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Desde que as aulas presenciais foram suspensas no país, em março, devido à pandemia do novo coronavírus (Covid-19), o modelo de ensino remoto foi adotado pelas instituições como medida para não prejudicar os estudantes. No entanto, essa mudança inesperada fez com que os docentes tivessem que se adaptar a uma nova forma de dar aula e de interagir com os alunos. Mas, como essa mudança foi recebida pelos professores? O que o futuro reserva para os profissionais da educação no período pós-pandemia? Nesta reportagem, você poderá conferir a opinião de especialistas que podem ajudar a chegar a um consenso sobre o assunto.

Nesta quinta-feira, 15 de outubro de 2020, o Dia do Professor é celebrado diante de uma pandemia. Para exaltar a figura dos educadores, a série “Lições” traz, agora, reportagem sobre os desafios que os professores têm enfrentado durante a pandemia e as perspectivas da profissão para o futuro, segundo especialistas.

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O professor de física Eduardo Peres conta que o seu dia a dia neste período de pandemia tem sido de trabalho duro, devido ao uso de novas ferramentas atreladas às tarefas inerentes a um docente, mas que está gostando dos mecanismos que tem usado. “O meu dia a dia no período de pandemia tem sido de muito trabalho, primeiro a adaptação ao novo, uso de plataformas novas, tecnologia e outras coisas mais, somadas às obrigações básicas de um professor, mas confesso que tenho gostado das ferramentas que tenho utilizado, tem sido muito enriquecedor”, conta.

Sobre a maior dificuldade que teve na mudança do formato de aulas, Peres revela que o momento mais complicado foi no começo do processo, em que ele teve que investir em ferramentas que lhe auxiliassem em seu trabalho. “Minha maior dificuldade foi no início, a falta de aparato tecnológico, onde precisei fazer um investimento em material, computador novo, internet rápida, luminosidade, quadro branco, ou seja, precisei montar um estúdio improvisado, depois vem a questão de adquirir o conhecimento necessário para o uso deste aparato”, pontua.

Para Eduardo, o grande desafio do ensino remoto é conseguir manter a atenção do aluno na aula, uma vez que em casa ele está próximo de mais distrações, desviando sua atenção do professor. “O maior desafio do ensino remoto é manter o aluno focado, onde sabemos que em casa, todo tipo de distração está próximo a ele, dificultando a manutenção da atenção no professor. O esforço para mantê-lo motivado é muito maior, exige muita autonomia do aluno e infelizmente nosso aluno não foi preparado para isso”, conta.

Questionado sobre estar se sentindo mais cansado durante esse período de aulas remotas, Eduardo conta que, a princípio, estava, mas à medida que o tempo foi passando, se adaptou a nova realidade. “No início, estava me sentido cansado, sim, mas com o passar do tempo, fui me acostumando com a rotina”.

Peres conta, ainda, as lições – positivas e negativas – que tem aprendido durante o período de pandemia. “As lições positivas são o conhecimento em relação a novas tecnologias e o contato mais próximo com as redes sociais para levar o conhecimento a lugares mais distantes. E as negativas são a falta do contato mais próximo com o aluno e incertezas quanto ao futuro”, destaca ele.

O professor conta que, durante esse período de pandemia, procura estar em contato com os alunos por meio das redes sociais para auxiliá-los. No entanto, não é a mesma coisa que estar em contato físico. “Procuro manter contato com os alunos por meio das redes sociais para tirar suas dúvidas e mantê-los motivados, mas o contato humano é indispensável, olhar nos olhos, ver a expressão facial, ainda mais alunos de ensino médio que convivem com pressão do vestibular”, explica.

Eduardo revela, também, qual é a sua expectativa, enquanto professor, para o período pós-pandemia. “A meu modo de ver a educação deu salto de 10 anos em poucos meses, acho que a tecnologia, as aulas remotas, vieram para ficar, as aulas jamais serão as mesmas, por questões práticas e financeiras, as plataformas digitais irão ganhar um destaque que jamais foi visto na educação e aquele que não se adaptar infelizmente possui grande chance de ficar fora do mercado”, finaliza.

