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Desde 2004, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a eliminação total da gordura trans da alimentação, tamanho são os seus malefícios à saúde. Mesmo assim, as regras de rotulagem de alimentos no Brasil permitem que seja omitida até 0,2 g dessa gordura nas informações nutricionais. Ou seja, um produto pode conter até 0,2 g desse nutriente por porção e dizer, com grande destaque na embalagem, que tem "zero" gordura trans.

Levando isso em conta, o Idec avaliou os rótulos de bolachas e biscoitos doces e salgados – categorias conhecidas por empregarem gordura trans em suas fórmulas – para saber como é feita a comunicação sobre a presença desse tipo de gordura.

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Foram avaliados 50 produtos: 40 biscoitos doces (entre bolachas recheadas, cookies e outros tipos) e 10 salgados, tipo cream cracker. Os casos mais emblemáticos foram os de uma bolacha doce e de um cookie com gotas de chocolate que informam conter "0 g" de gordura trans na tabela nutricional, mas, quando se confere a respectiva lista de ingredientes, entre os principais componentes usados está a "gordura vegetal hidrogenada" – o que é praticamente uma prova de que os produtos contêm, sim, gordura trans.

Tecnicamente, existem duas possibilidades: poderia se tratar de gordura vegetal hidrogenada "totalmente" ou "parcialmente". A hidrogenação "total" não gera gordura trans, no entanto, não é utilizada em alimentos. "A gordura totalmente hidrogenada é muito dura, não tem plasticidade, é uma pedra que não tem aplicação direta para alimentos", explica a engenheira de alimentos Juliana Ract, da Faculdade de Farmácia da Universidade de São Paulo (USP). Ou seja, por eliminação, só pode se tratar da parcialmente hidrogenada, que pode conter teores de até 50% de trans.

Outros casos relevantes foram os de biscoitos cream cracker que informam conter 0 g de gordura trans em uma porção de 30 g de biscoito, porém, computam 0,2 g desse mesmo nutriente no pacote inteiro, de 100 g. Além disso, a versão integral de um desses cream cracker, com lista de ingredientes praticamente idêntica à tradicional, traz somente a informação baseada na porção de 30 g – os dados relativos ao pacote inteiro, da qual provavelmente constaria a gordura trans, não são informados na embalagem.

Para Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec responsável pela pesquisa, o problema de a informação nutricional se referir apenas à porção é que, muitas vezes, o consumidor não limita o seu consumo a essa quantidade. "No caso de biscoitos, a porção indicada pelo fabricante, em geral, é de 30 g, o que corresponde a de três a cinco biscoitos. É comum que as pessoas comam mais do que isso, seja de uma vez só ou ao longo do dia", comenta. "Dessa forma, pode-se ingerir uma dose significativa de gordura trans sem nem saber", complementa.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável pelas regras de rotulagem, defende-se dizendo que a porção indicada fornece uma orientação ao consumidor sobre "a quantidade do alimento que seria compatível com uma alimentação saudável" e que uma quantidade diária de 100 g de biscoito "claramente não seria recomendável".

Regras frouxas

Apesar dos problemas, os produtos analisados não estão em desacordo com a lei, tanto no que diz respeito à informação sobre a presença de gordura trans apenas por porção, quanto à omissão do tipo de gordura utilizado (por isso as marcas avaliadas não foram divulgadas). "O que a pesquisa evidencia, portanto, é que as normas sobre o assunto são consideravelmente frouxas, favorecem a indústria por um lado e ferem o direito do consumidor à informação correta, por outro", resume a nutricionista do Idec.

A Anvisa alega dificuldade e limitações dos métodos analíticos para quantificação desse nutriente, além da preocupação em "reduzir o impacto econômico da regulamentação, especialmente para os pequenos produtores", para justificar tolerância de até 0,2 g. A engenheira Juliana Ract concorda. "Seriam poucas as indústrias, só as maiores com laboratórios super bem equipados, que teriam condições técnicas para fazer uma análise precisa. Detectar 0,1 g de trans é difícil mesmo", afirma.

Para o Idec, porém, os malefícios à saúde causados por esse tipo de gordura justificam acabar com a regra de que 0,2 g de trans por porção sejam considerados zero. A pesquisadora em nutrição Rossana Proença, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), concorda. "A obrigatoriedade de a indústria informar toda e qualquer quantidade de gordura trans poderia catalisar a eliminação desse tipo de gordura no Brasil", acredita. Sobre a viabilidade econômica dessa exigência, Proença cita o exemplo da Dinamarca, que reduziu a praticamente zero a quantidade de gordura trans permitida em alimentos industrializados. "Experiências em outros países mostram que é possível a comercialização de produtos alimentícios livres de gordura trans, sem alteração no preço, qualidade ou disponibilidade", ressalta a pesquisadora.

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