Por não acreditar que possuía as qualidades necessárias para atrair uma mulher, Otelo, cego de ciúmes, resolve matar sua amada, Desdêmona. Ao descobrir que não havia sido traído, o grande militar mouro tira também a própria vida. A tragédia de William Sheakspeare “Otelo, o Mouro de Veneza”, escrita por volta do ano 1.600, descreve com tanta precisão as causas e consequências do ciúme patológico que o batiza de “Síndrome de Otelo”. No Recife, para lançar o livro “Ciúme Patológico: passando dos limites”, a psicanalista piauiense Giorgia Matos defende que a doença ainda é um tabu.
O interesse da pesquisadora no assunto partiu de uma experiência pessoal. “Fui vítima de ciúme doentio e passei três longos anos sofrendo, pois, para meu companheiro, toda atitude minha era suspeita. Eu não olhava para o relógio, com medo dele. O trauma sofrido por quem é vítima de ciúme patológico equivale a uma neurose de guerra”, coloca. Buscando esclarecimento sobre a questão, Giorgia foi atrás de informações sobre o assunto. “A questão é que contam-se nos dedos os livros que tratam do ciúme no Brasil. Me tornei psicanalista e me empenhei em estudar sobre ciúme”, completa.
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De acordo com Giorgia Matos, o ciúme é uma emoção inerente à existência humana, quando é brando e passageiro. “Quando, no entanto, ele começa a se tornar constante, atrapalhando o trabalho, o relacionamento e a vida social do indivíduo, torna-se uma doença”, afirma a especialista. Em sua face patológica, o ciúme pode até causar delírios e alucinações. “Um dos tipos é o ‘ciúme delirante’, o mais extremo. A pessoa acometida por ele pode ouvir e escutar coisas. O indivíduo precisa ter predisposição genética para possuí-lo e precisa ser tratado com neurolépticos, remédios bloqueadores de pensamentos delirantes”, explica Giorgia Matos.
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Outros tipos de ciúme patológico:
-Ciúme obcessivo compulsivo:
Caracteriza-se por gerar pensamentos repetitivos, fantasiosos e irracionais. Indivíduo passa a agir com base nessas fantasias e adquire uma compulsão conhecida pelos psicanalistas como “ritual de verificação” (como checar roupas e mensagens do parceiro).
-Ciúme Paranoide
Suspeitas injustificadas e recorrentes, porém, diferentemente do “obcessivo compulsivo”, o indivíduo não possui o “ritual de verificação”.
-Ciúme Borderline
Carência afetiva extrema e medo do abandono. O doente se doa completamente para o parceiro, por não suportar a possibilidade de um rompimento.
Giorgia Matos explica que, em todas as suas manifestações, o ciúme patológico requer acompanhamento de um profissional. “No mais, o parceiro do doente não pode alimentar o ciúme. Dar todas as satisfações que ele pede e manter uma postura submissa no relacionamento só irá agravar o quadro”, aconselha. Não tratada, a doença pode provocar suicídio, homicídio e feminicídio. “As causas são várias e bastante subjetivas. Geralmente a origem da doença está relacionada a traumas de traições anteriores ou problemas de auto-estima adquiridos ainda na infância”, completa.
Superando a doença
Ciúme patológico pode provocar até delírios e alucinações. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)
Vídeo no celular, pornografia. Perfume, sinal de encontro às escondidas. A vizinha, uma amante. Agora em tratamento, Patrícia* ainda se recorda das suspeitas e associações infundadas que quase destruíram seu casamento. “Cheguei ao ponto de apontar uma faca para ele na cozinha da nossa casa e o que ouvi foi: ‘isso não é normal, você precisa de ajuda’. Tive a sorte de ter um homem paciente ao meu lado, que me ajudou muito”, revela.
Esgotada pelos ciúmes, a mulher encontrou apoio no grupo anônimo Mulheres que Amam Demais (MADA). “Ainda estou no processo, a gente não cura essas coisas rápido. Mas se estou consciente é porque já melhorei. Agora é meu marido que me liga com frequência, procurei me valorizar”, conclui.
Companheira de Patrícia no MADA, Marcia* atribui ao ciúme patológico alguns dos piores anos de sua vida. “Passava o dia cascavilhando o celular dele, não o deixava se dedicar ao trabalho e sentia ciúmes até da minha sogra. Deixei minha vida de lado”, lembra. Filha de pai alcóolatra, Márcia acredita que o lar disfuncional na infância foi o principal gatilho da doença.
“Adquiri uma enorme carência afetiva, querendo sempre agradar os outros para ganhar um mínimo de atenção. O primeiro passo é aceitar o problema. Quando fiz isso, procurei ajuda e já estou há sete meses num relacionamento comigo mesma”, finaliza.
*Nome fictício