Tópicos | Especial Haiti

TEXTO Jullimaria Dutra | EDIÇÃO Raquel Monteath

Há 10 meses, em uma viagem para o Haiti, os estragos do terremoto que matou mais de 316 mil pessoas e desalojou um milhão e meio de civis estavam bem vivos na memória dos haitianos e na própria desestruturação do país. As consequências que aquela tragédia causou na vida de cada uma daquelas pessoas é algo sem precedentes: milhares de casas, edifícios, sistemas de comunicação, redes elétricas, transportes terrestres, aéreos e aquáticos foram destruídos, incluindo elementos significativos da capital – Palácio Presidencial, Edifício do Parlamento, Catedral de Notre-Dame, a principal prisão e todos seus hospitais.

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O massacre lembrava as imagens dos corpos dos judeus empilhados e jogados aos montes nos campos de concentração, quando da época de Hitler. Mais de 230 mil pessoas - um total de vítimas 77 vezes maior do que a soma dos mortos do World Trade Center - seriam enterrados em valas comuns. Dos que sobreviveram, muitos tiveram seus membros esmagados. O Haiti se tornou uma nação de amputados e que passou a exalar, por todos os lugares, o cheiro da morte. De repente, você caminha e percebe que, por baixo de suas pegadas, há corpos que jamais serão mais resgatados.

Confira a galeria de imagens "Especial Haiti: dois anos de devastação"

Avaliar os estragos passados, dois anos após a tragédia, é tocar na ferida aberta das Nações Unidas. Em uma linha cronológica traçada a partir dos anos de 1990, o Haiti arrasta uma sucessão de instabilidades políticas, golpes militares, instauração da Minustah (Missão das Forças de Paz no Haiti), formação de gangues armadas patrocinadas pelo então presidente Jean Bertrand Aristide, o que, de certa forma, contribui para que os estragos do terremoto ainda não consigam ser suplantados.

Passados dois anos da desgraça que assolou os haitianos, a vida das pessoas começou a se reorganizar, claro, dentro das possibilidades de sobreviver em um país onde quase nada funciona. Quem chega ao Haiti hoje se depara com vários campos deslocados internos, os chamados IDPs (Internally Displaced Personal), espalhados por todos os pontos públicos da cidade, com crianças magérrimas que cercam os visitantes pedindo incessantemente por comida. Em uma visita ao IDP - onde antes funcionava um campo de esportes -, cerca de 80 mil pessoas habitam provisoriamente o local, porém sem data de saída. No Jean Marie Vicent é comum encontrar senhoras lavando suas roupas, outras tomando banho em valas de esgoto. Na falta de água, qualquer recurso hídrico é utilizado.

O Haiti permanece do mesmo jeito de há dois anos quando a terra tremeu a ilha. Talvez um pouco pior, porque a ajuda intensificada nos dias da tragédia deixou o país um mês depois e não mais regressou. Hoje, o Haiti vive literalmente debaixo dos escombros e possui uma política estagnada que não consegue avanços significativos, mesmo com a mudança do novo presidente, Michel Martelly, eleito em março de 2011.

Pelo contrário, a chegada de Martelly dificultou a captação de recursos para o país, devido ao fato dele não ter a maioria no Parlamento e a oposição vetar os nomes sugeridos pelo presidente. Só a partir de outubro é nomeado o primeiro ministro, Garry Conille – que desfruta de certo respaldo internacional –, e algumas políticas voltadas para minorar as condições de vida dos haitianos e melhorar a infraestrutura do país começaram a sair do papel, especificamente em dezembro, quando o Banco Mundial liberou US$ 255 milhões para a retirada de escombros e a construção de moradias de 22,5 mil pessoas.

Diretamente, existe pouco incentivo e destino de verba para a reconstrução de casas e a criação de empregos. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o desemprego pulou de 40% para 70% depois do terremoto. Isso favoreceu o aumento da prostituição e do tráfico de pessoas no país, principalmente das crianças, que são vendidas em plena luz do dia.

