Viajar sempre gera uma expectativa. Antecipar a compra das passagens, reservar a hospedagem, preparar um roteiro para cada dia com o que fazer e onde comer, fazer um checklist para não se esquecer de colocar nada na mala. Tudo isso faz parte. Imagine o transtorno quando a bagagem é danificada pela companhia aérea, por exemplo? Ainda mais, quando entre os volumes despachados, está algo indispensável como uma cadeira de rodas?
Foi o que aconteceu com Ricardo Shimosakai, que há onze anos usa cadeira de rodas, depois de ter levado um tiro num sequestro relâmpago que o deixou paraplégico. “Já é comum ter cadeiras de rodas danificadas. Já aconteceu com vários amigos meus. Eles jogam de qualquer jeito, como uma bagagem qualquer. Mas a cadeira não é um simples objeto. Se não houver condições de uso, não terei como me locomover. É preciso ter mais cuidado”, salienta. Mesmo quando a empresa aérea compra outra cadeira de rodas, o transtorno é grande. “Você tem que brigar para conseguir receber uma nova. A própria empresa que vende a cadeira me informou que as empresas aéreas são as maiores clientes, porque sempre estão comprando para usuários que tiveram a cadeira danificada durante a viagem”, conta.
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E esse não foi o único caso. “Ano passado, quando voltei da Argentina, fiquei mais de uma hora dentro do avião esperando pelo ambulift [elevador especial] para desembarcar em Garulhos. O que me disseram é que o equipamento estava atendendo outros voos. Todos os passageiros do voo de volta para Buenos Aires precisaram esperar para que eu desembarcasse”, lembra. De acordo com a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), o recomendado é que o embarque e o desembarque sejam feitos pelas pontes e que os elevadores e cadeiras das próprias companhias aéreas sejam usados apenas em casos em que entrada e saída não puder ser feito pelas pontes.
Os problemas, especialmente nos aeroportos, são comuns. Deficientes visuais são barrados quando estão com cão-guia, surdos nem sempre têm intérpretes de Libras (Língua Brasileira de Sinais), cadeirantes têm problemas para circular nas aeronaves e despachar cadeiras e baterias. Falta de treinamento e informações por parte dos funcionários dos aeroportos e tripulações estão na lista de reclamações. “O mais indicado seria a criação de um departamento específico para atender a pessoas com deficiência em cada terminal. Isso já acontece no exterior e é um sucesso. Mas aqui no Brasil, há uma resistência da Anac e Infraero”, diz.
A infraestrutura da hospedaria, dos pontos turísticos, além de bares e restaurantes, também é uma questão delicada para quem gosta de viajar. “Muitos hotéis instalam barras e rampas e já dizem que são acessíveis, mas você nem consegue entrar no banheiro com a cadeira de rodas. Não é tão simples assim”, frisa. Diante das dificuldades que encontrava para viajar, Ricardo Shimosakai resolveu começar a trabalhar para tornar o turismo mais acessível, unindo ao gosto que sempre teve em passear. “Fiz faculdade de turismo e, desde então, atuou como agente de viagem. Sempre me preocupo em entender as necessidades dos meus clientes para encontrar a melhor opção”, explica ele que também presta consultoria sobre acessibilidade e inclusão.
Turismo
Com a realização de grandes eventos esportivos no Brasil, a acessibilidade tornou-se tema comum entre representantes do poder público e da iniciativa privada. Uma iniciativa do Ministério do Turismo pretende melhorar a visitação, inicialmente, nas doze cidades-sede da Copa do Mundo 2104. O programa Turismo Acessível, lançado no mês passado, investirá R$ 100 milhões para que, pelo menos, dez pontos turísticos de cada cidade sejam adaptados.
“Também serão capacitadas oito mil pessoas que já atuam no mercado para atenderem a pessoas com deficiência. Também iremos premiar as melhores práticas no País, porque entendemos que essa é uma forma de criar referências e indicar o caminho certo”, explica Vinícius Lummertz, da Secretaria Nacional de Promoção do Turismo.
Segundo ele, a meta do governo federal é que 5% das unidades de hospedagem sejam adaptadas. Atualmente, o percentual é de 1,7%, com cerca de 4.000 quartos. “O nosso trabalho maior é de mobilização, para que os empresários entendam que esse é um investimento que tem retorno. É um público que viaja acompanhado. Quem seguir neste caminho estará fazendo a coisa certa”, frisa.
Eventos esportivos
Na preparação para os eventos esportivos, também há preocupação na adequação das arenas. Mas, segundo o presidente do Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência (Conade), Moisés Bauer, as iniciativas são pontuais. “Não parece existir um esforço sincero em relação à acessibilidade. Tanto que a Lei Geral da Copa destina apenas 1% dos assentos no estádio para pessoas com deficiência, quando o recomendado pelo Conade foi 4%. O governo ignorou o que foi dito. Isso demonstra que não há empenho sincero”, destaca.
Já o secretário Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Antônio José Ferreira, acredita que 1% é o suficiente. “Em todo o mundo, 1% dá conta”, considera. Apesar de assumir as carências do País em relação à acessibilidade, ele minimiza os transtornos. “Não vai ser um caos como estão pintando por aí. Vamos, sim, ter dificuldades, mas não podemos ter uma visão pessimista. Nós vamos dar conta. Acho até que a Copa é um ‘bom problema’, porque ele traz respostas mais rápidas ao que já existe”, diz. Ele também defende que não haja comparação com países que já sediaram copas e olimpíadas. “Cada país tem sua realidade. A Inglaterra foi brilhante e lá tudo funciona. Mas aqui teremos o nosso povo, que sabe receber bem o turista como ninguém”, acredita.
Informações
O Ministério do Turismo tem uma série de recomendações para pessoas com deficiência que pretendem viajar. Clique AQUI e confira.
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