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Candidato ultraliberal à presidência da Argentina, Javier Mieli garante ter encontrado o antídoto para a trajetória descontrolada dos preços: a dolarização da economia. Em quadro de inflação anual superior a 100%, a promessa ajudou a levar o deputado ao surpreendente resultado nas eleições primárias da semana passada, no qual terminou na primeira colocação. Economistas, no entanto, avaliam que a proposta teria difícil execução e enfrentaria como principal obstáculo a escassez de dólares no país.

A controversa medida envolveria a extinção do Banco Central, que Milei chama de "o pior lixo que existe nesta Terra". As reservas da moeda americana mantidas pela autoridade monetária seriam colocadas em circulação, enquanto o governo implementaria uma drástica redução de gastos. Ainda assim, seriam necessários cerca de US$ 35 bilhões para completar o processo, de acordo com estimativas de assessores do candidato.

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Milei prevê que toda a transição levaria de 9 a 24 meses, o que significa até metade de um eventual mandato - isso sem considerar a incerta tramitação legislativa. Para os defensores do projeto, na prática, os argentinos já escolheram a dolarização, uma vez que a divisa americana funciona como reserva de valor. "O peso não vale excremento, porque não serve nem para adubo", disse Milei na semana passada.

As críticas ao programa começam no fato de que a Argentina perderia o controle da política monetária, conforme explica o professor Guido Zack, do Instituto Interdisciplinar de Economia Política de Buenos Aires (IIEP Baires) da Universidade de Buenos Aires. Segundo ele, o país abriria mão das ferramentas que permitem amortecer choques macroeconômicos e combater a inflação. "O remédio seria pior que a doença", avalia, em entrevista ao Broadcast(sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado).

O Equador, que tem o dólar como moeda de curso legal há mais de duas décadas, costuma ser citado como um exemplo de sucesso pelos proponentes da ideia. Zack, porém, lembra que os equatorianos demoraram muito tempo para domar a espiral inflacionária e até hoje incorrem em déficits fiscais insustentáveis - em 2020, Quito teve que fechar uma reestruturação da dívida externa.

O economista também considera improvável que o país sul-americano consiga atrair os dólares necessários para a conversão. Milei assegura que a postura de austeridade fiscal de um eventual governo ampliaria a confiança de investidores com a Argentina, o que impulsionaria a entrada da divisa norte-americana. Mas Zack rejeita essa lógica. "Os mercados não estão mais dispostos a financiar a Argentina", diz ele, que é diretor da organização Fundar na Argentina.

Há incertezas também sobre o impacto da dolarização na trajetória dos preços. O economista argentino Iván Werning, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), analisou a dolarização em estudo conduzido em parceria com Pedro Martinez-Bruera e Tomás E. Caravello. De acordo com o estudo, o anúncio desse novo modelo, no curto prazo, tenderia a provocar uma escalada da inflação, principalmente num contexto de escassez de dólares.

'Caminho errado para a Argentina'

Na visão do presidente do Fórum Oficial de Instituições Monetárias e Financeiras (OMFIF, na sigla em inglês) para os EUA, Mark Sobel, a dolarização parece uma solução atraente na superfície, mas na verdade representa o "caminho errado para a Argentina". De acordo com ele, sob esse sistema, Buenos Aires precisaria manter um superávit comercial elevado para garantir o constante ingresso da moeda americana. "[Isso] Poderia semear as sementes de uma enorme contração e colapso, enquanto desviava a atenção do árduo trabalho de consertar a economia", alerta.

Sobel argumenta que os argentinos devem implementar um profundo ajuste das contas públicas, com a intenção de reduzir a dependência por empréstimos excessivos e financiamento monetário. Precisa ainda acabar com os controles de capitais e unificar o regime cambial. "Por mais doloroso que seja, é necessário para alcançar a sustentabilidade e uma transição para um futuro melhor", afirma.

Na mesma linha, o economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), Robin Brooks, vê a dolarização como o caminho "errado". No entendimento dele, o tombo do peso reflete o desequilíbrio entre despesas muito elevadas e um fluxo de receitas incerto. Por isso, para solucionar o problema, o país deveria fazer cortes de gastos e entrar em uma recessão. "Como fazer isso de maneira justa é o que deveria [pautar] esta eleição. Não a dolarização", declara.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, decretou a dolarização do turismo nos principais destinos do país. Na noite de segunda-feira (26) Maduro anunciou que todos os pagamentos de "serviços turísticos" nas ilhas Margarita e La Tortuga, no arquipélago de Los Roques e em praias do Estado de Falcón deverão ser feitos em "moeda internacional ou em criptomoeda".

Na prática, a medida significa que a maioria dos venezuelanos não poderá frequentar os locais, já que poucos têm acesso a divisas e o salário mínimo, em bolívares, não passa de US$ 6 no câmbio paralelo. "Os pagamentos deverão ser feitos para todos os serviços: avião, hotel, barco, comida e presentes", disse Maduro, no encerramento de uma feira de turismo em Caracas. "Todas estas regiões serão zonas econômicas especiais, onde circulará o petro, vinculado a moedas internacionais", afirmou o presidente.

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O petro é a criptomoeda criada por Maduro que sofreu um duro golpe quando o presidente dos EUA, Donald Trump, assinou uma ordem executiva, em janeiro, proibindo que passe pelo sistema financeiro americano "qualquer transação" feita pela Venezuela.

Segundo representantes do setor de turismo, a taxa de ocupação dos hotéis na Venezuela está abaixo dos 40%. "Há cada vez menos voos, quartos de hotel e as estradas estão sucateadas", disse Reinaldo Pulido, vice-presidente da Associação Venezuelana de Empresas de Turismo.

A medida acelera o processo de dolarização da economia. Aluguéis comerciais, consultas médicas privadas, venda de imóveis e carros, compra de eletrodomésticos já são feitos em dólar. Para o economista Luis Oliveros, pagar bens e serviços com dólar será cada vez mais comum. "Aos poucos, a economia vai se dolarizando. É normal em países com hiperinflação", disse. Fonte: Associated Press. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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