Tópicos | como provar acidente de trabalho por Covid-19

Um motorista de caminhão, funcionário de uma empresa de transporte, morreu devido à Covid-19. A Justiça do Trabalho de Minas Gerais, local onde ocorreu o fato, condenou a empresa a pagar uma indenização à família da vítima, alegando acidente de trabalho, pois entendeu que o profissional havia sido infectado enquanto estava no expediente.

O caso noticiado fez surgir uma série de questões sobre segurança do trabalho e os cuidados que devem ser tomados, principalmente durante a propação do novo coronavírus. A pandemia teve início em março de 2020, quando foram registrados os primeiros casos da doença no Brasil. Desde então, os números de infecções e óbitos por Covid-19 têm gerado grande impacto na população brasileira.

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Mesmo com mais de um ano da crise sanitária no País, trabalhadores de diversos setores são diariamente expostos a riscos de infecção pelo vírus, pois são obrigados, em buscar do sustento familiar, a cumprir o regime de trabalho presencial. De acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que foi divulgada pela Federação Nacional das Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza e Conservação (Febrac), 10% dos afastamentos de trabalho por doença aconteceram devido à Covid-19 em 2020.

No Dia do Trabalhador, celebrado neste sábado (1º), o LeiaJá traz uma entrevista com o advogado e professor de direito Ariston Flávio Costa. O especialista explica como os funcionários devem se proteger judicialmente, caso a empresa determine que ele deva trabalhar no formato presencial.

Segundo Ariston, é preciso atentar ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), modificando uma Medida Provisória (MP). A partir das discussões jurídicas, foi firmada uma tese sob o tema de número 932, com "repercussão geral conhecida".

O 'Tema nº 932' se refere à possibilidade de responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, que está sendo analisado pelo Tribunal Superior do Trabalho desde agosto de 2020. Ou seja, se acontecer do trabalhador ser contaminado no trabalho, ou no trajeto, a empresa deve agir de forma responsável. Ainda em 2020, o Governo Federal publicou uma lei que permite o afastamento do local de trabalho em decorrência de quarentena ou outra medida de distanciamento, mediante a apresentação de sintomas por parte do empregado, e atendimento médico devido.

O professor explica as medidas que o empregador deve tomar para garantir a proteção da saúde do funcionário durante o expediente de trabalho. “É necessário estar atento à adoção da teoria da responsabilização objetiva, no caso, é inteiramente pertinente, pois advém do dever de assumir o risco por eventuais infortúnios sofridos pelo empregado ao submetê-lo ao trabalho durante a pandemia do novo coronavírus. Deve ser analisado se o trabalhador ficou suscetível à contaminação nas instalações sanitárias da empresa, nos meios utilizados para a execução do trabalho, se o empregador forneceu todos os meios necessários e adequados determinados pelas autoridades de saúde do País, como máscaras, ventilação, fornecimento de álcool em gel, aferição da temperatura, enfim, todas as medidas de higienização necessárias para evitar qualquer risco de contaminação”, exemplificou o advogado.

Ariston ainda reitera a questão da responsabilização da empresa, se referindo ao caso do motorista citado no início desta reportagem. “Em recente decisão datada de abril deste ano, o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, onde o motorista da empresa (caminhoneiro) veio a óbito por Covid-19, restou evidente a decisão do magistrado que entendeu que prova testemunhal revelou, ainda, que o caminhão poderia ser conduzido por terceiros, que assumiam, como manobristas, a direção nos pátios de carga e descarga. Situação que, segundo o juiz, aumenta o grau de exposição, sobretudo porque não consta nos autos demonstração de que as medidas profiláticas e de sanitização da cabine eram levadas a efeito todas as vezes que a alternância acontecia. Além disso, o magistrado reforçou que não foi apontada a quantidade fornecida do álcool em gel e de máscara, 'não sendo possível confirmar se era suficiente para uso diário e regular durante os trajetos percorridos'. Ele lembrou, ainda, que não foram apresentados comprovantes de participação da vítima e seus colegas em cursos lecionados periodicamente sobre as medidas de prevenção”, detalha Ariston.

