Fim de tarde na bucólica Vitória de Santo Antão, ano de 1957. Revisão dentária com Dr. Bido, meu pai. Zero cárie. Prêmio: empada maravilhosa com caldo de cana no bar de Pedro Peixe. Depois, na mesma rua XV de novembro, a prosa habitual na coletoria com Seu Valença, funcionário público exemplar para quem o dinheiro do contribuinte era sagrado e a honestidade, valor e dever indeclináveis. Rabugento com a idiotice e implacável paladino da decência e dos bons costumes, Valença era tão sisudo e de humor tão oscilante que se tornava engraçado e atraente.
A recordação me chega com uma limpidez cristalina. No encontro, estavam Biu, motorneiro aposentado da Tramways, e Zezo, maquinista da finada RFN, cinco pessoas e três gerações, conversando miolo de pote ao som do teclado das máquinas de escrever Royal que davam os últimos acordes do expediente.
A geração do menino quase adolescente chegou a conhecer o bonde e o motorneiro; o trem e o maquinista; o broca rombuda do dentista e a que era movida pelo pedal; a máquina de escrever e o datilógrafo; a coletoria e o coletor de impostos. Conheci e vi serem varridos da face da terra e transformados em peças de museu que, pela graça de Deus, habita uma memória viva.
A inovação/revolução tecnológica cumpriu o seu papel histórico: "a destruição criativa", hoje, em ritmo alucinante. Fenômeno do nosso tempo a quem Bauman denominou "modernidade líquida" e que o alemão Klaus Schwab enxerga como A Quarta Revolução Industrial, livro em que o autor define com muita originalidade a substituição do capitalismo pelo "'talentismo', sistema econômico com base no talento e não no capital".
Éuma necessidade vital perceber o tempo passando na janela, especialmente, os novos gestores municipais recém-eleitos. Prefeitos novos, ideias novas? Eis uma questão pertinente.
Ouso propor três eixos estratégicas com enorme vigor cultural, capazes de enfrentar a implacável "destruição criativa": 1. Gestão digital inteligente em oposição ao reino dos birôs e ao império dos lentos processos burocráticos na era da comunicação online; 2. Gestão meritocrática em oposição ao vício do clientelismo; 3. A governança metropolitana em oposição ao municipalismo vesgo.
Tenho medo da jaula tecnológica; assusta-me a robotização do humano; porém o meu pavor é, por estúpida inadaptação dos governos às mudanças, fazer companhia aos dinossauros em algum parque jurássico....em obras.