Esta coluna surgiu com a proposta de criar um espaço neutro e técnico, para tratar de temas ligados ao direito e à gestão educacional, sobretudo no que pertine ao campo da educação superior, objetivando um espaço para debate mais informativo e menos opinativ.
Nos primeiros passos, foi possível manter a linha editorial solicitada, mas, infelizmente, o desenrolar dos fatos e a crescente intervenção do Estado na área educacional vem tornando praticamente impossível a manutenção daquela linha de atuação.
Temos, como exemplo claro deste desenrolar dos fatos, o grande espaço destinado à questão do ensino e da formação médica, tema que dominou as últimas edições desta coluna.
Outro tema, embora não venha recebendo, neste momento, a mesma atenção e repercussão, merece atenção de todos aqueles verdadeiramente comprometidos com a qualidade da educação superior em nosso país.
Refiro-me, especificamente, aos debates (re)iniciados acerca dos cursos de Direito, tema recorrente e, infelizmente, jamais tratado com a devida profundidade ou com a participação de todos os envolvidos na oferta de educação jurídica.
Com efeito, depois da decisão do MEC de suspender a emissão de portarias de autorização de funcionamento de cursos de Direito, tema, aliás, já tratado nesta coluna na edição de 14 de fevereiro, a Ordem dos Advogados do Brasil, por intermédio de suas seccionais, iniciou a realização de audiências públicas para tratar da questão da educação jurídica, sobretudo focando na revisão do marco regulatório pertinente, como se fosse admissível o estabelecimento de um marco regulatório específico para os cursos de Direito, colocando por terra o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES e as competências legalmente estabelecidas para todos que participam do processo correspondente.
Aliás, não é de hoje que assistimos às recorrentes tentativas da OAB de conquistar o poder de apresentar manifestação conclusiva nos processos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento dos cursos jurídicos, em flagrante contradição com os preceitos da Lei nº 8.906/1994, que faculta à autarquia em comento o direito de “opinar” nos processos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento dos cursos jurídicos (artigo 51, inciso XV).
A intenção da Ordem dos Advogados do Brasil é assegurar que seu parecer tenha caráter vinculante, o que está em flagrante desacordo com a norma legal comentada, que lhe confere o direito de opinar nos processos, não de dar a palavra final nestes.
Acolher este pretensão da OAB equivale, de fato, a cassar a competência do Ministério da Educação para, por intermédio da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior – SERES/MEC, bem como tornar sem efeito o SINAES, pois tornaria todo o processo de avaliação uma mera pantomima, uma vez que, chegando este a conclusão diversa daquela lançada pela CNEJ/OAB, de nada adiantaria o atendimento aos critérios estabelecidos pelo MEC.
O fato é, que em alguns Estados, as referidas audiências públicas já foram realizadas, com a participação tímida das instituições de ensino superior, senão em termos de comparecimento, ao menos em termos de apresentação de propostas efetivas para a melhoria do ensino jurídico.
Por hora, o que temos presenciado, nas referidas audiências, é uma indisfarçada guerra corporativa, com a apresentação de inúmeras propostas de aumento da carga horária mínima dos cursos de Direito, para inclusão de disciplinas obrigatórias de caráter egoístico e absolutamente individualista, entre as quais podemos destacar, a partir do evento realizado no Distrito Federal, a criação das disciplinas de Direito Eleitoral, Direito Minerário, Direito Desportivo, Direito Penal Militar, entre outras de interesse específico e não ligadas, necessariamente, ao aperfeiçoamento do bacharel em Direito.
Também verificamos a forte tendência corporativa no discurso dos integrantes das Comissões Seccionais de Educação Jurídica, que pleiteiam a flexibilização das exigências relativas ao regime de trabalho dos docentes, para facilitar a cumulação das atividades de advocacia com a docência, entre outros pontos desconectados da efetiva melhoria da educação jurídica.
Os debates no âmbito das seccionais tem demonstrado, ainda, um flagrante desconhecimento das atuais condições exigidas para oferta de cursos de Direito, tendo havido, inclusive, proposta para afastamento da exigência de que os coordenadores possuam título de Doutor, a qual sequer consta do instrumento de avaliação vigente, aprovado há mais de dois anos...
O que podemos verificar, nesse momento inicial de (re)discussão do tema, é que, mais uma vez, o debate recai na velha fórmula viciada de considerar os cursos de Direito como cursos de Advocacia, como se o exercício da nobre profissão na qual orgulhosamente milito há mais de vinte anos fosse a finalidade única dos cursos de Direito, o que, convenhamos, não é verdadeiro!
Outra questão que deve ser considerada é a flagrante inversão do processo adotado para o debate, adotando a mera revisão curricular como única e inequívoca forma de assegurar educação jurídica de qualidade, subvertendo, de forma nefasta e quiçá intencional, o percurso a ser observado, que deve, salvo engano, ser iniciado pela discussão acerca da efetiva finalidade dos cursos jurídicos, acerca do perfil de bacharel que esses cursos devem entregar para a sociedade, para, somente então, passarmos a debater sobre o processo formativo adequado para atingimento desta finalidade, essencial à garantia de qualidade da educação jurídica.
Pedindo vênia aos colegas da área da educação jurídica, não consigo enxergar correção no mero processo de proposta de aumento de carga horária ou de inclusão de novas disciplinas nos cursos de Direito como forma de trazer qualidade aos mesmos.
Entendo, registrando que espero não ser o único com esta visão, que a reforma necessária deve ser muito mais ampla, iniciando, necessariamente, pela revisão do perfil pretendido para os bacharéis em Direito a serem formados e entregues à sociedade, ressaltando, por uma questão de coerência, que me recuso a usar o termo “advogados” ao tratar dos egressos de cursos jurídicos, por entender, como já mencionado, que a Advocacia, com toda a nobreza de seu mister, não é a única atividade profissional a ser desenvolvida pelos bacharéis em Direito.
Impositivo, neste momento, que as instituições agilizem o processo de discussão interna acerca de seu entendimento acerca da questão da qualidade do ensino jurídico e, principalmente, que participem ativamente do processo de realização das audiências públicas sobre o tema, apresentando propostas coerentes e exigindo a efetiva participação das entidades representativas no debate sobre a educação jurídica, evitando, com isso, a reincidência de erros históricos na condução das reformas em andamento.
Qualquer crítica, dúvida ou correções, por favor, entre em contato com a Coluna do Gustavo, que também está à disposição para sugestão de temas a serem tratados nas próximas edições.