“O que é essa música que se dilui e se distancia? Só a despedida é verdadeira, só agora inicia o longo desaprendimento de si. Antes que a vagarosa criança volte a experimentar, um a um, os seus rubores; uma a uma, imperiosamente, as suas hesitações”.
Giorgio Agamben, em Profanações
Lá nos meados de 2009, à procura de fitas para uma Olivetti Lettera que daria de presente ao ator Marcos Macena, topei com outro admirado amigo, o escritor Gilvan Lemos, que brincou: “Quando vejo você naquele programa de televisão, penso como seria bom ter sua idade, sua memória e metade do seu jeito desenrolado”! Ao que devolvi sincero, quase sem pensar, como se trato redigido há tempos: “Troco na hora por um terço do seu talento, da sua saúde e do seu sossego”. Esse negócio nunca foi concretizado, e Gilvan partiu em agosto último, deixando-me com a lembrança constante de outra frase sua:
– A pessoa fica martelando coisas bestas, porque tem outras que nem dá pra martelar... Que a gente só engole, antes que nos engulam.
Eis que, nesta crônica pensada em convento e madrugada baianos, compartilho mais sobre minha vida pessoal do que jamais permitira! São coisas que não pude engolir, que cansei de martelar, que talvez devam mesmo é me mastigar e depois cuspir fora – seja lá onde, quando e de que jeito.
Durante passagem pela Flica (Festa Literária Internacional de Cachoeira), ouvi de gentilíssima produtora que os pernambucanos são muito bons em vestir e trabalhar suas máscaras. Não se tratava de crítica, até porque ela defende que todas as pessoas são – e precisam ser – um tanto mascaradas. Sua tese é que meus conterrâneos desenvolvem tão bem suas personagens que, ao tentarem se distinguir ou se desfazer das mesmas, ninguém acredita que seja possível ou saudável.
Como adverte Agamben, essa tentativa de retirar a máscara pode ser revelação de caráter (e não necessariamente bom caráter), a smorfia impressa no rosto do Eu quando tentamos nos esquivar daquilo “que em nós não nos pertence”. É plausível que, como versou Dante Milano, só a terra e suas derradeiras garras nos rasguem as máscaras. Ainda assim, é o que tentarei fazer, enquanto me lanço no ventre invisível da baleia que me seguiu até o Recife, borrifando-me serenos antigos e bastante adiados.
Quando menino, fui um tímido quase doentio, esquisito além das esquisitices que as pessoas estão dispostas a relevar em crianças, além de profundamente desinteressado por quase tudo que me vendiam como importante. Boa parte da família suspeitava (e não escondia) que esse temperamento daria em fracassos (para mim) e sofrimento (para meus pais); então, quando passei a concordar com eles, investi as forças guardadas, caçadas e roubadas para criar personagem mais viável, uma garatuja que parecesse menos incompatível com as páginas do mundo que eu necessitasse rascunhar e virar.
25 anos depois, cumpri muito além do planejado, e paguei preço assustadoramente mais alto do que estimara! Tornei-me atleta, aluno popular, estudante de jornalismo, apresentador de rádio e TV, mediador e anfitrião de eventos os mais diversos, coadjuvante ou mesmo protagonista em polêmicas e lutas bem mais nobres do que eu. No Recife e redondezas, transformei-me em figura pública razoavelmente conhecida (digamos assim: fui famoso por mais que os 15 minutos prometidos pelo vampiro da Pensilvânia, embora muito menos do que qualquer prefeito ou dançarina de banda brega consegue).
Até tragédia familiar e consequente busca de justiça findaram por requisitar essa nesguinha de popularidade. Provavelmente, não fosse pelos espaços e contatos conquistados sob a máscara de desenvolto jornalista e crítico literário, meu irmão sumiria nas cruéis estatísticas que trazem mais de cinco brasileiros assassinados diariamente pelas forças de “segurança” do País.
