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O documentário "Cinema Novo", de Eryk Rocha, sobre o movimento cinematográfico nascido no Brasil nos anos 1960, ganhou neste sábado o Olho de Ouro no Festival de Cannes, anunciaram os organizadores.

"Cinema Novo é um filme-manifesto sobre a vigência de um movimento cinematográfico quase esquecido dos anos 1960", indicou o júri do prêmio, disputado pelos documentários apresentados em Cannes.

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O júri foi presidido pelo cineasta italiano Gianfranco Rosi, vencedor este ano do Urso de Ouro em Berlim com o documentário "Fuocoammare", sobre os refugiados que chegam pelo mar à Europa a partir da África.

O filme brasileiro premiado, de 90 minutos, é um ensaio poético sobre o movimento cinematográfico, e inclui trechos de filmes da época e depoimentos de seus principais expoentes, como Nelson Pereira do Santos, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Ruy Guerra, Walter Lima Jr., Paulo César Saraceni e Glauber Rocha, pai do realizador.

Este é o sétimo filme de Eryk Rocha ("Jard", 2013), que, aos 38 anos, produziu, principalmente, documentários.

"Senti necessidade de retornar às raízes cinematográficas do meu país, de olhar um pouco para a história do seu cinema e sua história política, para me perguntar por que faço cinema", explicou Rocha durante uma entrevista à AFP em Cannes. "O Cinema Novo sempre foi uma referência essencial na minha formação e no meu desejo de fazer cinema, foram filmes muito importantes na minha vida."

Segundo o realizador, "era uma forma de produzir um diálogo com outra geração, e o filme nasce a partir deste diálogo cinematográfico".

Exibido na seção Cannes Classics, o documentário mergulha na aventura criativa daqueles diretores que criaram uma nova maneira de fazer cinema, para aproximá-lo do povo, na efervescência dos movimentos de contestação daquela época.

"O Cinema Novo tinha outra ideia de coletividade", explicou Rocha. "Havia projetos coletivos, e isto era muito importante, porque unia as pessoas, apesar da diversidade estética do movimento, com olhares muito distintos dos autores, mas com pontos em comum muito importantes."

Os cineastas deste movimento paralelo à Nouvelle Vague francesa preconizavam uma revolução cultural no Brasil, olhar sua realidade e se comprometer com a mesma.

"O Cinema Novo foi sendo feito à medida que crescia com energia e paixão", lembrou o filho de Glauber Rocha, que acredita que, "hoje, há pouco espaço para a reflexão, para pensar o sentido real da vida e o sentido real de se fazer arte".

"Fazer este filme hoje é me perguntar onde está a paixão do cinema como pensamento, e seu lugar como ação política."

Segundo o júri, "'Cinema Novo' é um ensaio impressionista de um novo estilo, que nos lembra que o cinema pode ser, ao mesmo tempo, político e sensual, poético e comprometido, formal e narrativo, ficcional e documental".

Cineastas brasileiros, jovens e consagrados, aproveitaram o espaço no Festival de Cannes para expressar repúdio ao que chamaram de "golpe de Estado" de Michel Temer - com o afastamento de Dilma Rousseff para o julgamento do processo de impeachment - e denunciar um retrocesso para o país.

"O que está acontecendo é um golpe de Estado", disse o diretor Kleber Mendonça Filho antes da exibição nesta terça-feira de "Aquarius", protagonizado por Sônia Braga, filme que está entre os 21 que disputam a Palma de Ouro.

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O cineasta de 47 anos reencontrou em Cannes a atriz de seu filme, que mora em Nova York e que ele não via desde o fim das filmagens em Recife, em setembro do ano passado. Os dois falaram à AFP sobre a situação no Brasil.

"Eu moro nos Estados Unidos, mas também no Brasil, tenho família e amigos lá e penso que o que está acontecendo, a manipulação da tomada do poder, tem que ser exposto ao mundo inteiro", afirmou Sônia Braga.

"Uma das coisas que mais me preocupa é como o Brasil está dividido. Nunca havia visto o meu país tão dividido", disse a atriz.

De acordo com a estrela, de 65 anos, "tudo o que se fez desde o fim da ditadura, desde a abertura do Brasil, fizemos juntos. Temos que entender que em dois anos, de todas as formas, vamos votar para presidente. Temos que voltar a fazer as coisas juntos".

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Rocha e o Cinema Novo

O diretor Eryk Rocha apresentou em Cannes "Cinema Novo", um documentário poético sobre o movimento cinematográfico, um dos mais importantes da América Latina e que revolucionou a criação artística nos anos 1960 e 1970.

"O Brasil está entrando em um novo momento, extremamente grave e de incerteza. Como cidadão, sinto uma profunda impotência e angústia com o que está acontecendo: o Brasil está vivendo uma ruptura muito grave no processo democrático".

"Há um golpe de Estado contra uma presidente que foi eleita por milhões de pessoas, que não tem nenhuma ilegalidade demonstrada, e quem a acusa são políticos comprovadamente corruptos", disse.

Eryk Rocha criticou em particular o fim do ministério da Cultura pelo governo Temer e sua fusão com o ministério da Educação.

"É um reflexo do grande retrocesso que está acontecendo no Brasil".

"Há dois erros gravíssimos. O primeiro é desarticular um ministério da Cultura que em todos os países do mundo - como na França - é um eixo fundamental do desenvolvimento. O outro é desarticular o da Educação", disse.

Filho de Glauber Rocha, um dos fundadores do Cinema Novo, o diretor disse que, aos 38 anos, sentiu a necessidade de rodar o documentário para "voltar às raízes cinematográficas do país, observar sua história política e perguntar por quê faço cinema hoje".

A nova geração

Eryk Rocha destacou que o cinema Novo, que contou com cineastas consagrados como Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade e Ruy Guerra, entre outros, "tinha outra ideia da coletividade".

"Havia projetos coletivos e, apesar da diversidade do movimento, o que o unia era olhar o país e comprometer-se com ele".

"É necessário reconstruir esta ideia do coletivo para transformar o mundo", disse o cineasta, que fez questão de afirmar não ser "nem lulista nem petista", e sim um "artista independente".

"O cinema pode criar outra voz, outros olhares e outra percepção da realidade, do que está acontecendo", disse.

Isabel Penoni e Valentina Homem são duas jovens diretoras brasileiras que começaram a fazer cinema nos últimos anos.

Em Cannes elas apresentaram, na mostra Quinzena dos Realizadores, o curta-metragem "Abigail", sobre a viúva do antropólogo Francisco Meireles, conhecido por seu trabalho com as comunidades indígenas nos anos 1940 e 50.

A visão de ambas sobre o que está acontecendo no Brasil também é muito crítica.

"Do ponto de vista de quem faz cinema e quem trabalha com arte é terrível, porque havia conquistado algumas coisas graças às políticas de cultura, sobretudo com o governo Lula, que democratizou a cultura. Agora a tendência é ter muito menos investimento regular na produção", disse Penoni.

Valentina Homem observou que quase todos os filmes brasileiros exibidos em Cannes este ano - incluindo o próprio, o de Kleber Mendonça Filho, o de Eryk Rocha, assim como curta aplaudido na Semana da Crítica "O Delírio é a Redenção dos Aflitos", de Fellipe Fernandes - foram produzidos em grande parte com dinheiro público canalizado por iniciativas dos governos anteriores.

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