Gustavo Krause

Gustavo Krause

Livre Pensar

Perfil: Professor Titular da Cadeira de Legislação Tributaria, é ex-ministro de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, no Governo Fernando Henrique, e da fazenda no Governo Itamar Franco, além de já ter ocupado diversos cargos públicos em Pernambuco, onde já foi prefeito da Capital e Governador do Estado.

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Adoro Celulite

Gustavo Krause, | qui, 10/04/2014 - 10:15
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A vida é dureza. Sempre foi. Cada vez mais. Hoje em dia, invade a casa da gente. Rádio, televisão e a hipnose da família eletrônica dos “I”, “Face”, “WattsApp” nos levam a prestar menos atenção ao próximo mais próximo. Em matéria de informação o que nos chega é a violência nas mais variadas e requintadas formas; a corrupção organizada pelos homens do colarinho branco, amarelado pelo suor fétido dos seus usuários rechonchudos; tome imposto de verdade e engula a mentira dos serviços públicos.

O jeito é falar de moleza. Moleza inocente. Natural. Na maioria das vezes, herdadas. Vem no DNA. É mole e atormenta quem não merece: as mulheres. E  atende por um nome assustador: celulite. Um terror que se localiza nas redondezas da região glútea e, dependendo do caso, se espalha pela parte posterior das coxas. As magrinhas não estão imunes às ondulações do tecido fibroso que nem casca de laranja.

No começo da década de noventa, em parceria com o famoso J. Michiles, nasceu a marchinha cujo refrão é o seguinte: “Gordinha, linda Afrodite/parei no seu it de anjo barroco/você me deixa louco com seu apetite/acredite/adoro celulite!”. Criamos o bloco. Disputa acirrada para escolher a porta-bandeira (quem ganhou? Segredo de confissão). Quase sai tapa. O bloco era curtição e somente uma vez foi às ruas. A preguiça era muito grande. A gente anunciava todo ano a presença de celebridades (Jô Soares, Wilza Carla) e, no clima de carnaval,...tudo era fantasia. Mas as portadoras de celulite estavam de alma e tecido adiposo lavados: o frevo-canção era uma resposta ao Bloco da Malhação da academia da saudosa Jandira Airam, letra de minha autoria, musicada, adivinhem por quem? O doce amigo e notável compositor Luiz Bandeira. Refrão: “Malha, menina!/menina, malha!/fica durinha senão encalha!” Quase linchado, fui perdoado com a apologia à celulite.

Bem, a celulite é a saúva do século XXI: ou se acaba com ela ou ela põe em risco  o sexo feminino. Tem receita de todo tipo: fórmulas caras, “cientifícas”, naturais, soluções caseiras (manteiga de cacau com açúcar e pó de café, eca!, banho de algas, três copos ao dia de suco de limão e pimenta caiena,  a couve milagrosa e por aí vai).

E haja maluquice. As loucademias de ginásticas são verdadeiros sanatórios que fabricam a neurose da “mulher perfeita” (para ela e o espelho, espelho meu), o ideal da Vênus calipígia (com todo respeito) de bunda dura e pacientes de ortopedistas e fisioterapeutas.

Aliás, “A bunda dura” é um artigo atribuído (?) a Arnaldo Jabor e leitura recomendável para auxiliar o tratamento psicanalítico no mundo que glorifica os “máximos”; canoniza a aparência; subestima a essência; e, para mergulhar na inconsciência, consome, adoidado, pílulas para dormir, para acordar, para sorrir, para sentir prazeres em escala negada pela natureza. Somos vítimas da civilização do medo generalizado em fuga permanente do real que dói, maltrata, mas que precisa ser enfrentado.

Ora, a mulher não precisa ser dura, nem mole; não precisa ser uma estátua de charme; não precisa se redesenhar a cada década passada; basta ser mulher no corpo cuidado, adequado a cada idade e sem perder o viço interior do senso de humor e do amor; manter acesa a luz de uma sabedoria que emana dos sentimentos da maternidade; mulher que ria, faça rir e que tenha idéias mais longas do que os cabelos. Esta escultura da alma feminina jamais perderá a graça e a capacidade de sedução.

E nós homens, fracotes, como precisamos delas. Precisamos daquela metade que na narrativa da obra platônica, o “Banquete”, é separada do ser original completo e, a partir de então, vaga pelo mundo em busca da outra metade.

Encontrando, amigas, é prudente relevar o desleixo do toalha molhada em cima da cama; de mijar no assento do vaso sanitário; de jogar a pelada regada a cerveja, conversando leseira. Encontrando, amigos, vale sentir no corpo da mulher, o suave aconchego, revestido pela gordurinha localizada e pela indesejada celulite. E todo dia, repetir, em tom de prece, o que diz o cancioneiro “Meu amigo, se ajeite comigo e dê graças a Deus”.

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