Ao mesmo tempo, lá pela metade desse caminho, algo começou a crescer e me doer. Porque disfarce estava vencido, a cola se desmanchava, convertia-se em toxinas cada dia mais ofensivas. A máscara mantinha quase todo esmalte exterior, enquanto seu avesso provocava reações ora discretas, ora já constrangedoras: passava mal e praticamente me dopava antes de ir à emissora de TV; sentia cólicas terríveis ao fingir contentamento em certos compromissos sociais; redobrei piadas e tagarelice, na esperança de que não notassem meu desconcerto; aproveitei doenças menores para justificar faltas causadas pelas enfermidades verdadeiramente sentidas etc.
Nem era preciso martelar muito, diagnóstico dos mais simples: ainda que eu não tivesse fracassado, ainda que meus pais carregassem certo orgulho pelo exitoso personagem, sentir-se bem era negócio que só dava ar da graça entre livros, pessoas amadas ou alunos (isto quando a politicagem ficava da porta da sala de aula para fora).
Os sintomas ganhavam força no mesmo ritmo em que me convencia do único tratamento possível: praticamente abandonar vida pública e deixar que somente os escritos saiam da caverna, assumir quase nada além da literatura e da docência, viver para família e uns doze amigos queridos, dedicar-me a casa e aos limites geográficos em que resto confortável – ou seja, não mais que meia dúzia de quarteirões em qualquer direção, a partir da mulher que amo e das duas felinas que mandam em nós dois!
Contudo, é preciso dar crédito às contingências: vivi monasticamente esse infindável 2015, morei praticamente anônimo e invisível em quarto/claustro de Campinas (ou melhor, no verde e silencioso quintal da Unicamp). Esse exílio calhou de ser exame final antes da terapia! O bicho do mato experimentou toca alheia e, enfim, não sobrou dúvida de que melhor era retornar ao próprio ninho; não àquele recente – largo, esmaltado e até vistoso –, mas ao anterior, de barro antigo e muito silêncio.
Torcida é para que as pessoas, gatas, livros e sustentos não me rejeitem pelos cômodos modestos (e personalíssimos) que tentarei manter sobre os alicerces da quietude, com a argamassa pouca que colher da timidez, e com os ossos que sobreviveram aos contorcionismos e à máscara vencida.
Máscara a quem serei sempre grato! Mesmo que, ao fim deste parágrafo, vocês me flagrem a abandonando sem maiores cerimônias, sem lágrima ou culpa; nada me preocupando se, longe de mim, ela amanhecerá em pétalas ou restará em cinzas (dispersas ou reunidas) que nenhuma palma ou página reconheça – afinal, sejam quais forem os disfarces, paredes ou fontes, algum dia partilharemos (vocês e eu) a incomensurável fortuna de uma dessas duas coisas bestas; flor e poeira.
Sim, o escritor Sidney Rocha lançará seu romance “Fernanflor”. Evento marcado para dia 7 de outubro próximo. Tomo cuidado de passar logo recado que importa, para caso de o resto da crônica afugentar os leitores. Na infância, fui candidato a coroinha (reprovado logo na primeira missa) e aprendi com Padre João a “passar a caixinha antes de o sermão botar gente para correr” (pois, de fato, algumas senhoras sempre resmungavam e saíam quando o sacerdote condenava fofoca, avareza ou ociosidade). Não que eu vá censurar pecados ou pessoas, mas...
Digamos que tive dois irmãos-de-sangue: um eu descobri com bocado de atraso (porque mentiam ser primo), outro me foi roubado com brutal antecipação (justo por aqueles que deveriam nos proteger de perdas tão dramáticas). Nem todo gosto pela vida caseira e pela franqueza de opinião, entretanto, impediram-me de juntar também irmãos-de-vida. E não assino aquele lugar-comum, onde eles aparecem como “a família que escolhemos”. Suspeito que tais amores não são assim, tão submissos à razão, não estão prontamente sujeitos a escolhas ou contingências – eles costumam até ignorar uma má primeira impressão, resistir às agruras de segunda hora, e fazer pouco caso das pedras que rolam na esquina da velhice.
Desses irmãos-de-vida, eu raramente vejo o padrinho e diplomata. Espero, contudo, que ele continue longe, que nenhuma demanda sirva de desculpa para sua declarada simpatia pelo Recife e por profissões de fome-e-má-fama! Nem o ISIS fungando em seu pescoço me causa mais pânico do que sua tendência para ver romantismo no dia-a-dia dos amigos que andam pendurados nos ônibus e no fiado da padaria.
