Sim, o escritor Sidney Rocha lançará seu romance “Fernanflor”. Evento marcado para dia 7 de outubro próximo. Tomo cuidado de passar logo recado que importa, para caso de o resto da crônica afugentar os leitores. Na infância, fui candidato a coroinha (reprovado logo na primeira missa) e aprendi com Padre João a “passar a caixinha antes de o sermão botar gente para correr” (pois, de fato, algumas senhoras sempre resmungavam e saíam quando o sacerdote condenava fofoca, avareza ou ociosidade). Não que eu vá censurar pecados ou pessoas, mas...
Digamos que tive dois irmãos-de-sangue: um eu descobri com bocado de atraso (porque mentiam ser primo), outro me foi roubado com brutal antecipação (justo por aqueles que deveriam nos proteger de perdas tão dramáticas). Nem todo gosto pela vida caseira e pela franqueza de opinião, entretanto, impediram-me de juntar também irmãos-de-vida. E não assino aquele lugar-comum, onde eles aparecem como “a família que escolhemos”. Suspeito que tais amores não são assim, tão submissos à razão, não estão prontamente sujeitos a escolhas ou contingências – eles costumam até ignorar uma má primeira impressão, resistir às agruras de segunda hora, e fazer pouco caso das pedras que rolam na esquina da velhice.
Desses irmãos-de-vida, eu raramente vejo o padrinho e diplomata. Espero, contudo, que ele continue longe, que nenhuma demanda sirva de desculpa para sua declarada simpatia pelo Recife e por profissões de fome-e-má-fama! Nem o ISIS fungando em seu pescoço me causa mais pânico do que sua tendência para ver romantismo no dia-a-dia dos amigos que andam pendurados nos ônibus e no fiado da padaria.
Tem outro irmão, que sempre faz doce, que adora ser paparicado ou ofendido pelos amigos, antes de comparecer às reuniões de sempre, nos bares de sempre, nos quais narramos as histórias de sempre, mas de onde colhemos ressacas cada vez mais constrangedoras. Ele é justo o contrário do irmão à beira do psicótico, desse terceiro querido, que mora tantinho longe e que sempre avisa que vai faltar, e que falta mesmo, e ameaça mesmo, sinceramente disposto a largar mão em quem tentar paparicá-lo ou censurá-lo – nenhuma onda politicamente correta o impede de repetir: “Tomem jeito de homem”!
Existem dois irmãos que devo ao mesmo ventre: Dona Marta os colocou no mundo, criou, educou, só não conseguiu lhes evitar as péssimas amizades e esses tais ofícios de fome-e-má-fama! Um deles me fez tio, e tio dos mais safados, porque a menina logo chegará à idade de tirar carteira de motorista e descolar emprego melhor que os nossos, e eu ainda não a visitei!
Quem já tem profissão melhor falada (e nesguinha de mais bem paga) é o irmão professor da UFRRJ, que a vida trouxe, mas manteve distante uns 1.800 km. Finalmente nos encontraremos, em outubro, durante conversa sobre crítica literária (que não poderia faltar nesta crônica que tanto insinua ocupações de baixa credibilidade). Ele está com tempo mais livre, porque esse povo de universidade pública são uns folgados – não aceitam trabalhar se não tiverem higiene, sala de aula e alunos!
E tem, enfim, Sidney Rocha; o romancista que lançará “Fernanflor” no dia 7 de outubro (caso algum leitor tenha perdido começo desta homilia, ou se desorientado entre um irmão e outro). Ele diz que me conheceu na TV Universitária, na qual eu fui produtor, apresentador, diretor e, algumas vezes, até remunerado. Perceba que seguimos na órbita das profissões pouco recomendáveis, daí que sequer me lembro de topar com ele naqueles estúdios (fiz questão de reprimir aquela fase da vida e, até agora, esse recalque só me fez bem. Amém)!
Reencontrei Sidney numa noite qualquer de 2010, não muitas horas antes da certeza: seria irmão-de-vida! De lá para cá, o Brasil perdeu duas copas; o Governo perdeu 80% de sua popularidade; o helicóptero de Aécio, 450 quilos de cocaína; eu, a saúde do fígado; Sidney quase perdeu a vida (protestando contra um figurão que acha luxuoso fechar ruas quando chega ou sai de casa); nós dois só não desperdiçamos chance de café e de botar assunto em dia.
Assunto que não tem sido outro: Fernanflor senta à mesa, junto com o romancista, e não vai embora quando Sidney se despede. Por onde passa seu criador/criatura, ou qualquer dos seus privilegiados leitores pré-lançamento, ele consegue lugar cativo e não adormecido, apropria-se dos cômodos ainda reservados aos verdadeiros “grifos convertidos em animais domésticos”, como diria Cortázar.
Personagem pouco confiável e nada confiante em nossas bobagens, este Fernanflor cancelou nossas piadas, fez-nos esquecer das mesquinharias que de vez em pouco testemunhamos no meio literário, desdenhou de nossas próprias vaidades e expectativas, e jamais precisou nos vender o peixe – quando livro foi realmente terminado, seu protagonista ganhou carne e força que independem de qualquer pai, irmão, chancela ou contexto. Se ele não for lido ou reconhecido, pior para nós todos, que não Jeroni Fernanflor!
Apesar de depender da boa ou da má vontade de ninguém, Fernanflor leu os rascunhos desta minha crônica. Compadecido com minhas limitações (olhe que ele não é de se apiedar tão fácil), sugeriu que eu refizesse pelo menos o finalzinho, que eu aliviasse minha barra e usasse trecho do posfácio que Gonçalo M. Tavares lhe dedicou. Ele tem razão, como sempre! E, sem mais,
“O ponto final é, por vezes, um ponto, mas ponto-bala em plena testa. Nem sempre, pois, a história acaba bem; por vezes sentimos que seremos infelizes para sempre, e não há nada mais humano que esse destino que espera todas as coisas pesadas que estão em sítio alto. (...) Se só olhares para a parte clara pensarás que é tudo claro. Mas não: no mundo e nos livros, na arte, na casa, e em Sidney Rocha e neste fortíssimo livro, o claro-escuro, sempre. E é isso que nos fascina”.
Sidney e Jeroni não dividem comigo sobrenome, tampouco me deram qualquer escolha. E o irmão torto, que nem liga, resta é todo besta de orgulho!