No dia 13 de abril de 2017, Cristiano Severino dos Santos foi assassinado no bairro de Afogados, Zona Oste do Recife, após ser confundido com o autor de furtos na localidade. Cristiano foi espancado até a morte, com pauladas, pedradas, socos e golpes de facão. Seu corpo foi atirado em uma vala. Ele era alcoólatra e estava perdido na comunidade, onde alguns de seus familiares residem. Segundo a investigação, não houve chances de reagir ou de se explicar.
O delegado Igor Leite, responsável pelo caso, indiciou cinco pessoas por homicídio qualificado. Os acusados foram presos em junho. Três deles não tinham passagem pela polícia. “Notamos um aumento de ocorrências desse tipo, não necessariamente de casos que resultam em mortes, mas de atos violentos antes da chegada da PM”, conta o delegado. O vídeo a seguir mostra uma ação de populares em março deste ano, no bairro de Santo Antônio, Centro do Recife, contra um acusado de assalto.
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Uma consequência corriqueira dessas atitudes é quando um inocente é atacado por engano, como aconteceu com Cristiano. No livro Linchamentos - A justiça Popular no Brasil, o sociólogo José de Souza Martins analisou 2.028 casos no país. Na publicação, consta que, em 2015, tínhamos uma média de um linchamento por dia, o que nos colocava nas cabeças do ranking mundial.
Em Pernambuco não há um número preciso de tentativas ou de linchamentos de fato (quando a vítima vem a falecer). Nos boletins de ocorrência das delegacias do Estado, esse tipo de crime é registrado como agressão, o que engloba uma infinidade de situações. Porém, em uma rápida pesquisa na internet sobre casos dessa natureza, é possível encontrar ao menos dez exemplos, somente este ano, em cidades da Região Metropolitana do Recife e do interior, como Caruaru, Barreiros e Belo Jardim.
Todos os casos foram registrados em localidades carentes. “Essas incidências acontecem em comunidades que sofrem com a ausência do Estado. São pessoas revoltadas pela impunidade tentando suprir a lei”, explica Igor Leite. Ainda de acordo com ele, muitas vezes o reconhecimento dos agressores não ocorre devido ao silêncio dos outros moradores. “Nosso papel é evitar o linchamento e responsabilizar quem agrediu. O problema é que ninguém aponta”, lamenta.
“Bandido bom é bandido morto”
Segundo Isaac Luna, professor de Criminologia e Direito Penal e mestre em Sociologia Jurídica com especialização em Segurança Pública, outros fatores, além dos econômicos, precisam ser levados em consideração. “Não há dúvida de que a barbárie ocupa com muito mais facilidade campos ou áreas sociais abandonadas pelo Estado, porém, não só. O discurso do 'bandido bom é bandido morto' está disseminado em parte da opinião pública, independentemente do endereço ou condição socioeconômica”, afirma. “A maior incidência dos linchamentos em comunidades mais suburbanas pode ser apenas uma consequência da maior dificuldade de acesso e atendimento imediato da ocorrência pela força policial”, completa.
Luna diz ainda que, mesmo que quase nenhum caso de agressão a acusados de crimes aconteça em áreas abastadas, há uma conivência das classes mais altas, sobretudo em situações onde o agredido seja estereotipado. “Quando se pensa em linchamento como prática aceitável está a se pensar em um tipo social muito específico, etiquetado como perigoso, criminoso: negro, favelado, tatuado, analfabeto, drogado, etecetera. A ideia de linchamento está relacionada a de que há vidas que não merecem ser vividas e, portanto, podem ser descartadas”, alerta.
Redes sociais
Receber vídeos violentos em celulares, sobretudo pelo Whatsapp, é rotineiro para muitas pessoas que utilizam o aplicativo. É consenso entre os especialistas da área, que a ideia de disseminar essas imagens parte do princípio de que existirá a aprovação de quem irá recebê-la. “Essa atitude de filmar e compartilhar está relacionada a compreensão de que o que está ocorrendo é ética e valorativamente desejável e, portanto, justo e correto”, diz Luna.
O ato, porém, não é tratado como agravante. “Hoje muitas pessoas têm câmera no celular. Filma-se tudo o que se vê, inclusive a violência. Tem gente que acha bonito, tem outra parte que aplaude, então eles compartilham”, diz o delegado Igor Leite. “Filmar somente não configura crime, tem que ver qual foi a intenção de quem filmou e qual sua participação no ato”, esclarece.