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Paz, união, amor e diversão. Estes quatro elementos resumem o lema do movimento Hip Hop, estabelecido pelo DJ americano, Afrika Bambaataa, considerado o padrinho desta cultura. Porém, os princípios estimulados por Bambaataa não têm encontrado espaço dentro da cena no Recife. Integrantes de frentes distintas do movimento local parecem não conseguir se entender em determinados aspectos e o confronto, ainda que a nível retórico, e até de rima, tem sido inevitável, nas redes sociais e fora delas.

O estopim do entrave parece ter se dado na última quinta (9), com a chamada para solenidade de oficialização da Lei da Semana Municipal do Movimento Cultural do Hip Hop (Lei 17697/2011), realizada na Câmara de Vereadores do Recife. O projeto, levado ao poder público pela Frente Metropolitana de Hip Hop de Pernambuco (formada por membros da Associação Metropolitana de Hip Hop em PE e outros coletivos), causou surpresa e revolta em alguns e as redes sociais encheram-se de questionamentos. Parte dos hip hopers recifenses alegou desconhecer em quais circunstâncias o projeto de lei havia chegado até à Câmara, já os representantes da Frente defendiam-se afirmando terem convocado todos aqueles que fazem parte do movimento para reuniões acerca do tema.

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Das antigas

Procurado pela reportagem do LeiaJá, Sérgio Ricardo, o coordenador geral da Associação Metropolitana de Hip Hop em PE, se posicionou em relação ao 'racha'. Conhecido como Sociólogo da Favela, Sérgio se dedica ao Hip Hop desde 1989, quando começou como Bboy, e foi categórico ao afirmar que a cena "nunca foi unida" e que por se tratar de "um movimento cultural, é muito movido por egos".

À frente da Associação, surgida em 2004, ele também sugere um choque de gerações ao falar sobre as divergências encontradas no meio: "É um público jovem que não tem cinco anos de Hip Hop e que está se achando o porta-voz do movimento. Não entendem que a gente tem que deixar as diferenças de lado para fazer um trabalho." Sobre tais diferenças, o coordenador apontou um desacerto em relação às propostas da entidade que coorderna: "A gente trabalha para uma ressignificação dessa cultura reacionária que existe, desse rap recheado de machismo, sexismo, misoginia e individualismo, que foge da perspectiva da Associação. Não somos uma produtora de eventos que não se preocupa com princípios e valores". E completou: "A luta, a gente tem que travar é contra o sistema que nos oprime. A minha tristeza maior é por conta disso, ao invés da gente se fortalecer diante das dificuldades..."

Outro membro da Associação, e da Frente que propôs o reacendimento da Lei 17697/2011, o rapper Tigger, também se colocou sobre esta problemática: "Não vejo o movimento rachado, vejo algumas pessoas que não têm empatia por um dos nossos e ataca o geral". Ele falou sobre as convocatórias para discussão o projeto de lei: "Todos esses insatisfeitos foram convidados para participar das reuniões da frente, como está comprovado na carta aberta (publicada no Facebook)".

Tiger declarou acreditar que as divergências estão ancoradas na falta do espírito de coletividade de alguns: "Essas pessoas são de outros coletivos que não aderem ao debate político dentro da cultura, pessoas que têm suas carreiras solo e não vêem outro lado a não ser o deles. O critério é corrermos juntos, construirmos juntos. Mas por antipatia, (eles) não participam condenando muitas vezes a nossa entidade." No entanto, o rapper pareceu otimista ao desejar o fim desta polaridade: "Tenho 28 anos de cultura Hip Hop e sempre vi picuinhas que se dissolveram com o tempo, tendo hoje vários amigos, antigos rivais. Espero que isso passe, se resolva, ou se resolvam, porque o nosso inimigo é outro e não nós mesmos".


Nova geração

A discussão tomou as redes sociais, sobretudo a partir da solenidade que oficializou a Lei 17697/2011. Parte do movimento, descontente com a condução do processo - e, também, alegando total desconhecimento a respeito - usou perfis e páginas do Facebook para se posicionar. Comentários como “O que isso vai trazer de positivo para nossa cena e o porque da Associação Metropolitana de Hip Hop estar também por trás disso, sendo que nós do movimento Hip Hop em PE nunca nos sentimos representados por eles”; e “Que conquista tão importante foi essa que tanta gente desconhece? Uma lei de 2011, que passou sete meses sendo reconstruída. Onde foram publicadas as convocações para essa construção? Quem são os líderes desse movimento? Se esforçaram para mobilizar os membros da cena de fato?”, foram compartilhados.  

Selmo Reinberg Pacheco, o MC Anêmico, responsável pelo Centro Cultural Arvoredo - espaço de fomento à cultura de rua no Recife, e hip hopper desde 2004, é uma dessas pessoas. "Existe, sim,esse rachado entre o movimento Hip Hop. O que acontece é que pessoas mais antigas do movimento vêm dialogando com o poder público antes e elas acabam meio que fechando as portas para as pessoas que estão chegando agora", explica. Ele também acredita que os "mais antigos" acabam por se sentir "donos" da cena e, assim, estreitam os caminhos para os mais novos: "Muitas pessoas do movimento não têm o conhecimento do que elas podem fazer, mas elas são hip hopper reais, elas estão na rua todos os dias. O que eles (os antigos) poderiam fazer é estruturar essa pessoas para conseguirem fazer as coisas junto ao poder público também."

Sobre a proposta da Semana Municipal do Hip Hop, Anêmico diz ter sido pego de surpresa: "Como que não teve nada no Arvoredo ligado a essa Semana Municipal? Nunca chegaram lá pra dizer isso pra gente. O Hip Hop só quem faz são eles? A galera não faz as paradas às claras, divulga pouco, divulga só para quem já sabe do que está rolando. É só a bolinha de meia ali. Eu não tenho raiva dos caras, eu só acho que tem que fazer melhor, mais aberto." Com ressalvas, o MC reconhece a relevância da lei: "É muito importante para todo mundo, mas só se for para as pessoas que fazem o Hip Hop realmente, que são muitos coletivos. Que isso não seja fechado que é o que tem acontecido na cidade."

Ainda sobre o trabalho da Associação Metropolitana de Hip Hop, o artista faz críticas: "Ninguém sabe como funciona essa Associação e também o pessoal não procura saber por conta da forma de trabalho da galera. Acho que quem está na rua e realmente sabe o que é Hip não curte muito a forma de trabalho deles e não tem interesse por estar lá dentro." Anêmico aponta o pequeno número de "cabeças" dentro da entidade como um dos impeditivos para que esta atue, de fato,  como representante do movimento e reconhece haver um choque de gerações entre os hip hoppers: "Acho que isso não deveria acontecer porque tem que respeitar ambos, quem está há bastante tempo e quem está chegando agora. Acho que a galera quer ser dona do Hip Hop e isso acaba estragando uma cena, daria para todo mundo fazer uma parada massa se respeitando".


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