O repórter Lourival Sant’Anna, enviado especial do jornal O Estado de São Paulo, mostrou em vídeo que muitos prédios continuam ainda destroçados e que a falta de água, estrutura e de apoio necessário para os haitianos se reerguerem ainda é uma realidade.

Nesse meio termo, é delicado descrever o vazio que toma os haitianos. É comum caminhar pelas ruas esburacadas da cidade e se deparar com crianças contemplando o nada, vagando pelas ruas, sem estudar, mexendo com as mãos a terra para fazer bolinhos de barro e comer. A pouca ajuda humanitária que chega não consegue contemplar mais de um milhão de haitianos com fome, desempregados e que buscam apenas comer e nada mais. Apesar de passado 730 dias da tragédia, em nada mudou o Haiti. É como se tudo estivesse fora de ordem.

TEXTO Jullimaria Dutra | EDIÇÃO Raquel Monteath

Espalhados por entre os becos e vielas da favela Cité Soleil (a maior das Américas), um sorriso perdido entre os militares chamava atenção. Uma expressão inocente que insistia em permanecer. Algumas crianças se aproximavam e, em cada um daqueles olhares, existia um segredo a ser esquecido - as crianças escravas.

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Esses meninos e meninas, mais conhecidos como restavecs, são a última camada da sociedade haitiana. Uma "casta" de invisíveis que são utilizadas nos serviços domésticos, sem qualquer tipo de direito, muito menos oportunidade, e que tiveram as estatísticas agravadas depois dos estragos irreparáveis do terremoto do dia 12 de janeiro de 2010.

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Dois anos passados da hecatombe, o Haiti fortaleceu seu status de um país de crianças órfãs. Dos 1,5 milhão de pessoas desabrigadas, 380 mil são crianças que vivem acampadas em 1.150 barracas, expostas a todos os tipos de riscos: contaminação; doenças; violência sexual e tráfico internacional para escravidão e pedofilia. Em 2010, 10 meses após o tremor de terra, em um relatório de Tráfico de Pessoas do Departamento do Estado Americano, foi constatado que o número de restavecs cresceu de 90 para 300 mil. Embora hoje não haja um número oficial, a ONG Save the Children estima que haja um milhão de crianças órfãs, desacampadas, que perderam ao menos um dos pais no terremoto. Elas representam 45% da população haitiana e estão entre os grupos mais vulneráveis.

É difícil avaliar as perdas que o terremoto causou na vida de dezenas de milhares dessas crianças. Elas aprenderam a ser precocemente adultas e, ao invés de brincar, se preocupam em pedir comida para sobreviver na “selva” haitiana. Em um sistema cultural, político e econômico onde os que tem maiores condições de sobrevivência – a lei do mais forte – são os que conseguem lutar por comida, é de se espantar encontrar pequeninos escravos que ainda conseguem sorrir, dançar e sonhar.

TEXTO Jullimaria Dutra | EDIÇÃO Raquel Monteath

O terremoto que arrasou o Haiti, em 12 de janeiro de 2010, afetou mais de 4,5 milhões de cidadãos que sofrem até hoje com a escassez de recursos básicos, e que possui mais de 70% de sua população desempregada.

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Dois anos depois da catastrófica e apesar das tímidas investidas em reerguer o país, o Haiti permanece em condições precárias. O balanço de magnitude 7,3 na escala Ricther desalojou 1,5 milhão de cidadãos e, dez meses após a tragédia, um surto de cólera infectou 522.570 pessoas, das quais sete mil morreram.

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Diante dos desafios descomunais para realocar milhões de haitianos e retirar um número incalculável de escombros que soterra boa parte de Porto Príncipe, muitos atravessadores (conhecidos como coiotes) passaram a atrair, com maior frequência, haitianos a deixar o país e a entrar no Brasil, só que de forma ilegal, geralmente pelas fronteiras do Acre e do Amazonas.

