Um comprimido por dia, contendo uma molécula simples, mostrou-se eficaz contra uma doença genética rara que deforma os órgãos, comprovaram pesquisadores franceses.
A descoberta ilustra como um mal que se diagnostica logo após o nascimento e que era um mistério até os progressos recentes pode receber tratamento adequado.
A Síndrome de Cloves (acrônimo em inglês de crescimento lipomatoso congênito, malformações vasculares e nevo epidérmico) é uma condição que causa o crescimento desenfreado de certas partes do corpo.
Para Emmanuel, engenheiro aeronáutico de 29 anos, essa síndrome se manifesta por uma atrofia na perna esquerda, uma escoliose e malformações de vasos que o levaram a ficar paraplégico.
Ele é denominado "paciente 1" no artigo da revista Nature que chegou às bancas nesta quarta-feira e descreve a descoberta.
Foi apenas em 2012 que os geneticistas americanos descobriram a mutação responsável por essa síndrome, em um gene chamado PIK3CA.
O nefrologista Guillaume Canaud, pesquisador do Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica (Inserm) e da Universidade Paris-Descartes, fez parte da equipe médica que pesquisava um tratamento.
Autorização excepcional
"Eu achei que poderia haver uma droga que bloqueasse os efeitos da mutação PIK3CA", disse aos jornalistas.
Ele trabalhou com vários medicamentos em fase experimental. O mais avançado dos "inibidores específicos" do gene foi o BYL719, do laboratório suíço Novartis.
"Eles começaram um teste de oncologia. Entrei em contato com eles e expliquei que queria testá-lo em outros pacientes. E, depois de muita discussão, concordaram", lembra Canaud.
Em dezembro de 2015, a Agência Francesa de Medicamentos (ANSM) deu sua autorização para tratar Emmanuel com esse medicamento não aprovado em um hospital de Paris.
A autorização foi excepcional porque o paciente não tinha outra escolha: seu estado havia piorado, com um coração comprimido por um tumor não cancerígena. Ele não tinha mais condições de passar por cirurgias e lhe restavam poucos meses de vida.
"Logo vimos que havia funcionado", afirmou Canaud.
"Ele nos disse o que todos os outros pacientes disseram: que sentia muito menos dor, que algo estava acontecendo".
As fotos tiradas pelo médico mostram transformações dramáticas. Corpos martirizados por massas vasculares e excrescências (pés ou braços inchados, deformações enormes) readquiriram uma forma mais saudável.
Atualmente, 19 pacientes seguem esse tratamento. A mais jovem tem 4 anos.
Dores atrozes
Paul (nome alterado), estudante universitário em Yvelines e nascido com esta doença genética, acordou certa manhã em outubro de 2016 sem conseguir levantar. Sentia dores atrozes, que tomaram toda a perna, os rins e o quadril. Nem a morfina fazia efeito.
"Eu comecei a ser tratado em março de 2017, e 15 dias depois estava muito melhor", conta ele. O tratamento permitiu que ele voltasse a ter uma vida normal.
Segundo os médicos, o tratamento apresenta duas grandes vantagens: é simples (um comprimido matinal) e sem efeitos colaterais por ora constatados.