Mesmo em caso de contaminação, o advogado alerta acerca dos primeiros passos que devem ser tomados pelo trabalhador, e quem mais, além da empresa, deve ser informado. “Antes de tudo, ao sindicato da sua categoria. É imprescindível a participação do ente coletivo no apoio ao trabalhador para a configuração do nexo causal. O ente sindical deve estar atento à publicação feita em 11 de dezembro de 2020, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho que publicou a Nota Técnica SEI nº 56376/2020/ME, com regras para a análise do nexo causal entre a Covid-19 e o ambiente de trabalho. Além do mais, temos o Ministério Público do Trabalho (MPT)”, explicou o docente.

Reunião de provas

Segundo dados do MPT, até março de 2021, foram registradas mais de 40 mil denúncias relacionadas à infecção por Covid-19. Só no Estado de Pernambuco foram feitas 1.675 denúncias, desde o início da pandemia.

O MPT também comenta a nota técnica, que informa o que deve ser feito para garantir a proteção do empregado em caso de contaminação. “Conforme a Nota Técnica do Grupo de Trabalho Covid-19 nº 20/2020, do Ministério Público do Trabalho, o vírus é considerado um risco biológico a ser previsto no ambiente de trabalho, e, a despeito de ser pandêmica, não exclui a responsabilidade do empregador de controle e vigilância epidemiológica em seu quadro funcional para identificação de transmissores da doença e prevenção de contaminação nos locais de trabalho, mediante ações de busca ativa, rastreio, isolamento de casos e afastamento dos contatantes. A evidência de omissão patronal na adoção de protocolos de controle de risco nos locais de trabalho poderá se configurar pela inexistência de inclusão do risco biológico nos programas de prevenção ocupacional, como o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais e Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, a cargo dos profissionais habilitados que devam estabelecer as medidas mais amplas e complementares para eliminação ou diminuição do risco de contaminação, conforme diretrizes das normas regulamentadoras aplicáveis", destaca o Ministério.

O órgão continua: "A ausência de implementação dos protocolos sanitários e de medidas administrativas, a exemplo do afastamento de trabalhadores enquadrados em perfil de risco, o não fornecimento de equipamentos de proteção adequados, a ausência de cumprimento de medidas de engenharia e biossegurança do trabalho, a exemplo da omissão no controle da qualidade do ar, poderão ser elementos comprobatórios da responsabilidade patronal nos casos de adoecimento de seus empregados. Evidências fotográficas dos postos de trabalho, sem garantia de distanciamento recomendado entre os trabalhadores, aglomeração nos ambientes laborais, sem adoção de escalas de rodízios de jornada recomendadas em protocolos sanitários, por exemplo, serão também elementos de prova passíveis de produção pelo empregado”, explica o MPT.

A instituição ainda menciona como o trabalhador pode apontar falhas na segurança biológica da empresa às autoridades competentes. “O Ministério Público do Trabalho disponibiliza canal de denúncias. Outros órgãos de fiscalização poderão ser acionados, especialmente para adequação e segurança das condições de trabalho, como a Inspeção do Trabalho, a Vigilância Sanitária e os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador”, reforça.

É fundamental, diante da necessidade de proteger os funcionários contra a contaminação da Covid-19, que as empresas tomem as medidas cabíveis. “É dever da empresa o fornecimento de um meio ambiente do trabalho adequado. Em tempos de pandemia, o trabalhador não pode ficar suscetível à contaminação nas instalações de trabalho. Todas as medidas de sanitização devem ser tomadas com base nas orientações dos órgãos de saúde. Cabe à empresa provar que tomou todos os cuidados na prevenção da doença e na proteção da saúde de seus trabalhadores, com a identificação dos eventuais riscos, adoção do regime de trabalho em home office, higienização, remanejamento de turnos, redimensionamento de refeitório, rodízio de trabalhadores, orientação e fiscalização sobre as medidas preventivas relacionadas à saúde e segurança e entrega de equipamentos de proteção individual (EPI’s)”, alerta o advogado Ariston Flávio.

