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O ano era 1973 quando o DJ Kool Herc começou a promover festas no bairro do Bronx, em Nova Iorque. Seu estilo único e inédito de tocar os discos, com recortes específicos, os chamados beats, e outras ‘firulas’ que modificavam as canções, tornaram esses eventos os mais disputados daquela área na época e colaboraram para o nascimento de uma cultura que, anos mais tarde, tomaria o mundo inteiro: o Hip Hop, celebrado em todo o globo nesta sexta (12). 

Kool Herc chamou atenção dos jovens da época e promoveu um verdadeiro efeito cascata na cultura que vinha dos guetos americanos. O acompanhando nas festas, Coke La Rock fazia intervenções ao microfone, tendo sido considerado o primeiro MC do movimento. Já na pista, quem dançava começou a criar novos movimentos e a dança logo ganhou um nome: breaking.

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A própria arte de tocar os discos começou rapidamente a modificar-se. O DJ Grandmaster Flash, encantado pela maneira de manipular a música proposta por Herc, decidiu aprimorar as técnicas e acabou criando várias outras que tornaram-se fundamentais para a musicalidade do Hip Hop, como o backspin, cutting, o phasing, e claro, o scratch. 

Esses pioneiros criaram as bases para o movimento que tem como pilares quatro elementos: breakdance, rap, grafite e o DJ. Esse último, considerado por muitos como sendo o fundamental para a existência de toda essa cultura, afinal, são eles quem ditam o ritmo da dança, das rimas e demais expressões, através de suas habilidades e criatividade na hora de mandar sua música feita sob medida. 

Foto: Divulgação/Rafael Berezinski

A afirmação é de Erick Jay, DJ paulista com pouco mais de 20 anos de carreira e trabalhos ao lado de vários nomes importantes do rap nacional - como os rappers Dexter, Xis, Pregador Luo, Kamau e Black Alien. Ele também foi o DJ oficial do programa ‘Manos e Minas’, da TV Cultura, foi considerado o melhor DJ da América Latina por três anos consecutivos, e possui nada menos do que quatro títulos de campeão mundial conquistados nas competições mais importantes do segmento, o DMC Battle for World Supremacy e o IDA World DJ Championships.

Em entrevista ao LeiaJá, o atual campeão do mundo falou sobre a importância do seu posto dentro do Hip Hop. “Nossa função é essa, compartilhar conhecimento, informação da música, o quanto ela foi importante pra época. Na dança também  tem a importância de você tocar a música certa na hora certa, para os MCs nas batalhas, (tocar) o beat certo na hora da certa.Em todos os elementos (é importante), é informação pra caramba”, garante o paulista. 

Erick entrou na cultura Hip Hop através da dança, no final dos anos 1990. Nos bailes, costuma observar os DJs e ficou fascinado com o alcance de sua atuação. “Eu sempre gostei da arte. Como eu dançava, eu colava nos bailes, eu via o poder que o DJ tinha de dominar as pistas, que louco, ‘ele tem a pista na mão’, ali ele é psicólogo, ele é tudo. Aí comecei a ouvir os raps nacionais que tinham as colagens, os scratches, os internacionais também, eu pirava, e isso alimentou a minha vontade de ser DJ”. 

Do início da sua trajetória, comandando os toca-discos em festas de 15 anos e casamentos, até os campeonatos, foi um pulo. No caminho, Erick conheceu o DJ Zulu, do grupo Face Negra, um dos pioneiros do rap nacional, que o colocou numa rotina intensa de treinamentos e preparação para tornar-se um campeão. “Eu achava que era DJ, mas quando vi ele… Ele me ensinou todos os toques”, brinca. 

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Ganhar campeonatos era uma forma de despontar em um “mercado muito disputado”. Os títulos, segundo Erick Jay, garantem não só reconhecimento, mas colocação em festas e grupos de rap, além dos equipamentos, que costumam ser parte dos prêmios. “Eu ganhei dois campeonatos sem ter equipamento. Eu treinava com o DJ Zulu, não tinha equipamento em casa. Na época, eu nem queria fama, a gente queria os toca-discos, o equipamento que era nosso sonho. Passei três anos treinando ‘emprestado’, na casa dos amigos, até conquistar o meu primeiro toca-discos, ainda bem que eu tive pessoas que acreditaram em mim. (Assim) é o Hip-Hop”. 

