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Quem transita pelas ruas do Recife, vez ou outra, se depara com muros coloridos repletos de desenhos. Mal imaginam que muitas dessas imagens falam sobre igualdade de gênero, empoderamento, feminismo e representatividade. Até recentemente dominado pelos homens, o grafite vem sendo tomado pelas mulheres, que através de suas obras exigem lugar de fala e buscam quebrar as barreiras impostas pela sociedade.

Uma dessas mulheres é Gabi Bruce, que está na cena há aproximadamente 18 anos e é uma das primeiras mulheres a ingressar no mundo do grafite no Recife. Quando começou, o mercado na capital pernambucana ainda era escasso e os poucos artistas que existiam eram, em sua maioria, homens.

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“Éramos cinco mulheres e participávamos ativamente da rede de resistência solidária e dos mutirões de grafite. Além do grafite, tínhamos uma zine, que era o ‘Rosas Urbanas Zine’, em que a gente começou a reunir o trabalho não só da gente, de ilustração e poesia visual, mas de outras mulheres que produziam poesia periférica na cidade”, conta Gabi. O grupo de mulheres pioneiras do grafite do Recife também fundaram o ‘Rosas Urbanas Crew’, o primeiro coletivo feminino de Hip Hop do Recife, que reunia mulheres e meninas que grafitavam e dançavam break.

Crédito: Divulgação e Arthur Souza/LeiaJáImagens

Alguns anos depois, em 2009, também com intuito de unir mulheres, foi criado o coletivo ‘Cores Femininas’ pela artista Jouse Barata. “Eu me sentia muito só, quando eu ia pra rua não tinha muitas mulheres pintando comigo. Eu pintava sempre com os ‘caras’ e por essa coisa de estar só, eu decidi fazer um trabalho voltado mais para as mulheres”, explica Jouse. O projeto é uma extensão do ‘Cores do Amanhã’, Organização Não Governamental (ONG) idealizada por Jouse e mais três artistas, desenvolvida no bairro do Totó, próximo ao complexo prisional Aníbal Bruno, na Zona Oeste do Recife. A iniciativa oferece oficinas gratuitas como aulas de capoeira, artesanato e grafitagem, para crianças e adolescentes.

A estudante de Artes Visuais pela Universidade Federal de Pernambuco, Nathália Ferreira é fruto do ‘Cores Femininas’. A moradora de Vila Rica, em Jaboatão dos Guararapes, conheceu o projeto em 2014 e descobriu sua vocação para o grafite. “Ia ter o ‘Colorindo Recife’, um festival promovido pela Prefeitura do Recife, em que os grafiteiros são chamados para pintar vários espaços públicos da cidade e quem tava organizando era o ‘Cores do Amanhã’, no túnel do Pina. Quando eu cheguei lá tava todo mundo pintando, todos os artistas da cena, os novos, os antigos e eu fiquei maravilhada”, relembra Nathália. Atualmente, a estudante ministra, todos os sábados, aulas de graffiti na ONG.

Para expor sua marca e a luta contra o racismo, Nathália optou por trazer representatividade para suas obras e retratar só mulheres negras. Elas também não possuem olhos em reverência a entidades ligadas às tradições religiosas de matriz africana e indígena. Já Gabi, que está em residência artística em São Paulo há algum tempo, além de retratar mulheres negras, trata da mitologia dos iorubás, religião afro-indígena brasileira. Jouse, por sua vez, fez da pressão estética em cima da mulher sua assinatura: uma boneca de olhos azuis e cabelos vermelhos acompanhada de mensagens de valorização da mulher.

Como reconhecimento do seu trabalho, Jouse foi homenageada, em maio de 2019, na publicação ‘Mulheres que mudaram a história de Pernambuco’, da premiação ‘Olegária Mariano’. Este ano, Gabi também foi eleita ‘Melhor Grafiteira’ pelo Prêmio Sabotage, único do país que reconhece as pessoas que contribuem para o movimento Hip Hop de forma política e social.

Apesar da crescente inclusão de figuras femininas no grafite, Gabi conta que a cena ainda é fechada para as mulheres, que o território da arte urbana vem sendo conquistado ‘com unhas e dentes’ e que o mercado é racista, machista e xenofóbico. Para ela, a situação se agrava quando se é mulher e negra. “A gente vai produzindo aos trancos e barrancos. Na resistência, na inspiração e na transpiração, para se inserir nesses espaços, mas não de bom agrado. As portas não são abertas, a gente tem que arrombar”, lamenta.

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Com predominância masculina, a arte do graffiti tem sido cada vez mais pintada através de mãos femininas, que desafiam os estigmas e a sociedade e colorem as ruas com suas ideias. Para ser grafiteira, é necessária uma dose extra de coragem. Primeiro porque quem pratica essa arte toma os muros e ruas públicas muitas vezes sem autorização. E segundo porque elas batem de frente com os preconceitos sexistas, existentes em vários meios. Mas apesar da participação de mulheres nesta expressão artística ainda ser um pouco discreta, já há exemplos de que tal situação segue em mudança, como o aumento da presença delas em oficinas de grafitagem e da formação de coletivos, os chamados crews, compostos só por meninas – ou sem desconsiderá-las.