O MPT também reafirma as informações, esclarecendo os deveres das empresas quanto à proteção dos funcionários. “O empregador deverá prever no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) e executar a busca ativa de casos, do rastreamento e diagnóstico precoce das infecções pelo novo coronavírus, afastando dos locais de trabalho trabalhadores com casos suspeitos e confirmados, e ainda seus contatantes, ainda que assintomáticos. Também afastar do local de trabalho aquele empregado que comunicar contato familiar com casos suspeitos ou confirmados. Promover testagem periódica para diagnóstico da Covid-19, sem ônus para os empregados. Implementar e manter atualizado o Programa de Manutenção, Operação e Controle da qualidade do ar em ambientes climatizados, garantido a renovação nesses ambientes, conforme exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Assegurar o distanciamento social, implementando o home office, nas atividades compatíveis, o disciplinamento de rodízios e flexibilização da jornada de trabalho, adoção de anteparos nos locais de trabalho que minimizem as situações de contato entre pessoas, o fornecimento de máscaras adequadas e locais para higienização frequente das mãos”, finaliza.

Cuidados pessoais

O médico infectologista Bruno Ishigami, mestrando em saúde pública pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e funcionário do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, sediado no Recife, indica a importância do uso das máscaras adequadas para conter a propagação do novo coronavírus no ambiente de trabalho. “Se tiver condições, preferencialmente, utilize máscara do tipo PFF2 ou N95. São máscaras que têm uma capacidade de proteção melhor. A gente está vendo cada vez mais notícias sobre a transmissão da Covid-19 por aerossóis, que são partículas um pouco menores que gotículas. A máscara de tecido não consegue evitar o vírus, consegue reduzir, obviamente, porque você está de máscara, mas o ideal para reduzir ao máximo a chance de transmissão por aerossol é o uso de máscaras do tipo N95 ou PFF2.

"Também é importante, dentro do ambiente de trabalho, garantir que o espaço seja bem ventilado, que assim, quanto mais ventilado o espaço, menos o vírus se concentra no ambiente, porque o ar vai circular mais vezes”, acrescenta o médico.

Ishigami reforça a necessidade do trabalho em conjunto com a Anvisa para garantir que as orientações sejam cumpridas. “Dentro das leis de segurança do trabalho, o correto seria que as empresas fornecessem essas máscaras de melhor qualidade. A grande questão é que a Anvisa não normatizou o uso de máscaras N95 e PFF2 para toda a população, e aí a gente não consegue cobrar junto ao Ministério do Trabalho”, afirma o infectologista.

Para José Neto, médico infectologista, atuante no Memorial São José e no Hospital Esperança, é importante atentar para o caminho que é feito de casa para o trabalho. “O trajeto de transporte público tem alto impacto na transmissão por conta das aglomerações em ambiente pouco ventilado. Cabe a quem organiza o sistema de transporte minimizar essa realidade para evitar pôr a população que depende desse serviço em risco. Além disso, a vacinação dos trabalhadores de transporte público também deveria ser prioridade”, ele alerta.

A Secretaria do Trabalho do Governo Federal divulgou orientações para que empresas e funcionários possam se guiar no combate à pandemia no ambiente de trabalho. Além de conter informações gerais, estão disponibilizados materiais específicos para cada área dos serviços considerados essenciais, como farmácias, frigoríficos, serviços de saúde, supermercados, entre outros. Entre as orientações gerais, há informações sobre os cuidados no ambiente de trabalho, com empregados que são parte do grupo de risco e testagem.

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