira e, desta vez, tenta boicotar um premiado longa-metragem dirigido por Lázaro Ramos.

"Filmes militantes - 'Marighella', 'Medida Provisória' - não são dignos da consideração nem do dinheiro do público brasileiro", afirmou Camargo em seu perfil no Twitter.

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Em outra publicação, ele foi mais especifico e direcionou as críticas ao diretor. "Recado rápido para a mídia militante: nenhum preto tem a obrigação de admirar Lázaro Ramos, nem assistir e gostar de seus filmes. Somos livres", escreveu.

O filme

O filme "Medida Provisória" é estrelado por Taís Araújo - esposa de Lázaro - e conta com a participação do cantor e ator Seu Jorge. Ele foi inspirado na peça "Namíbia, Não!" do também baiano Aldri Anunciação.

O filme se passa no Rio de Janeiro. É um longa-metragem de ficção cuja trama parte da criação de uma lei que determinaria a volta compulsória de todos os afrodescendentes a seus países de origem, segundo a sinopse.

O filme foi aprovado em editais da Agência Nacional do Cinema (Ancine), que investiu R$ 1.734.648,73 no projeto, de acordo com o SIF (Sistema Integrado das Áreas Finalísticas).

Além de receber diversas críticas positivas, o longa foi premiado pelo jornal LA Weekly como o 2º melhor filme exibido na South by Southwest Film Festival, no Texas.

Autor da peça responde a Camargo

“Escrevi em 2011, nem sabia quem era Bolsonaro naquela época”, indicou Aldri, que venceu uma das categorias do prêmio Jabuti de 2013.

Na visão do autor da peça que inspirou o filme, o posicionamento de Camargo, adverso ao movimento negro, trata-se de ressentimento e falta de autocrítica.

“Avalio como uma falta de compreensão do presidente da Fundação Palmares do que se é uma distopia futurística. Quando você escreve ou filma na linguagem distópica, você não acusa o presente. Você faz um prognóstico pessimista do futuro.  A não ser que a ‘carapuça’ seja vestida. Aí é uma outra questão. Talvez seja uma questão de ele reavaliar a própria gestão que ele está fazendo de um órgão que na verdade deveria estar apoiando o filme. Me pergunto se ele leu o livro ou assistiu ao filme. Considero uma avaliação precipitada e com aspectos de ressentimento político e talvez pessoal”, avaliou.

Em relação à fala de Camargo sobre o uso de recursos públicos para a produção de Medida Provisória, Aldri questionou: “Eu devolveria a pergunta: e por que não ser bancado por recursos públicos? Os recursos públicos destinados ao cinema devem ir para as mãos de quais artistas? Ele por acaso está dizendo que cinema negro e crítico não deve ter recursos públicos? Por que não?”.

Ele ainda cobrou o presidente da Fundação Palmares em relação a sua gestão à frente da entidade criada para proteger e exaltar a cultura negra brasileira.

“Gostaria de saber do presidente da Fundação Palmares quais são as estratégias dele para estimular o cinema negro no Brasil. Adoraria que ele respondesse”, acrescentou.

A educadora e ativista Angela Davis lança uma linha de moda inspirada no movimento negro. A coleção inclui uma camiseta e um moletom, ambos com imagens de líderes políticos e com representantes que estão na linha de frente da luta contra o racismo. Nas peças também há a frase "Não estamos pedindo mais nada".

Toda a renda adquirida com as peças será destinada a grupos que lutam a favor da reforma penitenciária dos Estados Unidos. Uma parte dos lucros irá para a Undergound Grit, uma organização com sede na Califórnia (EUA), que luta pela reforma penitenciária, e o Dream Defenders, um grupo que visa desmantelar a polícia e os sistemas penitenciários.

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"Eu queria criar algo físico como uma forma de homenagear e manter seus nomes vivos", disse Angela em entrevista à Dazed. "Eu odeio que tenha que vir a esse custo. Alguém teve que morrer por nós para que pudéssemos fazer isso".

As peças podem ser adquiridas no site da Renowned, parceira de Angela no desenvolvimento da linha de moda.

 

A Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro) apresentou uma representação ao Ministério Público Federal (MPF) contra o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, por crime de racismo e ofensa à legislação. O pedido de ação penal tem como base matéria do Broadcast Político, do portal do Estadão, que revelou áudios de Camargo nos quais ele diz, em reunião com auxiliares, que não vai destinar um centavo para terreiros, em referência aos locais usados para cerimônias de religiões de matriz africana.

"Não vai ter nada para terreiro na Palmares, enquanto eu estiver aqui dentro. Nada. Zero. Macumbeiro não vai ter nem um centavo", disse Camargo em um trecho do áudio.