Tem outro irmão, que sempre faz doce, que adora ser paparicado ou ofendido pelos amigos, antes de comparecer às reuniões de sempre, nos bares de sempre, nos quais narramos as histórias de sempre, mas de onde colhemos ressacas cada vez mais constrangedoras. Ele é justo o contrário do irmão à beira do psicótico, desse terceiro querido, que mora tantinho longe e que sempre avisa que vai faltar, e que falta mesmo, e ameaça mesmo, sinceramente disposto a largar mão em quem tentar paparicá-lo ou censurá-lo – nenhuma onda politicamente correta o impede de repetir: “Tomem jeito de homem”!
Existem dois irmãos que devo ao mesmo ventre: Dona Marta os colocou no mundo, criou, educou, só não conseguiu lhes evitar as péssimas amizades e esses tais ofícios de fome-e-má-fama! Um deles me fez tio, e tio dos mais safados, porque a menina logo chegará à idade de tirar carteira de motorista e descolar emprego melhor que os nossos, e eu ainda não a visitei!
Quem já tem profissão melhor falada (e nesguinha de mais bem paga) é o irmão professor da UFRRJ, que a vida trouxe, mas manteve distante uns 1.800 km. Finalmente nos encontraremos, em outubro, durante conversa sobre crítica literária (que não poderia faltar nesta crônica que tanto insinua ocupações de baixa credibilidade). Ele está com tempo mais livre, porque esse povo de universidade pública são uns folgados – não aceitam trabalhar se não tiverem higiene, sala de aula e alunos!
E tem, enfim, Sidney Rocha; o romancista que lançará “Fernanflor” no dia 7 de outubro (caso algum leitor tenha perdido começo desta homilia, ou se desorientado entre um irmão e outro). Ele diz que me conheceu na TV Universitária, na qual eu fui produtor, apresentador, diretor e, algumas vezes, até remunerado. Perceba que seguimos na órbita das profissões pouco recomendáveis, daí que sequer me lembro de topar com ele naqueles estúdios (fiz questão de reprimir aquela fase da vida e, até agora, esse recalque só me fez bem. Amém)!
Reencontrei Sidney numa noite qualquer de 2010, não muitas horas antes da certeza: seria irmão-de-vida! De lá para cá, o Brasil perdeu duas copas; o Governo perdeu 80% de sua popularidade; o helicóptero de Aécio, 450 quilos de cocaína; eu, a saúde do fígado; Sidney quase perdeu a vida (protestando contra um figurão que acha luxuoso fechar ruas quando chega ou sai de casa); nós dois só não desperdiçamos chance de café e de botar assunto em dia.
Assunto que não tem sido outro: Fernanflor senta à mesa, junto com o romancista, e não vai embora quando Sidney se despede. Por onde passa seu criador/criatura, ou qualquer dos seus privilegiados leitores pré-lançamento, ele consegue lugar cativo e não adormecido, apropria-se dos cômodos ainda reservados aos verdadeiros “grifos convertidos em animais domésticos”, como diria Cortázar.
Personagem pouco confiável e nada confiante em nossas bobagens, este Fernanflor cancelou nossas piadas, fez-nos esquecer das mesquinharias que de vez em pouco testemunhamos no meio literário, desdenhou de nossas próprias vaidades e expectativas, e jamais precisou nos vender o peixe – quando livro foi realmente terminado, seu protagonista ganhou carne e força que independem de qualquer pai, irmão, chancela ou contexto. Se ele não for lido ou reconhecido, pior para nós todos, que não Jeroni Fernanflor!
Apesar de depender da boa ou da má vontade de ninguém, Fernanflor leu os rascunhos desta minha crônica. Compadecido com minhas limitações (olhe que ele não é de se apiedar tão fácil), sugeriu que eu refizesse pelo menos o finalzinho, que eu aliviasse minha barra e usasse trecho do posfácio que Gonçalo M. Tavares lhe dedicou. Ele tem razão, como sempre! E, sem mais,
“O ponto final é, por vezes, um ponto, mas ponto-bala em plena testa. Nem sempre, pois, a história acaba bem; por vezes sentimos que seremos infelizes para sempre, e não há nada mais humano que esse destino que espera todas as coisas pesadas que estão em sítio alto. (...) Se só olhares para a parte clara pensarás que é tudo claro. Mas não: no mundo e nos livros, na arte, na casa, e em Sidney Rocha e neste fortíssimo livro, o claro-escuro, sempre. E é isso que nos fascina”.
