Em 1994, cumpria o último ano do mandato de deputado federal quando fui convidado para participar de encontro com uma comitiva de deputados americanos. A mim, me caberia fazer uma explanação sobre a conjuntura brasileira.
De plano, alertei os ilustres visitantes para as peculiaridades do Brasil e sugeri: “Éimportante que os senhores arquivem os mecanismos tradicionais de análise. Eles não se aplicam ao Brasil”. Justifiquei: “O Brasil não tem moeda: tem um nome. Na prática, o que existe éuma cumplicidade aritmética entre os agentes econômicos chamada correção monetária. O Brasil não tem orçamento. O mais importante instrumento de planejamento governamental que traduz financeiramente as prioridades políticas de um país e protege o cidadão da rapinagem dos poderosos, éuma ficção. A Federação é uma cópia canhestra do federalismo dos senhores. Aqui, predomina o centralismo que éo avesso da gênese federativa: a descentralização do poder”.
Aqueles parlamentares, nascidos e criados na tradição anglo-saxônica, para quem Moeda, Orçamento e Federação são os pilares de uma nação civilizada, estavam zonzos.
Piorou quando ilustrei minha exposição com números impressionantes: “De 1980 a 1994, o Brasil teve 15 Ministros da Fazenda, 14 Presidentes de Banco Central, 6 planos de estabilização, inclusive o confisco, 6 moedas, 13 políticas salariais, 17 regras de câmbio, 3 tablitas, 53 medidas de controle de preços, 720% de inflação média anual”.
Os gringos se entreolharam perplexosàespera de uma conclusão catastrófica. E aípara surpresa deles, concluí: “Apesar disso, senhores, o país funciona, a bem da verdade, precariamente, produzindo aleijões graves com o risco de uma ruptura do tecido social. A nossa esperança éo Plano Real em curso”(na época, a URV engolia a moeda podre o que foi difícil explicar).
O Plano Real revolucionouo país, demolindo a perversa cultura inflacionária e construindo uma saudável cultura de estabilidade, a tal ponto que seus ferrenhos adversários, ao chegar ao poder, proscreveram exóticas e supersticiosas fórmulas econômicas no compromisso lastreado pela“Carta ao Brasileiros”, subscrita pelo candidato Lula.
Na sequência histórica, ficou evidente que os governos petistas não estavam preparados para enfrentar crises. E mais, reinventada no governo Dilma, uma tal Nova Matriz Macroeconômica desmantelou a economia. A contabilidade criativa tinha pernas curtas. A contabilidade real écruel. E agora? Lula escreveu a Carta; Dilma teve de engolir a banca e seus rebentos“neoliberais”.
A questão é: Dilma vai digerir ou vomitar os ministros siameses, Fazenda e Planejamento?
Duas circunstâncias respondem pelo tempo de validade dos ministros da área econômica: conjuntura estável e favorável; confiança e identidade político-ideológico com o Presidente da República.
Não me parece que seja o caso. Os tempos são bicudos. A conjuntura, adversa. O enfrentamento, impopular. Tudo que um chefe de governo detesta.
De outra parte, a relação chefe/subordinados não dáliga. Diz-se que Levy votou em Aécio. Suprema ironia. Ambos, os ministros, são “mãos de tesoura”. De perfil alto. Não têm nada a ver com o antecessor, Mântega, cegamente obediente, que estava mais para o otimismo tolo de Cândido, discípulo de Pangloss, personagens de Voltaire. A rigor, Joaquim Levy e Nelson Barbosa fazem parte do time dos vilões, os banqueiros, que surrupiaram a comida dos pobres na obra-prima de João Santana que fez o diabo e arrebatou o Oscar da sacanagem eleitoral.
De logo, deixo claro: desejo ardentemente que o governo tire o pais do atoleiro que ele mesmo botou. Se der errado, a vítima éo Brasil.
Infelizmente, o cartão amarelo mostrado a Nelson Barbosa por conta da declaração (correta) do Ministro sobre a indexação do salário mínimo éum péssimo sinal e que me lembra a experiência vivida com Itamar no meu primeiro dia trabalho como Ministro da Fazenda. Crise política brutal; inflação estratosférica. Corrigi o preço da gasolina, medida correta. O Presidente não gostou. Botou a boca no trombone. Trocamos um telefonema civilizado, porém, tenso. Expliquei a razão da medida. Após o que ouvi a pergunta: dápra revogar a portaria? Infelizmente, não. Estava engatilhado o complemento se a ordem fosse dada: o senhor revoga a portaria e o ministro. Não foi necessário. Teria passado para história como Krause, o brevíssimo.
Levy e Barbosa, outros batráquios virão. Preparem a goela e o estômago. Jávi esse filme.