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Para a Educafro, Camargo estabeleceu critério "flagrantemente negativo às religiões de matriz africana". Com isso, a entidade considera que ele incorreu no artigo 20 da Constituição, que veda "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".

"Ao afirmar categoricamente que as religiões de matriz africana não irão receber 'um centavo' da Fundação, Sérgio Camargo incorre na discriminação odiosa, violando, de sobremodo o Estatuto da Igualdade Racial e a Constituição da República", diz o documento.

"No entender da comunidade negra, Sérgio Camargo claramente comete crime de racismo, ao se referir de modo pejorativo a todos os praticantes de religião de matriz africana, bem como ao negar expressamente qualquer tipo de acesso e benefício futuramente requerido", afirma outro trecho.

Responsável pela ação, o advogado Irapuã Santana afirmou que há "abuso da liberdade de expressão" por parte de Camargo, que acaba sendo veiculado ao crime. "Uma coisa é ele falar que não gosta das organizações negras, outra é ele ofender e fazer uma discriminação ao dizer que tenho esse dinheiro e não vou dar nunca aos terreiros. Isso está completamente vedado", afirmou Irapuã.

Na mesma gravação em que ofende religiões de matriz africana e que foi obtida pela reportagem, Sérgio Camargo classificou o movimento negro como "escória maldita", que abriga "vagabundos", e chamou Zumbi de Palmares de "filho da puta que escravizava pretos".

O presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, voltou a criticar o movimento negro, o qual disse ser a "escória maldita" que abriga "vagabundos". Além disso, Camargo chamou o líder negro Zumbi dos Palmares, que dá nome a fundação, de "filho da pu** que escravizava pretos".

As declarações foram feitas durante uma reunião com dois servidores, no dia 30 de abril, e um áudio de toda a conversa foi vazado ao Estadão. O presidente da Fundação Palmares apontou ainda que o seu afastamento da instituição pelo Tribunal Regional da 5ª Região foi um ato de censura pelas suas opiniões nas redes sociais, sempre contra o movimento negro e os movimentos de esquerda.

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"Esses filho da put* da esquerda não admitem negros de direita. Vou colocar aqui o meta para todos os diretores, cada um entregando à esquerda. Quem não entregar esquerdista vai sair. É o mínimo que vocês têm que fazer", disse.

O Estadão aponta ainda que Sérgio Camargo se referiu a uma mãe de santo pejorativamente como "macumbeira", além de assegurar que os terreiros não terão verba. "Macumbeiro não vai ter nenhum centavo", disse o presidente da Fundação.

Ainda na reunião do dia 30 de abril, Sérgio declarou que a Defensoria Pública da União (DPU) era um órgão "totalmente aparelhado e de esquerda". Essa declaração acontece porque a DPU está com recurso no Supremo Tribunal de Justiça para que o presidente da Fundação Cultural Palmares seja retirado do cargo. 

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-> Bolsonaro: "Cultura tem que estar de acordo com maioria"

Na manhã desta sexa-feira (29), ao ser questionado sobre a nomeação de Sérgio Nascimento de Camargo para a presidência da Fundação Palmares, órgão responsável por promover a cultura afro-brasileira, o presidente Jair Bolsonaro declarou que a cultura "tem que estar de acordo com a maioria da população, não a minoria".

Os questionamentos sobre a indicação estão surgindo porque o papel da Fundação Palmares, que é vinculada à Secretaria Especial da Cultura, é de difundir a cultura afro-brasileira e apoiar essas manifestações. No entanto, Sérgio Nascimento nega a existência do racismo no Brasil, quer o fim do movimento negro e defendeu a extinção do feriado do Dia da Consciência Negra. 

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Presidente não conhecia Sérgio Camargo

Nesta última quinta-feira (28), Jair Bolsonaro havia dito que não conhecia o presidente da Fundação Palmares, que foi nomeado para o cargo na quarta-feira (27). A nomeação faz parte de uma série promovida pelo novo secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, para quem Bolsonaro já disse ter dado total liberdade para montar a sua equipe.

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-> "Tenho vergonha de ser irmão desse capitão do mato"

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ouviu nesta quarta-feira (12) representantes de aproximadamente 45 organizações do movimento negro de todo o país contrários ao pacote anticrime e ao decreto que altera as regras para a posse e o porte de armas apresentados pelo Executivo.

Liderados por Douglas Belchior, da Uneafro (União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora), e Iêda Leal, do Movimento Negro Unificado, a comitiva destacou que o sistema de justiça criminal brasileiro se vale de condutas discriminatórias, por parte da polícia e do Ministério Público, que são chanceladas pelo racismo institucional do Poder Judiciário. O presidente do Senado destacou que entende o sentimento do povo negro.

