Desde a edição da Medida Provisória que criou o Programa Mais Médicos e previu modificações no processo de autorização de funcionamento dos cursos de Medicina, venho alertando para a tentativa indisfarçada de violação ao princípio constitucional da livre iniciativa na educação e, via de consequência, o estado democrático de direito e a própria sobrevivência da democracia.
Com efeito, dois textos publicados na Coluna Educação Superior Comentada, mantida junto ao site da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior, um lançado na época da edição da referida MP (http://www.abmes.org.br/abmes/noticias/detalhe/id/882) e outro publicado por ocasião da aprovação do Projeto de Lei de Conversão daquela (http://www.abmes.org.br/abmes/noticias/detalhe/id/910).
Nas duas oportunidades tentei, em vão, demonstrar que o processo de chamamento público, adotado como único sistema apto a ensejar a obtenção de autorização de funcionamento de cursos de Medicina configurava flagrante atentado aos mencionados pilares do estado democrático de direito.
Disse, ainda, que a passividade diante desta afronta teria consequências mais amplas do que a mera restrição indevida na oferta de cursos superiores de Medicina, afirmando que este seria o primeiro passo, e que, em sua esteira, viria a adoção progressiva do sistema de licitação para outros cursos superiores, até que estivesse definitivamente tolhida a livre iniciativa e a implantação de novos cursos seria decorrência exclusiva da visão míope e preconceituosa do poder público.
Já na primeira manifestação sobre o tema, antevendo o resultado do balão de ensaio nefasto lançado com o sistema de chamamento público, disse expressamente que os cursos de Medicina seriam o começo de um processo de cerceamento do princípio da livre iniciativa, de modo que, pedindo um pouco de sua paciência, lembro o que escrevi em agosto deste ano sobre o tema:
“Até porque, admitido o sistema em comento para os cursos de Medicina, e considerando o viés ideológico que equivocadamente vem conduzindo a atividade de nossos gestores públicos, o próximo passo será a adoção do chamamento público para a oferta dos demais cursos superiores, enterrando, definitivamente, a livre iniciativa e a própria democracia.”(Coluna Educação Superior Comentada, nº 25, 26.8.2013 – disponível em http://www.abmes.org.br/abmes/noticias/detalhe/id/882 - grifos nossos).
Tentei alertar, aparentemente em vão, os dirigentes da educação superior privada para mais uma deliberada tentativa de marginalizar o segmento, restringindo conquistas erigidas à condição de preceitos constitucionais e impondo ilegítimas testilhas à atuação das instituições regularmente credenciadas.
Infelizmente, meus caros leitores, as previsões lançadas nos dois textos citados nada tinham de exageradas e, muito menos, de longínquas.
Com efeito, hoje foi publicada a Lei nº 12.871/2013, que instituiu o Programa Mais Médicos e dá outras providências, entre as quais a “revogação” do artigo 209 da Constituição Federal, à medida que joga por terra o princípio soberano da livre iniciativa na educação, porquanto, em seu artigo 3º, está concretizada a violação ao princípio da livre iniciativa, porquanto restringe a oferta dos cursos superiores de Medicina ao sistema de chamamento público, nos seguintes termos:
“Art. 3º A autorização para o funcionamento de curso de graduação em Medicina, por instituição de educação superior privada, será precedida de chamamento público, e caberá ao Ministro de Estado da Educação dispor sobre:
.....” (grifamos).
Adiante, o § 6º do referido artigo confirma as sombrias previsões de alargamento do conceito de chamamento público para outros cursos superiores, ao prever que o Ministério da Educação poderá, a seu talante, adotar o inconstitucional sistema de chamamento público para os demais cursos da área da Saúde, ao exclusivo arbítrio do Ministério da Educação, verbis:
“Art. 3º .....
§ 6º O Ministério da Educação, conforme regulamentação própria, poderá aplicar o procedimento de chamamento público de que trata este artigo aos outros cursos de graduação na área de saúde.” (grifamos).
Na verdade, o texto da lei publicada tratou de, confirmando a previsão inicial que eu já havia lançado, ao alargar muito a indevida intervenção do Estado na livre iniciativa, ampliando a possibilidade de utilização do sistema licitatório para os demais cursos na área da saúde.
Certamente, este alargamento será o início de um processo de estatização da educação superior, porquanto certamente ensejará, em futuro muito breve, a utilização generalizada desta afronta ao texto constitucional, porquanto, como já alertado algumas vezes, o próximo passo será a adoção do sistema de chamamento público para os cursos superiores da área da saúde e, num terceiro momento, para todos os demais, tornando, assim, letra morta o artigo 209 da Carta Magna.
As ameaças lançadas sobre a livre iniciativa e a democracia, antes meras projeções, agora estão presentes de forma concreta, lastreadas na atuação de um Estado autoritário e notadamente antidemocrático, no qual as convicções pessoais dos agentes públicos se mostra mais importante que a observância aos princípios constitucionais fundamentais para a manutenção do estado democrático de direito.
Pois bem! O que antes era risco futuro, ameaça incerta, hoje é violação flagrante de princípio constitucional, corroborando o preconceito e a prepotência com que o Ministério da Educação tratam as instituições de ensino superior particulares.
Evidentemente, esta situação decorre não apenas do autoritarismo despótico vigente há alguns anos, mas, também e essencialmente, da passividade com que o segmento vem aceitando os desmandos cada vez mais frequentes e amplificados dos dirigentes públicos, sobretudo no âmbito do sistema federal de ensino.
Acredito que já passou da hora de adotarmos uma providência concreta de repúdio ao autoritarismo, ao desrespeito às normas e princípios constitucionais, mas, infelizmente, esta é uma decisão que não cabe a mim....
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