João Maurício Adeodato

João Maurício Adeodato

Conversas Filosóficas

Perfil: Professor Titular da Faculdade de Direito do Recife (UFPE), Pesquisador 1-A do CNPq, Livre Docente da Faculdade de Direito da USP e Coordenador dos Cursos de Direito do Grupo Ser Educacional. Currículo em: http://lattes.cnpq.br/8269423647045727

Os Blogs Parceiros e Colunistas do Portal LeiaJá.com são formados por autores convidados pelo domínio notável das mais diversas áreas de conhecimento. Todos as publicações são de inteira responsabilidade de seus autores, da mesma forma que os comentários feitos pelos internautas.

A tortura pode ser justificada?

João Maurício Adeodato, | sex, 22/03/2013 - 10:30
Compartilhar:

No Estado Democrático de Direito as normas jurídicas proíbem incondicionalmente o emprego da tortura, largamente utilizada pelos órgãos estatais até muito, muito recentemente. A cultura ocidental, tão orgulhosa de sua civilidade, queimou bruxas até o século XVIII, não se pode esquecer. Mas hoje a simples ameaça de tortura é banida e rigorosamente combatida, pelo menos no plano da legalidade democrática. Muitos argumentos foram usados nessa evolução, desde os horrores históricos das ordálias, os “juízos de Deus” medievais, até o simples argumento pragmático de que a tortura não funciona como meio de prova nem garante informação.

Conceitualmente, tortura não se confunde com pena cruel, que constitui tema de outro debate ético. A tortura é um procedimento que busca informações para esclarecer a verdade no processo, enquanto as penas cruéis têm por objetivo o castigo, pressupondo que aquela verdade já foi encontrada.

A questão da tortura se relaciona com o problema da tolerância em pelo menos dois sentidos básicos: o literal, de tolerar ou não a dor; e o mais amplo, de não ver limites para coagir a vontade alheia, a violência irresistível que chega a ponto de acabar com o discurso, a linguagem que caracteriza o ser humano. Este último é o que mais interessa aqui. Isso significa discutir o assunto desde uma perspectiva ética: a tortura deve ser usada em algum caso? Há alguma possibilidade de justificação da tortura? Ela pode ser legalizada, ou seja, o direito pode prever sua aplicação?

A perspectiva sociológica é importante e deve sempre permanecer no horizonte da discussão. Muitos sabem que a tortura é rotineiramente praticada em países subdesenvolvidos como o Brasil, assim como em países economicamente desenvolvidos como os Estados Unidos, baluartes de uma retórica civilizatória, que se arvoram guardiães de uma nova ordem mundial, o que lhes daria o direito de invadir países para impor sua ética de proteção aos direitos humanos. Mas não apenas na Baía de Guantânamo. Internamente, em todo seu território, estabeleceu-se uma importante indústria da prisão, que encarcera 4 vezes mais pessoas do que qualquer outro país – de acordo com dados de 2011 – e de cuja manutenção vivem e lucram milhares de cidadãos. E essa indústria da prisão não deixa de ser uma espécie de tortura.

Externamente, no que concerne ao terrorismo, a justificativa dos funcionários norte-americanos para o emprego da tortura e de outros métodos contrários a seu próprio direito positivo é a tese da legítima defesa prévia, para evitar um mal maior a mais pessoas. Ora, mas isso se afasta do conceito secular de legítima defesa, que implica perigo real e iminente, incompatível com a tortura, na qual o ser humano já está submetido e não se encontra em condições de atacar ninguém.

Na próxima semana veremos exemplos concretos que não são apenas roteiro de filmes e que mostram a importância cotidiana da filosofia do direito.

Leianas redes sociaisAcompanhe-nos!

LeiaJá é um parceiro do Portal iG - Copyright. 2024. Todos os direitos reservados.

Carregando