Dos equipamentos emprestados pelos amigos, o DJ foi chegar em quatros títulos mundiais. Antes disso, no Brasil, Erick venceu a edição nacional do DMC cinco vezes na categoria individual e por três anos consecutivos (2006, 2007 e 2008), foi considerado o melhor DJ da América Latina. Mais tarde, o brasileiro venceu as duas competições mais prestigiadas da categoria, o DMC e o IDA World, em um único ano, 2016, tornando-se o primeiro sul-americano a conquistar ambas. Em 2018, ele foi convidado para palestrar na Scratch DJ Academy, escola  fundada pelo DJ do Run DMC, Jam Master Jay, e ministrou um workshop para os ‘gringos’ na The Kush Groove, em Nova Iorque.

Jay voltou a conquistar mundiais em 2019, quando também foi jurado em etapas nacionais do DMC, nos Estados Unidos, o primeiro sul-americano convidado para tal; e em 2021, título conquistado no último mês de outubro, na edição online do DMC World. No entanto, as impressionantes marcas, prêmios e conquistas, ainda não garantem ao campeão o apoio e patrocínio necessários para desenvolver seu trabalho com plena tranquilidade.

À dificuldade de conseguir apoiadores, Erick atribui alguns fatores, como a origem da cultura a qual faz parte. "São uns três quatro fatores que dificultam as empresas a investirem no Hip Hop. (Acham que) é coisa de pobre, de preto, em pleno 2021! Sendo que é uma das músicas de mercado mais fortes que está tendo, só não é mais forte porque a mídia tenta encobrir. Mas o Hip Hop é uma religião, um dos maiores movimentos que a gente tem e eles tentam esconder isso”.

Foto: Divulgação/Rafael Berezinski

Ser brasileiro também entra nessa conta, Erick acredita que ainda existe um certo preconceito em relação à sua terra que nem os títulos mundiais conseguem aplacar. “As empresas, principalmente de (equipamentos de) DJ, não têm um olhar pro Brasil. É triste falar isso mas não têm. Eu tenho que ficar brigando pela minha cultura, pela cultura DJ. Nosso país tem mais DJs que em vários países onde eles jogam dinheiro. Aqui no Brasil tem muito DJ, dos antigos aos novos, à molecadinha, então por que não investir aqui? A primeira vez que eu fui campeão do mundo, em 2016, eu achei que isso ia mudar, mas não mudou nada. Pra eles o Brasil continua sendo um país de terceiro mundo, isso atrapalha e pra mim vai ser sempre preconceito”. 

Outro percalço amargado por ele e demais colegas de profissão é o avanço desenfreado da tecnologia. Mas não pelas dificuldades que a chegada de novos equipamentos e softwares possam representar - pelo contrário, segundo Erick, as novidades tecnológicas acabam ajudando no desempenho do seu ofício, tornando-o um pouco mais prático -, e sim pela 'enxurrada' de entusiastas que adquirem o maquinário necessário e se jogam nas pistas e bailes de qualquer maneira. “A tecnologia vem para ajudar a gente mas também pra tornar vários ‘não-DJs’ em DJs. Vários aventureiros que alguém falou que ele era DJ e ele acreditou, mas não tem o dom, não nasceu para aquilo. Infelizmente, a gente tem que lidar com isso e acaba roubando espaço de vários caras que precisam de oportunidade, que têm a parada no sangue e sabem fazer”. 

Na contramão das dificuldades, o amor pela cultura Hip Hop e o reconhecimento do público é o que faz Erick continuar. Festejado por grandes nomes do cenário nacional, como Mano Brown, KL Jay, Black Alien e Kamau, entre outros, ele sabe da importância do seu papel dentro do segmento e leva a sério a função de trabalhar a serviço do movimento. “Pode não ser importante pra certos ‘hypes’, que acham que pra ser melhor do mundo eles têm que sair na capa da revista ‘tal’, mas pra cultura original mesmo, pro movimento em geral, a gente ver que tem pessoas talentosas ganhando o mundial é importante. Ver os caras que eu sou fãzaço compartilhando onde eu cheguei, fiquei muito feliz. Nem imaginava, olha o poder (disso). E atingiu várias áreas, até dos DJs de eletrônico  que eu sou fã tb. Eu vi realmente onde eu cheguei e a importância dessas vitórias pra cultura Hip Hop”.

Agora, com o arrefecimento da pandemia do coronavírus no país e a retomada da ‘vida normal’, com festivais e eventos, Erick Jay se prepara para celebrar seu quarto título mundial ao lado do público. O DJ paulista encerra o ano de 2021 na expectativa dos shows e turnês dos dois rappers a quem acompanha, Kamau e Black Alien, programados para o próximo ano, e se diz “ansioso” para voltar a botar fogo nos bailes do jeito que todo DJ de responsa gosta e merece. “Eu senti muita falta do calor humano que tem nos shows, é o que  a gente tava precisando, é o nosso combustível. Em 2022, a partir de janeiro, vai ter turnê e vamos voltar mesmo”. 

 

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