Não falar da geniosidade das letras do cantor e compositor pernambucano Lula Queiroga é como não destacar a irreverência do baiano Tom Zé, por exemplo, em cima dos palcos. Há de se convir que, de maneira mais tímida, o Lula é o nosso "Tom Zé pernambucano", ou amigo irmão de Lula Côrtes e Lenine, só para citar alguns dos expoentes da geração 1980.
Com muita tranquilidade e um esforço que durou cerca de um ano entre gravação, mixagem e finalização, a apresentação do disco “Todo o dia é o fim do mundo” foi algo de tirar o chapéu da plateia (semi-lotada), que esteve presente na noite de ontem (10), ocupando as poltronas do Teatro Luiz Mendonça, no Parque Dona Lindu, em Boa Viagem.
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O aviso de “Podem usar seus celulares para filmar e reproduzir esse espetáculo à vontade” iniciou o show já com aplausos – foi um jeito de subverter a lógica do “preciosismo” da reprodução de massa, e assumir a era dos novos meios digitais diante do público. O show começou com a ótima "Se não for amor eu cegue (love)", parceria de Lula com o compositor Lenine, recém-lançada pelo "Leão do Norte" no disco "Chão" (2011), e seguiu com a homenagem ao multiartista Lula Côrtes, que faleceu em março deste ano, emocionando com a música "Dias assim", que foi aplaudida demoradamente pela plateia.
E Lula nos apresentou mais um dos seus discos com nomes enormes e irreverentes, seguindo a tradição de "Aboiando a vaca mecânica", 2001; "Azul invisível, vermelho cruel", 2004; e "Tem juízo mas não usa", 2009. “Vou parar com essa mania”, brincou o artista. Mas não precisa, nós gostamos desse seu jeito “biruta” de denominar as coisas. Bonito de se ver também o público cantando junto ao artista a letra de “Todo o dia é o fim do mundo”, música tema do show e de seu novo disco, que vinha sendo liberado aos poucos para ser escutado na internet. (Ressalva: saudosismos à parte, apesar de estar disponível no site oficial do artista, vale a pena adquirir o CD, como forma de respeito ao trabalho meticuloso do artista e de sua equipe, a Luni Produções, que está de parabéns pela execução do trabalho).
Impossível não falar também da proeza dos músicos experientes que acompanhavam Lula (entre eles, o percussionista Lucas do Prazeres, da banda Rivotrill, e o baixista Yuri Queiroga, sobrinho de Lula que co-produziu o disco junto ao tio), executando novos e antigos arranjos às músicas do novo CD e as de outrora. A iluminação, o cenário de nuvens suspensas e as participações mais que especiais do show deram o tom da importância da figura de Queiroga aqui na cidade - foram desde o jovem violonista Vinicius Sarmento, passando por Felipe S., da Mombojó e Del Rey, indo até o maestro Spok e a incrível "suave força" da voz feminina de Isaar.
O samba "Unha e Carne", da parceria entre Lula e Vinicius Sarmento, é uma das canções mais belas do disco. Os versos da música narram a história de um amor, do início ao fim, de um casal que, supostamente, vai começar uma conversa através de um bate-papo pela internet. Destaque ainda para a música “Cano na cabeça”, que figurou como uma das versões mais rock 'n' roll da noite, tanto pela sua letra – uma poética reflexão sobre a violência urbana -, quanto pelos seus arranjos incisivos.
BRINCALHÃO - Durante o show, o artista ainda “tirou onda” com o nome do local da apresentação. “Salve, Dona Lindu!”, disse Lula, um dos integrantes do bloco carnavalesco Quanta Ladeira, famoso na cidade por “escrachar” e ironizar em versos músicas e situações políticas vivenciadas pela sociedade recifense, como foi o polêmico caso da construção deste “parque de concreto” (o Dona Lindu) pela Prefeitura da Cidade do Recife.
Conversando com o público pontualmente, via-se a agonia de Lula entre o cantar sério e o dançar meio esquizofrênico, como que quererendo uma resposta do público. Mas este o fez, e com bastante maestria e reconhecimento pelo próprio artista. “Que silêncio!”, disse Lula, “esse respeito que vocês estão tendo aí é lindo, ainda mais para um artista que não tem trabalho tocando na rádio”, disse. E tome mais aplausos. Momentos depois, entoou uma das músicas que ficaram conhecidas ao ser tocada na extinta e guerreira Rádio Cidade – “Roupas no varal”, um belo take para um curta-metragem em stop motion.
O que se pode deduzir é que Lula, além de cantor e compositor “biruta”, é também um ótimo regente da Luni Produções, produtora na qual é sócio fundador há mais de 10 anos, e que foi responsável pelo trabalho minucioso e incrível que foi visto ontem. Parabéns.