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Atuante em várias regiões do Brasil, a Flores Crew é um coletivo independente, formado em 2004, e que busca contribuir para uma sociedade menos desigual através do movimento Hip-Hop. Uma das integrantes do grupo, a grafiteira Gabi Bruce, comenta que ainda existe muita resistência em relação à presença feminina não só no graffiti, mas dentro do movimento como um todo. “Nós mulheres somos inviabilizadas dentro do Hip-Hop. Ainda existe aquela ideia patriarcal bem forte de que mulher é desunida e construir uma nova ideia, começar a puxar diálogo sobre outros tipos de educação não sexistas, é bem desafiador neste meio”, opina a grafiteira, que ao lado de outras três mulheres pintou na última quinta-feira (20) uma parede no bairro de Jardim Piedade, Jaboatão dos Guararapes. 

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Machismo no graffiti

Segundo Bruce, ir para a rua pintar é mais do que um ato artístico, é um grito de liberdade. “É a nossa voz mesmo, a autonomia de pegar as tintas e ir pra rua e pintar o que se quer. Porque até padrão de qualidade se coloca em cima do graffiti feito pela gente”, afirma Gabi Bruce, uma das meninas que pinta há mais tempo em Pernambuco, desde 2004. A marca de Bruce nas paredes é uma personagem criada por ela e que foi inspirada em mulheres negras, sempre com um penteado black power que “pode ser um céu, um mar ou estrelas. A ideia é mostrar que o cabelo da mulher negra é um universo de possibilidades”, explica. 

Recifusion colore mais uma vez o Recife com grafitagens

Quem também faz graffitis pelas ruas do Recife é Nika Dias, integrante da 33 Crew e da Várias Queixas Crew, coletivos locais de grafitagem. Na opinião de Nika, machismo por parte dos meninos que pintam paredes não existe. “Mas da sociedade ainda existe. Acontece muito da gente estar pintando e alguém comentar ‘ó, é uma menina’ e ficam me perguntando por que eu faço isso, enquanto que com os meninos a abordagem já é diferente”, comenta Nika, que embarcou nessa expressão ainda em casa, para depois fazer algumas oficinas e finalmente ir para as ruas. Na Av. Conde da Boa Vista, por exemplo, próximo ao Consulado Americano, há uma arte de Nika pintada numa parede. “O sonho de todo mundo era pegar esse muro. Um belo dia eu consegui pegá-lo num domingo e nesse dia eu e uns amigos passamos mais de 12h pra terminá-lo. Mas valeu a pena”, diz Nika, com um sorriso de satisfação.

Também integrante da Várias Queixas Crew, além do coletivo Borboletas de Passagem, Priscila Lima, de João Pessoa, que assina suas artes com o nome WITCH, conta como foi o seu envolvimento com a grafitagem. “Comecei a partir da pichação, em 2005. Fiz parte de uma crew de pichadores em João Pessoa e algumas pessoas começaram a fazer letras e desenhos nos muros, isso por volta de 2007. Em 2008 soube de uma oficina de graffiti e lá encontrei a Dedo Verde, pessoa que me ensinou mais técnicas e foi aprendendo junto comigo. Montamos uma crew, a Borboletas de Passagem, e pintamos juntas até hoje. Contando desde a pichação, são quase dez anos. Mas de grafitti são apenas seis”, explica Priscila Lima, conhecida por grafitar caveiras. 

Envolvimento das mulheres com a arte

Sobre o envolvimento das mulheres com a expressão artística, é unânime a opinião das três grafiteiras: há um considerável aumento da participação feminina nesse meio, apesar do caminho ser repleto de dificuldades. “Noto que o número de mulheres que grafitam cresceu bastante, principalmente no nordeste. Antes era bem mais difícil pintar nas ruas porque o graffiti não era considerado arte e os materiais de qualidade eram bem difíceis de encontrar”, opina Priscila Lima. 

“Tem aumentado, mas é por época. Há períodos em que as meninas estão bem fortes, mas existem aquelas baixas que acontecem quando elas casam, têm filhos, ou os pais não aceitam e as proíbem de sair de casa. Ainda há toda essa cobrança, retrato de uma sociedade patriarcal”, explica Nika. “Quando eu comecei só tinham duas pernambucanas que pintavam. E hoje Pernambuco é o estado do Nordeste que mais tem grafiteiras. Onde estão elas? Nas ruas todos os dias. Só não querem nos enxergar como não nos enxergam há muito tempo. Mas somos muitas e somos organizadas”, comenta Gabi Bruce.

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