Veja, abaixo, o vídeo do professor Eduardo Peres:

Sobre como os professores estão lidando com a modalidade de ensino remoto, a professora titular do Centro de Educação (CE) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenadora do Fórum Estadual de Educação de Pernambuco (FEEPE), Márcia Angela Aguiar, conta que pelo fato de muito docentes não terem tido a formação necessária para uso das TICs no cenário de ensino-aprendizem, foram necessários muitos esforços para uma rápida adaptação à nova realidade. De acordo com ela, essa questão tem causado problemas para alguns docentes. “Com a transmissão rápida do novo coronavírus (Covid-19), os países tiveram que se adaptar a uma situação de excepcionalidade em todos os setores. Não foi diferente com o setor da educação no Brasil. E, uma das primeiras medidas das autoridades governamentais consistiu na suspensão das aulas presenciais e na prescrição da adoção de atividades remotas. Tais medidas alteraram, também, a rotina dos professores que, repentinamente, foram ‘obrigados’ a se adaptarem a uma diferente forma de articulação com a direção da escola, com os estudantes e suas famílias. Essa nova configuração acarretou mudanças na vida dos professores que passaram a lidar intensamente com ferramentas tecnológicas para a comunicação com os estudantes. Considerando que muitos não tiveram a formação adequada para o uso das TICs em situação de ensino-aprendizagem, foi necessário dispender esforços para uma rápida adaptação às condições de excepcionalidade. Isto tem provocado situações de desconforto e sofrimento para muitos”, relata.

Questionada sobre se a aceitação a esse formato de ensino foi bem recebida pela maioria dos professores ou houve algum tipo de resistência ou dificuldade, a especialista em educação afirma que vários relatos de docentes e resultados de estudos mostram que a realidade atual encarada pelos professores tem desencadeado uma série de problemas emocionais, como estresse e depressão. “Inúmeros depoimentos de docentes e resultados de algumas pesquisas mostram que a situação enfrentada pelos professores tem acarretado mudanças em sua rotina e provocado stress, depressão e outras dificuldades de ordem emocional. O medo do desemprego, a ausência de infraestrutura para o desenvolvimento das atividades remotas têm sido fonte de aflições para a maioria.  Aqueles que conseguem uma adaptação mais rápida, inclusive, com apoio institucional têm procurado formas pedagógicas mais adequadas para lidar com os estudantes”, explica Márcia.

De acordo com Márcia, o futuro dos docentes no período pós-coronavírus será definido a partir da capacidade dos governos de elaborarem políticas públicas que garantam o direito total à educação. “O futuro dos professores no cenário pós-pandemia dependerá da capacidade dos governos de traçarem políticas públicas, orientadas pelo Plano Nacional de Educação 2014-2024, que assegurem o direito pleno à educação. Neste sentido, faz-se necessário prover condições materiais efetivas para que as escolas funcionem de forma satisfatória, bem como garantir as condições indispensáveis (formação continuada, salário, carreira)  para o exercício do magistério”, pontua.

Sobre a possibilidade de exclusão do mercado de trabalho dos professores que não se adaptarem ao formato de ensino remoto, a especialista fala que a pandemia mostrou como o papel do professor é fundamental. Devido a isso, se faz necessário que as autoridades competentes se encarreguem da promoção da especialização contínua dos professores em função de projetos político-pedagógicos institucionais. “Essa pandemia provou o quanto o professor é essencial para a formação das novas gerações. Daí, que as autoridades competentes deverão prover formas de aperfeiçoamento permanente da atuação docente em função de projetos político-pedagógicos institucionais”, destaca Márcia.