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"Eu fico muito à vontade para falar para vocês porque eu sou de uma região que também é discriminada. O Norte e o Nordeste do Brasil são duas regiões discriminadas do centro de decisões do Brasil. E eu estou tendo a honra de estar presidente do Senado e representar um estado muito pequeno que muitos brasileiros não conheciam. Então hoje eu estou tendo o privilégio de defender essas regiões mais prejudicadas assim como os movimentos sociais e as minorias", garantiu Davi.

O grupo defende que as medidas apresentadas pelo governo federal na Câmara (e que também tramitam no Senado — PL 1.864/2019PL 1.865/2019 e PLP 89/2019) aprofundam a situação de violência e homicídios contra população negra e representam um retrocesso na proteção dos direitos humanos. Em carta entregue ao presidente do Senado, são questionadas, entre outras, as propostas que alteram as regras para prisão em segunda instância, legítima defesa e excludente de ilicitude, e a importação do chamado plea bargain, instituto jurídico tratado, no pacote anticrime, como solução negociada.

O presidente enfatizou que o Senado tem trabalhado para dar voz a todos os movimentos da sociedade. O presidente assegurou que tanto o projeto anticrime quanto o decreto sobre a posse e porte de arma serão amplamente discutidos com magistrados, especialistas em segurança pública, sociedade civil e parlamentares antes de qualquer deliberação

"Eu sou judeu, eu sei o que é perseguição aos meus antepassados e eu fico indignado quando as pessoas desconhecem o que aconteceu. Fiquem tranquilos que a história da humanidade proporcionou para todos nós. Neste momento, um judeu, do Norte, está aqui nesta cadeira para ajudar o Brasil e ajudar a diminuir as imensas desigualdades que o Estado nacional nos impõe. Vocês podem contar comigo", declarou Davi.

Também participaram da reunião, na sala de audiências da presidência, os senadores Paulo Rocha (PT-PA) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), além do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).

Da Assessoria de Imprensa da Presidência do Senado

* Agência Senado

A estilista Rogéria Ferreira, de 35 anos, apresenta a identidade como quem mostra um troféu. Na foto, usa vistoso turbante amarelo, estampado com flores vermelhas. Mas, antes de ter direito a aparecer no documento com o adereço, foi humilhada. "Você está com câncer? É candomblecista?" gritava um atendente do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-RJ), onde fora tentar obter o documento. "Se for câncer, tem de trazer laudo médico."

Rogéria procurou a Polícia, a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Depois da intermediação do Núcleo de Igualdade Racial da OAB, finalmente foi autorizada a tirar a foto. Um ano depois do movimento, um parecer da Procuradoria-Geral do Estado garantiu o direito de que as pessoas exibam, em seus documentos de identidade, foto usando turbantes, chapéus, véus ou qualquer outra cobertura de cabeça, feita por motivo religioso, desde que não esconda o rosto.

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"Aqui no Rio, o preconceito não é só de cor. O preto, o pobre e o gordo sofrem preconceito. Quando eu vim para o Rio, isso era novo para mim. Mas nunca me atrapalhou em nada. O caso do Detran me feriu porque mexeu com minha ancestralidade. Hoje eu estou feliz. As pessoas não vão passar o que eu passei. Só peço aos orixás que as pessoas não brinquem com isso. Não vão ao Detran com turbante para falar 'se ela pode, eu também posso'. Que as pessoas tenham respeito, empatia. Não debochem."

Rogéria é mineira de Pirapitinga, na Zona da Mata, a 379 quilômetros de Belo Horizonte. Foi criada pela mãe e pelos avós, agricultores. Veio da avó, descendente de angolanos, o costume do turbante.

"Minha avó nunca alisou o cabelo. Cuidava, tinha todo um ritual, e depois colocava o turbante. Um dia eu perguntei: 'Por que a senhora tem um trabalho danado para cuidar do cabelo e amarra um pano?' Ela falou: 'Filha, esse pano faz parte de mim. Estar sem lenço é como estar sem roupa. O turbante faz parte da nossa linhagem'. Essa história não pode ser perdida. Se você não entende, não faz mal. Respeite", afirma.

Rogéria mudou-se para o Rio aos 18 anos, a fim de estudar. Teve de trancar a faculdade de Ciências Sociais quando a situação financeira apertou. Pouco depois a avó morreu e, como forma de homenageá-la, passou a usar o turbante diariamente. Por duas vezes, perdeu a identidade em assaltos. A primeira vez em que procurou o Detran para tirar a segunda via, a atendente elogiou seu turbante. Pediu para aprender a fazer a amarração. E Rogéria ensinou. "Não tive problema nenhum na hora da foto."

