Faltando menos de 200 dias para Copa, a equipe do Leiajá visitou famílias de comunidades da Região Metropolitana, que recebem as obras de mobilidade do Mundial de Futebol. A população criticou o modelo de desapropriação feito no Coque, área central do Recife, e do Loteamento São Francisco, em Camaragibe. Os moradores falam que essa mudança além de expulsar as pessoas de suas casas, os afastou de seus direitos básicos como saúde, educação e moradia.
Esgoto a céu aberto, lixo e entulhos causados pela demolição contrastavam com as crianças brincavam no local. Este foi o retrato encontrado pela equipe durante à visita da Relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) Raquel Rolnik, à Comunidade do Coque. “O povo do Coque não quer sair do Coque, por dinheiro nenhum. Nilton Mota (secretário de Infraestrutura e Serviços Urbanos do Recife) me ofereceu menos de R$ 5 mil para sair da minha casa”, foi o que afirmou a moradora da comunidade, Valdinete Santos.
##RECOMENDA##O auxílio era calculado de acordo com o local que seria desapropriado e nenhum outro tipo de benefício foi concedido aos moradores. Os valores de indenização variaram de R$ 4 mil e não ultrapassaram a marca de R$ 60 mil. Raquel Rolnik explica que no primeiro momento, o governo deveria ter realizado uma reunião com os moradores para explicar todo o projeto da Copa. “Eles fizeram errado. Tinha que ter tido um diálogo com a população. Não basta simplesmente chegar, apresentar o plano ou o projeto e começar a expedir as ordens de despejo. O primeiro passo é apresentar as ideias e tentar chegar a um consenso junto aos moradores”, pontuou.
Não muito diferente da comunidade do Recife, a população do Loteamento São Francisco também sofreu fortes impactos com as retiradas de seus moradores. O local parecia um cenário de filme de guerra, cheio de entulhos, pedaços de tijolos e ruínas espalhadas pelas ruas.
O morador do Lot. São Francisco Enelson Gregório, 58 anos, foi um dos prejudicados com a ação do governo. Ele sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) após receber o oficial de justiça em sua casa, com uma carta de despejo. Seu filho, Alexandre Gregório, contou como está sendo o processo. “Foi horrível, meu pai e eu sofremos até hoje com isso tudo. Um oficial de justiça veio aqui e agora estamos esperando um novo laudo para vermos se vamos precisar sair mesmo.”
De acordo com Alexandre, um valor de R$ 44 mil foi oferecido como indenização para sair da casa com sua família. “Batalhei a vida inteira pra construir o que tenho. Sinceramente não sei para onde vou com meu pai, doente desse jeito, e minhas duas filhas. Se fossemos irregulares, mas não, o terreno é regular. Onde vou comprar uma casa como esta, por R$ 44 mil?”, indagou.
Em Camaragibe, mais de 800 famílias foram removidas e segundo os moradores, mais quatro quarteirões (cerca de 80 famílias) serão retirados para a construção do Corredor Leste-Oeste e a ampliação da Estação da cidade. Mesmo com a visita de Rolnik, a vinda não causará nenhuma mudança significativa à situação das pessoas. “Nós não vamos realizar nenhum relatório para a ONU, viemos tentar conscientizar o governo da necessidade de se ter uma conversa com a população e também explicar para as pessoas, que o direito de moradia é algo garantido pela Constituição Nacional”, explicou.
Opinião da relatora
Em seu blog pessoal, Raquel Rolnik publicou sua opinião sobre a visita e a situação das comunidades do Coque e do Loteamento São Francisco. “No Coque, centenas de famílias estão ameaçadas de remoção por conta de distintas obras que estão sendo levadas a cabo pelo Governo do Estado: entre a limpeza de um canal, velha reivindicação dos próprios moradores, e a construção de um terminal de ônibus, vários são os projetos que incidem sobre o direito à moradia daquela que é uma das comunidades mais bem localizadas na cidade. Há décadas o local onde está o Coque foi definido como ZEIS, uma Zona Especial de Interesse Social, que reconhece o direito de as pessoas permanecerem ali e determina que um projeto de urbanização – o PREZEIS – viabilize a urbanização e regularização da área.
Infelizmente não é nada disso que está acontecendo. Ao invés de beneficiar a comunidade, garantindo sua permanência em condições melhores, como determina a lei, os projetos veem nos moradores um empecilho a ser removido do meio do caminho, sem a mínima preocupação com seu destino, nem respeito a seus direitos.
O que eu vi em Pernambuco só confirma que a falta de transparência e de espaços de participação da população na definição dos projetos é uma regra, bem como as baixas compensações financeiras e a total ausência de alternativas habitacionais oferecidas para os atingidos (...)
No período da manhã, aproveitei a oportunidade para me reunir com a prefeitura do Recife e com o Governo do Estado de Pernambuco. Ambos garantem que estão seguindo a legislação, mas que não pagam compensações melhores porque a Procuradoria do Estado e o Tribunal de Contas não permitem… Será que as procuradorias ignoram o marco internacional do direito à moradia adequada? Será que os tribunais de contas não conhecem a legislação brasileira (que reconheceu o direito de posse desde a Constituição), nem a legislação internacional dos direitos humanos?”