Tópicos | ataques à imprensa

O desaparecimento do jornalista britânico Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira é apenas a ponta do iceberg de um período de crescentes ataques a jornalistas e à democracia, apontaram participantes de audiência pública promovida, nesta quarta-feira (15), pela Comissão de Direitos Humanos do Senado (CDH).   

Durante a reunião, que contou com diversos momentos de homenagens a Philips e Pereira e de solidariedade a profissionais de imprensa que foram vítimas de ataques, senadores, jornalistas e outros convidados afirmaram que o presidente Jair Bolsonaro estimula um clima de desinformação e de violência e hostilidade contra a imprensa. Os participantes reforçaram ainda que não existe democracia sem imprensa livre. 

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 "Nós jornalistas estamos sob ataque - isso é evidente -, mas a gente precisa entender por que somos o alvo. A imprensa é atacada porque ela faz parte justamente da infraestrutura da democracia. Portanto, quem está sob ataque não é apenas um jornal ou uma profissional: o que está sob ataque é a democracia", apontou o jornalista Jamil Chade. 

 Fundador do Congresso em Foco, o jornalista Sylvio Costa relatou ameaças de estupro e de morte a profissionais do veículo feitas após reportagens críticas ao governo Bolsonaro. 

 "É uma situação grave que abalou profundamente nossos profissionais e suas famílias, mas não é um fato isolado. Além de vários outros que estão acontecendo com tantos colegas do país, aos quais evidentemente nós somos completamente solidários, o Congresso em Foco e sua equipe têm passado por inúmeros constrangimentos desde o início do Governo Bolsonaro", ressaltou.

  Vítima de ataque do presidente Jair Bolsonaro após a publicação de uma uma reportagem sobre um esquema irregular de disparo de mensagens por WhatsApp nas eleições de 2018, a jornalista Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de São Paulo, apontou que o papel da imprensa não é fazer oposição, mas informar. Ela manifestou preocupação com a segurança dos profissionais durante o processo eleitoral de 2022. Jornalistas mulheres como Patrícia são as principais vítimas de ataques segundo os participantes da audiência. 

"Liberdade de imprensa é o direito das pessoas se informarem. Jornalistas não estão fazendo oposição. A gente vai trabalhar, apurar direito e ter acesso aos fatos, mas para trabalhar a gente vai precisar de segurança. Hoje, existe um ecossistema paralelo de informações. Eles fazem uma versão distorcida da realidade", disse. 

 A preocupação com as tensões no pleito de outubro é compartilhada por Octávio Costa, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Costa disse ser necessário avançar nas denúncias contra a articulação de um possível golpe caso Bolsonaro não seja reeleito. "Então, mais do que pensar no que a imprensa vai fazer se houver o golpe, nós estamos preocupados em denunciar já essa orquestração. Não vamos admitir a orquestração. Não é o golpe, não: é a orquestração e esse tipo de articulação. Então, o Brasil não vai admitir uma virada de mesa porque militares e gente que cerca Bolsonaro não vão admitir o resultado", apontou. 

Aumento da violência

Autor do pedido da audiência convocada para discutir "os ataques à liberdade de imprensa e os riscos da atividade jornalística e da livre expressão no Brasil”, o presidente da CDH, senador Humberto Costa (PT-PE) destacou o aumento de casos de violência contra profissionais de imprensa desde as eleições de 2018 e afirmou que a profissão de jornalista é hoje de “altíssimo risco” no Brasil.   

"Essa é uma demonstração de que a profissão de jornalista no Brasil está se tornando um ofício de altíssimo risco. O aumento dessas agressões, de ameaças, de violências em si pode ser claramente identificado a partir das eleições de 2018, quando tivemos ânimos muito acirrados entre boa parte dos eleitores. E esse quadro só veio a piorar com a eleição de Bolsonaro, que inclusive se utiliza dos espaços institucionais da Presidência da República para promover ataques diretos contra órgãos de imprensa, contra jornalistas, contra profissionais do jornalismo", afirmou Humberto. 

O aumento dos casos de hostilidade e violência contra jornalistas é confirmado por dados apresentados por Natalia Mazotte, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI); por Maria José Braga, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e por Bia Barbosa, coordenadora da Incidência da Repórteres sem Fronteiras (RSF) para América Latina. 

De acordo com o Repórteres sem Fronteiras (RSF), o Brasil ocupa atualmente a 110 ª posição no ranking mundial de liberdade de imprensa entre 181 países e é o 2º local mais letal para jornalistas no continente, atrás apenas do México. Foram ao menos 30 assassinatos de profissionais na última década. Apenas no primeiro semestre de 2021 foram registrados 330 ataques de acordo com a RSF, um aumento de 74% em relação ao ano anterior. Segundo Bia Barbosa, os posicionamentos do presidente Jair Bolsonaro, seus filhos e autoridades próximas corroboram com este aumento.   