Sidney e Jeroni não dividem comigo sobrenome, tampouco me deram qualquer escolha. E o irmão torto, que nem liga, resta é todo besta de orgulho!
Imaginem se um estudante negro e/ou oriundo de escola pública fosse obrigado a exibir tarja no braço e ocupar cadeira separada na sala de aula – indicando que se trata de cotista! Não, esta discriminação não foi imposta aos alunos. Mas, no terreno da literatura pernambucana, ser rotulado e isolado é considerado um privilégio, garantido por leis municipal e estadual.
Há duas semanas, fui à livraria para cumprir demanda das mais aborrecidas: comprar de novo alguns livros que emprestei e que nunca devolveram. Depois de muito procurar pelo Osman Lins da lista, funcionário me advertiu que, devido às legislações, os pernambucanos não estão ali, entre os demais escritores do País. Com três ou quatro gestos, ele me indicou rota para chegar ao puxadinho dos autores do Estado. Eram duas estantes atrás do balcão de canetas, chaveiros e outros brebotes.
Foi esquecimento, porque eu acompanhara essa maluquice normativa desde o começo, há quase uma década, quando ativistas em “defesa do livro pernambucano” pintaram com a ideia sem pé, cabeça ou salvação. Ideia que se tornou “privilégio” conquistado, que virou lei municipal e, não muito depois, estadual: as lojas devem exibir quantidades mínimas de títulos nordestinos e, mais especificamente, de pernambucanos. Mais que isso, é preciso também que eles estejam rotulados, com plaquinha e tudo – o que, naturalmente, implica existência de estantes específicas, separadas.
Na mesma livraria, Osman Lins, Hermilo Borba Filho, Gilvan Lemos e outros respeitados nomes estão não só afastados, mas também misturados a manuais técnicos e livros sobre Suape, por exemplo. Pois a estapafúrdia legislação não previu que, para chegar a 2,5% de obras produzidas por pernambucanos (além de outros 2,5% para os demais nordestinos), os estabelecimentos seriam obrigados a fazer mágica, a juntar todo tipo de impresso, de relatório a guia de magia com cartas.
Para se ter ideia, uma franquia de grande porte tem que disponibilizar entre dois e seis mil títulos de “literatura pernambucana” – o que, como todos minimamente familiarizados com cenário literário local sabem, é tarefa inviável. Assim, amontoa-se o que aparecer, de alhos a bugalhos, na esperança de que a realidade não seja tão ridicularmente distante da cota estabelecida.
Vários desses “defensores do livro pernambucano” são meus amigos, porque tenho sim amigos com todo tipo de convicção e com as mais variadas densidades ósseas cranianas. Eles são das cabeças mais duras, com certeza. Alguns tópicos, nem adiantava discutir. Era perda de tempo, entre outras coisas, fazê-los refletir sobre quão abstrato e inócuo é esse negócio de literatura pernambucana, ou baiana, ou mineira, ou carioca... As próprias divisões já consagradas vivem sendo postas em xeque, imagina esses quadradinhos mais restritos? Como tão bem sintetizou Octavio Paz,
“Nada distingue a literatura argentina da uruguaia, nem a mexicana da guatemalteca. A literatura é mais ampla do que as fronteiras. (...) Os grupos, os estilos e as tendências literárias não coincidem com as divisões políticas, étnicas ou geográficas. Não há escolas nem estilos nacionais; em compensação, há famílias, estirpes, tradições espirituais ou estéticas”.
Mas, quando da discussão da lei, cheguei a apelar para questões que pareciam menos sofisticadas e absurdamente óbvias, tais qual: se os livros ficarem separados, na maioria dos casos eles serão vistos somente por quem procurá-los especificamente, por quem adentrar no recinto em busca de um escritor determinado ou à procura dessa tal literatura pernambucana (seja lá o que ela for). Existe também a irônica hipótese de serem encontrados por quem estiver curioso para visitar estantes exóticas. Porque a rotulação e a segregação tornam essa chamada literatura pernambucana algo exótico, de fato – literal e tristemente.