Foi assim que encontraram um jovem sozinho na estação Corinthians-Itaquera, no metrô de São Paulo. Vítima de uma quadrilha internacional de atravessadores – traficantes de pessoas –, o menino morava com a avó e o irmão mais velho no Haiti. Os responsáveis pelo trajeto do garoto deveriam levá-lo até à Guiana Francesa, onde vive D. Dieula Goin, a mãe do rapaz. A rota passava pelo Brasil, mas ao chegar em São Paulo, os criminosos exigiram mais dinheiro para continuarem o percurso. Como a família se recusou a pagar, abandonaram o menino no metrô.

Mas situações como a do garoto do metrô não intimidam os haitianos que sonham em encontrar oportunidades, uma vez que o país não tem previsão de se reerguer. Porém, após viajarem quilômetros, chegam ao Brasil e acabam dormindo nas ruas, quase revivendo a miséria que esperavam deixar para trás.

O Brasil se tornou um ímã para esses haitianos que, literalmente, percorrem "o caminho das Américas" para chegar ao Brasil: tanto cruzam de ônibus a fronteira com a República Dominicana, quanto lotam embarcações até chegarem a Santo Domingo. Do país vizinho, pegam um voo para o Panamá, seguem para os países espano hablantes que fazem fronteira com o Brasil – Bolívia, Equador, Peru e Acre - e, normalmente, ao chegarem em um desses destinos, seguem a pé até alcançarem as fronteiras das cidades brasileiras.

Essa rota migratória vem aumentando o fluxo de haitianos em massa, principalmente, nas últimas semanas, devido aos rumores (negados pelo Governo) de que o Brasil poderia fechar as fronteiras este ano para os haitianos. O resultado foi a chegada, nos primeiros três dias do ano, de mais de 500 haitianos ilegais e que, junto aos outros 700 compratiotas, estão em alojamentos improvisados, numa localidade de apenas 20 mil habitantes, a cidade de Brasileia, localizada na fronteira com a Bolívia. Situação semelhante ao que ocorreu em Tabatinga, fronteira com Peru e Colômbia, onde 208 imigrantes haitianos se juntaram aos 1.041 que aguardavam sua regularização.

Segundo o Governo, 4 mil haitianos vivem hoje nos estados do Acre e do Amazonas. Destes, 1.600 já estão regularizados. O restante deverá legalizar a situação para poder continuar no país. O Brasil concedeu a eles um visto de residência “humanitária” com validade de cinco anos, o que lhes permite viver e trabalhar no País, já que não podem ser considerados refugiados políticos. Atualmente, são mais de mil haitianos em cada assentamento da fronteira.

 

LIMITAÇÕES - A migração expressiva pela Região Norte obrigou a presidente Dilma Rousseff a limitar a entrada de estrangeiros no país. Em uma reunião realizada nesta terça-feira (10) com as ministras da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, junto ao ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, ficou estabelecido que, por mês, 100 haitianos poderão entrar no Brasil. Os que conseguirem entrar ilegalmente serão notificados para ser efetivada a extradição. Por meio da Lei 6.815 de 1980, ao entrarem no País, os estrangeiros - no caso aqui, os haitianos - precisarão apresentar um visto, emitido gratuitamente pela embaixada brasileira no Haiti, para poder permanecer e exercer atividades laborais de modo regular.

Segundo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a fiscalização será reforçada nas fronteiras do País. O Planalto Central também pretende atuar em conjunto com os governos do Peru, Bolívia e Equador. "O objetivo é atacar essa rota ilícita de imigração e a ação dos coiotes, que têm atuado de forma bastante forte na entrada ao país". O Brasil promete apoio aos governos do Acre e do Amazonas, por meio dos ministérios da Saúde, do Trabalho e do Desenvolvimento Social.

Confira o vídeo da TVNBR sobre a regularização dos haitianos em solo brasileiro:

Dois anos após o terremoto que atingiu a capital do Haiti, Porto Príncipe, os haitianos buscam alternativas para a reconstrução do seu país. Há alguns meses, a repórter Jullimária Dutra esteve no local e testemunhou os estragos da tragédia.

Confira nosso especial sobre o tema:

730 dias após a tragédia, em nada mudou o Haiti

O país dos restavecs

O caminho das Américas

TEXTOS Jullimaria Dutra | EDIÇÃO Raquel Monteath

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