Foi assaltada de novo e precisava de outro documento. Procurou o Detran em março do ano passado. "Com esse pano na cabeça não pode tirar", começou a atendente. "Ela olhou a minha foto no sistema e viu que eu já tinha tirado foto com turbante da primeira vez, mas mesmo assim se recusou a fazer de novo", conta Rogéria. O supervisor foi chamado. A discussão subiu de tom. "Se a senhora quiser, entra ali no banheiro e dá o seu jeito", ouviu. "Precisava muito do documento. Fui ao banheiro, molhei a mão, tentei arrumar o cabelo. Saí dali com o protocolo e fui procurar meus direitos."

Depois da intervenção da OAB, foi chamada para voltar ao Detran e fazer a foto. Escolheu um turbante amarelo, com flores. "Eu estava muito feliz, mesmo. É uma grande vitória. É mais um passo para um povo tão sofrido e discriminado. Não só o negro. A mulher quando está cobrindo a cabeça já é discriminada. Dizem: 'lá vai a macumbeira; só pode ser careca'. E te dói. E doeu mais pelo jeito como eu fui tratada, aos berros."

Hoje tem uma grife, a Matamba Ateliê, em que faz roupas afro e turbantes. E os vende para brancas também. "Não vejo como apropriação cultural, mas como uma vontade da mulher de ficar bonita. Mas uma preta que usa turbante é uma questão de resistência cultural, sem dúvida. Respeito a luta das irmãs militantes", diz ela, que adotou como nome Rogéria Fênix Turbante.

Depois do episódio, o Detran fez consulta à Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Norma interna do órgão prevê que apenas religiosos que pertençam a alguma ordem ou igreja, com "comprovação eclesiástica", teriam direito a usar véu, turbante, chapéu. A PGE considerou a norma inconstitucional, por configurar violação do princípio da isonomia. E estendeu o direito a qualquer pessoa, independentemente de comprovação. "Meu RG é uma conquista minha. Minha identidade é o meu turbante. Depois que saiu o parecer, é uma conquista de todos", afirma Rogéria.

Passaporte

A Polícia Federal informou que para emissão de passaporte cabe ao agente a avaliação sobre o documento de identidade apresentado. Se a foto for considerada antiga, ou desgastada, ou se ainda o agente avaliar que não é possível identificar a fisionomia da pessoa, o documento pode ser recusado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

"Apropriação cultural" é um termo utilizado para designar o uso de elementos ligados a outras culturas, de modo considerado inapropriado por quem vive no contexto cultural que estaria sendo apropriado. A jovem Thauane Cordeiro mora em Curitiba e está em tratamento para leucemia mielóide, que a deixou careca. Thauane é branca e foi criticada pelo uso de turbantes, que são vistos como símbolo de luta do movimento negro e ela usou para melhorar a auto-estima e se sentir mais bonita enquanto dura o tratamento que faz com que o seu cabelo caia. 

"Eu comecei a reparar que tinha bastantes mulheres negras, lindas aliás, que tavam me olhando torto, tipo 'olha lá a branquinha se apropriando da nossa cultura'. Enfim, veio uma falar comigo e dizer que eu não deveria usar turbante porque eu era branca. Tirei o turbante e falei: 'tá vendo essa careca, isso se chama câncer, então eu uso o que eu quero! Adeus". 

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Após o ocorrido, Thauane tirou uma foto usando o turbante e postou nas suas redes sociais junto com um texto:

Após a postagem houve muita polêmica no debate sobre apropriação, onde muitas pessoas tanto concordavam quanto discordavam que seria errado usar turbantes mesmo se uma pessoa branca estiver com câncer: 

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"O caso de Mário não foi isolado. Hoje um negro até entra em um shopping, no Recife, mas ele não sabe se sai. Entra vigiado. Mesmo acompanhado, bem vestido, fazendo compras". O depoimento é de Walter Oliveira, coordenador do Movimento Negro Quilombo Raça e Classe. Na tarde desta segunda (23), ativistas da causa negra realizaram um protesto em frente à Casa dos Frios, na Zona Norte do Recife.

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A mobilização é consequência da polêmica da última sexta-feira (20), quando o motorista Mário Ferreira foi confundido com um assaltante no estabelecimento comercial localizado no bairro das Graças. Nas redes sociais, o caso ganhou repercussão e muitos internautas criticaram o possível comportamento racista da loja e de seus funcionários. 