Por qual razão a hipótese é irônica? Porque umas das justificativas para as leis foi a necessidade de inserir a literatura local no cenário nacional, fazê-la menos marginal. Para tanto, que pensaram eles? Tiveram a brilhante sacada de tirar os autores de Pernambuco da convivência física com os compatriotas, colocando-lhes uma plaquinha própria e segregando as estantes.
Um dos pareceres apresentados na Assembleia Legislativa (para a Lei 53/2011) é que “toda e qualquer proposta que dê visibilidade à cultura nordestina é sempre muito bem vinda, devendo ser louvada e estimulada”. Contudo, o que pode dar ainda mais visibilidade a Raimundo Carrero, por exemplo? Estar nesses puxadinhos reservados aos romancistas locais, ou ser um natural vizinho de estante de Adolfo Caminha, Euclides da Cunha, Antônio Callado, Carlos Heitor Cony e até de um Paulo Coelho?
Os arautos dessas leis replicam que são poucos os escritores pernambucanos (ou mesmo do Nordeste) que chegam às prateleiras e vitrines desse mercado. Ainda que desconsideremos o fato de que isso não se deve somente a marketing, preconceito ou injustiças editoriais; ainda que ignoremos que muitos desses autores são mesmo horríveis e que jamais seriam comercializados sem essa benesse normativa, seria caso de perguntar: com as leis, foi garantido que eles passem a fazer parte do universo editorial da literatura brasileira, como tanto ambicionavam, ou agora é que foram institucionalmente exilados?
A quem realmente interessam essas leis? Qual romancista, contista ou poeta sonha em parar nas estantes segregadas e impostas legalmente? Quais escritores restam tão desesperados por mínima visibilidade que aceitam ser espremidos entre manuais técnicos e livros sobre Suape?
Será que os legisladores pernambucanos não deveriam ter se preocupado mais em fomentar os diversos setores da cadeia do livro, em ampliar e diversificar os eventos literários, em planejar e reforçar políticas editoriais, em criar mecanismos convencionais e mais eficientes de divulgação dos escritores da terra? Em resumo: será que não deveriam tornar a literatura feita por gente do Estado (e radicados) mais forte e universal, ao invés de vesti-la de exotismo e provincianismo.
A situação é tão absurda que, para tentar reduzir os danos causados pela legislação, alguns donos, gerentes ou sensatos funcionários de livrarias optam por manter como antes os autores pernambucanos renomados. Ou seja, decidem preservá-los na área de literatura brasileira, salvos do ostracismo e da humilhação de serem amontoados nesses puxadinhos. O que, na prática, torna ainda mais sensível à distância entre os escritores desconhecidos e os já consagrados, mesmo se considerarmos somente o tal quadradinho da “literatura pernambucana”.
Confesso que, hoje, meu receio não é lançar um livro e não ser lido. Esse risco faz parte, seja por motivos de mérito ou de desigualdades inerentes ao mercado editorial – algo que deve sim ser discutido, mas de maneira equilibrada e por quem entenda do assunto. Meu temor mesmo é me tornar um desses autores cotistas, rotulado e jogado no puxadinho dos escritores pernambucanos. Meu medo é que, diferente daquilo que a literatura poderia me proporcionar – transcendência – ela seja embarcação que me imponha tarja, discriminação, limitação.
Indo além, meu pavor é que minha literatura (que ainda resta paciente nas gavetas) seja vítima dos burocratas que pensam agir em prol da cultura local, embora estejam mais para gestores de uma cultura provincial. Vítima dessa gente que, sob as melhores intenções (ou não), pensa ser possível sair da marginalidade mergulhando em localismo e exotismo. Eles são como convidados atrasados para uma festa, e que, para economizar o tempo da caminhada, resolvem pegar um ônibus, mas sobem no veículo errado, que parte justamente na direção contrária.
Subir nesse coletivo, que terrível privilégio! O horror, o horror.