"Eu queria destacar o mapeamento que o Repórteres sem Fronteiras faz dos ataques do que a gente chama de Sistema Bolsonaro, que envolve o presidente, os seus filhos, ministros e apoiadores mais diretos. Para vocês terem uma ideia, durante três meses do ano passado, em parceria com o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, nós monitoramos hashtags de hostilidade de ataques a jornalistas e comunicadores numa rede social e, somente em três meses, a gente coletou mais de meio milhão de postagens atacando a imprensa — denunciou Bia Barbosa. 

Para a senadora Zenaide Maia (PROS-RN), a audiência evidenciou a necessidade de ampliar os espaços de denúncia de ataques contra a imprensa e a democracia. "Então, a gente não pode, não vamos nos intimidar. Acho que precisamos ir para rua para mostrar que a gente tem que defender a democracia. E não existe democracia sem liberdade de imprensa. Sem liberdade de imprensa, não tem democracia, porque as pessoas não são empoderadas com conhecimento e com informações", avaliou. 

*Da Agência Senado

Divulgado no início desta semana, um levantamento realizado pelo Repórteres Sem Fronteiras (RSF) em conjunto com o Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio) registrou meio milhão de tuítes contendo ataques à imprensa entre os meses de março e junho deste ano. De acordo com o documento, cerca de 20% do total foram publicados em contas com alta probabilidade de comportamento automatizado, ou seja, robôs.

O estudo também observou um maior engajamento ligado a grupos de usuários que apoiam as ações do governo federal nas redes. Jornalistas do gênero feminino, juntamente com grupos de comunicação considerados críticos da gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), são os alvos preferenciais dos ataques.

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O território de hostilidades foi mapeado através do monitoramento das hashtags mais frequentes na rede social, que foram: #imprensalixo, #extremaimprensa, #globolixo, #cnnlixo e #estadaofake. Ademais, episódios de assédio contra perfis de alguns jornalistas, a exemplo de Maju Coutinho (Rede Globo), Daniela Lima e Pedro Duran (CNN Brasil), Mariliz Pereira Jorge, colunista da Folha de São Paulo, e Rodrigo Menegat (DW News) também foram notificados.

Na prática, a quantidade de tuítes mencionando jornalistas do gênero feminino foi até 13 vezes maior que aqueles fazendo referência aos homens da mesma área. Em 10% das publicações estavam presentes termos ofensivos e palavrões como safada (o), vagabunda (o), puta (o), ridícula, idiota, arrombada (o) e imbecil. Vale ressaltar ainda que a incidência dos xingamentos foi 50% maior entre as profissionais mulheres.

Robôs que disseminam ódio

Ainda segundo a pesquisa da RSF, a utilização de contas automatizadas indica a existência de mobilizações orquestradas, ou seja, programadas, com o objetivo de ampliar artificialmente os ataques ao jornalismo. A identificação dos interlocutores também sugestiona o financiamento dos ataques e capacidade técnica mobilizada para promover um ambiente de descrédito à imprensa nas redes sociais.

“A utilização de robôs multiplica o alcance nas redes em torno de determinados assuntos, criando uma percepção falsa de uma adesão maior do que a real sobre determinadas posições ao estimular artificialmente um efeito de manada”, explica a publicação.

A investigação, inclusive, abre espaço para que seja possível entender o posicionamento ideológico dos usuários mais populares. Ao contabilizar as 150 hashtags mais compartilhadas pelos perfis que interagiram com as cinco hashtags contra a imprensa citadas anteriormente, os temas que mais aparecem são o apoio ao voto impresso, críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à CPI da Pandemia.

 

Na lista dos perfis monitorados, chamam a atenção as contas oficiais do próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido), do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e do deputado estadual de Minas Gerais Bruno Engler (PRTB).

Histórico de agressões que começa no Executivo

Ainda no ano passado, a RSF havia monitorado o discurso da família Bolsonaro, de ministros, do vice-presidente Hamilton Mourão e da própria Secretaria Especial de Comunicação Social da presidência. Juntos, eles fizeram 580 ataques, sendo 85% deles de autoria exclusiva do chefe do Executivo e seus três filhos com cargos eletivos.

Já em 2021, só no primeiro semestre, a organização documentou 331 ataques, partindo da mesma metodologia, considerando sobretudo agressões morais, xingamentos e exposição de jornalistas e veículos de comunicação de maneira vexatória em declarações públicas, entrevistas e postagens em redes sociais.

O Brasil ocupa a 111° colocação no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa 2021 elaborado pela Repórteres sem Fronteiras, tendo entrado para a zona vermelha do Índice pela primeira vez. Em 2 de julho deste ano, a RSF incluiu o presidente Bolsonaro em sua lista global de predadores da liberdade de imprensa.

 

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