Segundo Oliveira, o grupo pretende recorrer à Justiça diante de mais um caso de racismo velado. "Queremos que a Casa dos Frios responda criminalmente pelo crime que ela cometeu. Os seus proprietários, seus sócios. Queremos, inclusive, que o Governo de Pernambuco e a OAB se posicionem quanto ao caso", declarou o coordenador do movimento. 

Durante o ato pacífico, manifestantes entraram no estabelecimento, leram uma carta-repúdio e estenderam uma faixa com os dizeres "Casa do Racismo". Quatro policiais militares acompanharam o movimento. 

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Para Raya Tavares, estudante de pedagogia da UFPE, a sociedade brasileira não reconhece a discriminação racial. "Cada um de nós aqui já viveu um caso de racismo. Uma vez fui parada numa blitz e o policial mandou revistar o meu cabelo, mesmo eu com todas as minhas documentações em dia". 

No ato desta segunda, Raya criticou o comportamento "sério e seco" dos funcionários do local. "A gente sente o olhar de estranhamento. É como se dissessem: o que é que esse bando de nego tá fazendo aqui?".

"Um lamentável mal-entendido", explica a Casa dos Frios

Em nota de esclarecimento divulgada através do Facebook, a Casa dos Frios pediu perdão ao cliente e "se desculpa perante toda a sociedade pernambucana". A empresa considerou o episódio como um "lamentável mal-entendido, fruto do sentimento de insegurança que permeia a sociedade brasileira". 

No texto, o estabelecimento explica sua versão. "Um protocolo de segurança foi acionado após uma funcionária afirmar, categoricamente, que um cliente que já havia entrado por duas vezes naquela mesma noite, no estabelecimento, estaria portando uma arma de fogo. O procedimento adotado pelo gerente foi o de acionar a polícia, comunicando a suspeita, visando resguardar a integridade de seus clientes, empregados e do seu patrimônio, diante, repita-se, do relato apresentado pela funcionária". 

A empresa se define como uma empresa "familiar, reconhecida pelo carinho e respeito que transmite a todos os seus clientes, sem qualquer tipo de distinção". 

Com informações de Renato Torres

Os movimentos que integram a Rede de Povos e Comunidades Tradicionais vão iniciar um debate político visando fortalecer o segmento negro no estado. Para isso eles inauguraram, neste sábado (21), a sede da Rede que funcionará no bairro de Santo Amaro, área central do Recife. De acordo com um dos coordenadores do grupo, Dário Júnior, o local será usado como um “espaço permanente de debate e formação” para o movimento negro pernambucano.

“Aqui vamos identificar quais são os vetores que fortalecem o nosso reconhecimento e fazem com que tenhamos elementos para uma perspectiva política mais efetiva”, destacou Dário. Segundo ele, temas como cotas raciais, tolerância religiosa, igualdade política, racismo institucional e representações legislativas estarão na pauta de discussão dos grupos.

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Indagado quanto às ligações partidárias da instituição, Dário afirmou que não será segmentado, mas múltiplo. “É uma rede, temos pessoas de sindicatos, de partidos, de terreiros”, observou. “Se a gente fica partidarizando tudo o que faz, não vai para frente. Vamos entender a conjuntura diante do segmento do nosso povo”, acrescentou. 

Sobre possíveis candidaturas para os pleitos municipais de 2016, o coordenador enfatizou que nomes devem ser construídos. “Temos algumas indicações, pessoas que já são da luta. Mas se isso vai continuar ou não será visto a partir de uma construção. Não vamos ficar parados, tudo é muito possível”, adiantou. Entre os políticos que estão envolvidos com a causa está o presidente do PT do Recife, Oscar Barreto, que participou da inauguração.

O coordenador nacional de organização do Movimento Negro Unificado, Miguel Cruz, também participou do evento. Segundo ele, a Rede de Povos e Comunidades Tradicionais deve “construir políticas públicas para negros e negras” no Estado. “Devemos debater sempre o direito que tantas pessoas já tem direito, como a liberdade de culto”, cravou.  

Dia Internacional Contra a Discriminação Racial 

A inauguração do espaço aconteceu neste sábado por ser a data em que se celebra o Dia Internacional contra a Discriminação Racial, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em memória à tragédia que vitimou 69 pessoas e feriu outras 168 no dia 21 de março de 1960, em Joanesburgo (África do Sul). 

A festa de abertura da Casa Rede de Povos e Comunidades foi marcada pela menção dos orixás em orações e por apresentações culturais. Grupos como a Tribo Taquaraci e o Coco dos Pretos, ambos do Recife, animaram o evento.

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