Questionada se estão sendo pensadas ações para ampliar o modelo de ensino remoto mesmo em um cenário pós-pandemia, Márcia conta que a utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) foi acelerada pela pandemia, no entanto o seu uso no trabalho dos professores deverá ser supervisionado, preferencialmente por sindicatos que representem a categoria dos docentes. “A pandemia provocou a aceleração do uso pedagógico das TICs que continuará ocorrendo. Mas, o uso dessas tecnologias no trabalho docente deverá ser submetido ao controle social, em especial, dos sindicatos que representam os professores, de modo a evitar sobrecarga de trabalho e precariedade dos vínculos profissionais. Ao professor deverá ser assegurado aperfeiçoamento contínuo, plano de carreira, condições materiais e salários dignos”, finaliza.

O professor de história da rede privada de ensino e secretário geral do Sindicato dos Professores de Pernambuco (Sinpro), Luciano Paz, conta como a mudança do ensino presencial para o remoto foi vista pela entidade. “A mudança foi vista com muita preocupação, em virtude das incertezas que se apresentavam naquele momento de interrupção das aulas presenciais, por se tratar de uma realidade distante da maioria esmagadora das escolas privadas do Estado, e por que não, do país”, explica.

Sobre a aceitação dos professores para esse modelo de ensino de forma tão inesperada, Luciano afirma que aceitar esse formato não foi uma opção, mas, sim, uma imposição. “Não tivemos o direito de aceitar, no máximo, tivemos que nos adaptar, com formações muitas das vezes oferecidas sem planejamento, extrapolando a jornada de trabalho contratual, contando também com as dificuldades materiais, de equipamentos, internet, mobiliário, além da falta do hábito ou da prática com a tecnologia para ministrar aulas, no formato remoto”, desabafa.

“E o que mais chocou e ainda revolta muitos professores, é o fato de não termos sido ressarcidos nos custos para a montagem da estrutura para a elaboração e transmissão das aulas. Não recebemos, na maioria das escolas, sequer ajuda de custo para pagamento da energia elétrica, e muito menos para pacotes de internet, aquisição de computadores, smartphones”, continua.

Acerca da expectativa do sindicato para a volta às aulas, Luciano revela que espera-se que o volume de trabalho aumente. “Já estamos com uma carga de trabalho excessiva, sem termos os períodos de descansos respeitados por coordenações e direções de escolas. O ensino presencial, que vai ter que conviver com o remoto, no que se convencionou chamar de ensino híbrido, trará sérias complicações para os professores, principalmente em relação ao excesso de trabalho, as complicações de ordem emocional, psicológica, além do risco da contaminação nos locais de trabalho, já que não temos a certeza de respeito das normas do protocolo do governo do Estado. As escolas não respeitam a distribuição mínima de espaço por aluno nas salas de aula, que é um metro quadrado para cada aluno, vai garantir o distanciamento de 1,5? Por certo que não”, afirma o secretário geral do Sinpro.

Questionado sobre se mesmo com a volta às aulas o ensino remoto continuará sendo visto como uma boa opção para docentes e discentes, Luciano fala que é uma alternativa necessária para que sejam evitados excessos, principalmente no que diz respeito à exploração do trabalho dos professores. “Vemos como uma opção necessária, mas que carece de regulamentação, para que se evitem os excessos, sobretudo na exploração do trabalho dos professores. Precisamos que o Conselho Nacional de Educação, o Conselho Estadual de Educação, o Ministério Público do Trabalho, apresentem elementos para que sejam estabelecidos os limites, os procedimentos, para que tenhamos condições de garantir a proteção dos professores no instrumento que regula as relações de trabalho nas escolas privadas que é a Convenção Coletiva de Trabalho”, finaliza ele.

A reportagem integra o especial "Lições", produzido pelo LeiaJá. O trabalho traz histórias sobre os aprendizados dos professores em meio aos desafios impostos pela pandemia de Covid-19. Veja, a seguir, as demais reportagens:

Especial Lições retrata rotina de professores na pandemia

Carinho, tecnologia e o novo olhar de uma educadora

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Professores empreendedores e os desafios da pandemia

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