Pesquisar, conhecer e cozinhar a partir da biodiversidade amazônica marcaram as discussões do É PANC!, um encontro de gastronomia que reuniu pesquisadores, chefs, cozinheiros e mateiros no último fim de semana em Belém. PANC é o acrônimo de plantas alimentícias não convencionais. Foram apresentadas ao público espécies como cabeça de macaco, buxuxu, taioba, ituá. Além de plantas, tubérculos e leguminosas, quem foi ao encontro conheceu espécies de fungos da floresta que os índios Yanomami usam em sua alimentação há cerca de cinco gerações.
O propósito do evento é integrar os sabores pan-americanos e incorporar nas cozinhas ervas e ingredientes não convencionais, para que a cultura gastronômica se fortaleza com a valorização dos saberes da cultura alimentar da região. O É PANC! ocorreu nos dias 8 e 9 de abril na Estação Gasômetro, no Parque da Residência.
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“O caminho que hoje vamos seguir não pode ter volta, não tem como desenvolver sem ter sustentabilidade. E pra isso a gente precisa fazer estudos, conhecer. A gente só vai aprender a mexer com aquilo que a gente conhece”, disse o botânico Sebastião Xavier Júnior, pesquisador da Embrapa, um dos participantes do É PANC!. Houve uma oficina de alimentos no estilo reality show, com questionamentos e debate, para conhecimento e degustação de pratos preparados com esses alimentos não convencionais, que a maioria do público desconhece.
Hábito - “Nunca mais comeremos da mesma maneira”, afirmou o chef peruano Pedro Schiaffino, que participou na manhã de sábado do primeiro dia do É PANC! e deu uma aula de como preparar o cubiu. “Acho que isso é a alma desse evento, para a gente discutir e descobrir porque essa hortaliça-fruto não está nos supermercados em grande escala. É ótimo para doces em caldas ou mesmo geleias. O suco é saboroso como o pêssego, que nós não temos no Brasil. Mas poderíamos ter cubiu. Por ter muitas sementes é fácil de plantar, pega em qualquer clima. Tem grande interação com esses movimentos de valorização dessa etnogastronomia”, contou o pesquisador Valdely Kinupp, outro participante do evento. Valdely Kinupp é do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas, fundador-curador do Herbário do instituto, além de professor credenciado no Programa de Pós-Graduação em Botânica do INPA. Ele é coautor do livro “Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil” (Editora Plantarum, 2014), também assinado por Harri Lorenzi.
A tradição alimentar na Amazônia advém de diversas culturas, de diversos povos, com migrações de espécies inclusive por conta dos costumes e hábitos desses povos. O mundo atualmente estimula nossos hábitos de consumo aos sabores da indústria alimentícia, de um modelo de beleza ou de um modelo de saúde. Mas há muito o que conhecer para além das indústrias.
Cogumelos - A floresta está recheada, por exemplo, de espécies de cogumelos comestíveis e não comestíveis. Mas como saber os que servem de alimento? Para identificar um cogumelo nunca estudado e saber se ele tem toxinas ou não, tem que contar com o trabalho dos mateiros ou dos taxonomistas. O trabalho deles foi ressaltado na manhã de domingo, segundo dia de evento. “Hoje, no Instituto Ata, a gente trabalha com dois tipos de cogumelos da Amazônia, produzidos por duas gerações de Sanöma, da etnia dos Yanomamis. Vou explicar: Yanomami se divide em cinco povos, Sanöma é um deles; dentro do universo Yanomami, eles são a quinta geração. Existem 19 espécies de cogumelos, cada uma de um tipo. Hoje a gente maneja 15 espécies. Dessas 15 espécies, algumas são mais saborosas, algumas são superfibrosas, outras superdelicadas, mas que não imprimem tanto sabor e tem um quê mais dominante, como a 'Lentinula raphanica', estilo shitake, vale apena conhecer, explicou o chef Alex Atala, do Instituto Ata.
Nos supermercados é possível encontrar as ervas finas que não suportam cozimento, temem o calor, como hortelã, manjericão, dil; e as ervas de provence, que suportam cozimento, no caso de salsinha, estragão, alecrim, tomilho, sálvia. O mesmo ocorre entre as PANC. Há ervas frescas e ervas secas. Segundo os chefs, as secas são mais saborosas, mais aromáticas. Algumas suportam cozimento, as aromáticas são usadas só no final. Com os cogumelos também é assim. Os cogumelos frescos têm um conjunto de aroma e sabor bem incrível. Quando secos, ganham outras características. A vantagem de usar o cogumelo seco é que ele tem uma reação química que sobe, aquilo que os chefs buscam muito hoje na cozinha, que se chama “Umami”, o quinto sabor, a sensação de colocar na boca e explodir.
Por Nilde Gomes.
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