Inúmeras foram as tentativas de Cassiano Oliveira da Silva, de 29 anos, até a aprovação em uma universidade pública. “Eu faço o Enem desde 2010, antes mesmo de terminar os estudos. Fiz dois anos por experiência”, conta em entrevista ao LeiaJá. Natural de Recife e oriundo de escola pública, ele passou boa parte da infância e adolescência trabalhando, ao lado dos pais e um dos irmãos, em um lixão localizado em Passira, no Agreste de Pernambuco. “A gente saiu de Cumaru para trabalhar em Passira porque tinha mais oportunidade. Meus pais, um irmão e eu trabalhávamos nesse lixão, que nem existe mais”, relembra.
Sem curso preparatório e com uma rotina dividida entre o trabalho em uma cooperativa de material reciclável, família e estudos, Cassiano conquistou a segunda colocação no curso de ciências biológicas, modalidade a distância, ofertado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Para esse Enem, em específico, a preparação foi em casa mesmo, porque de tanto fazer a prova, eu fui ganhando experiência. Eu estudava pelas provas passadas. Eu fazia de conta que estava fazendo o Enem de fato e depois eu ‘ia’ (sic) para a correção. As questões que eu errasse, eu buscava vídeos sobre o assunto no YouTube”, relembra.
##RECOMENDA##Cassiano Oliveira montou uma cooperativa de material reciclável. Foto: Arquivo Pessoal
À reportagem, ele relata que os pais não tiveram acesso à Educação, no entanto, faziam questão dos três filhos se dedicarem aos estudos. "Meu pai dizia que na hora de trabalhar, a gente trabalhasse, e na hora de estudar, era para focar nos estudos". Era do lixão que a família do, agora, universitário tirava o sustento. O local de trabalho nunca foi motivo de vergonha para Cassiano ou da família.
Porém, na infância, o jovem foi alvo de preconceito na escola. "Na escola, quando eu era criança, alguns colegas falavam porque eu trabalhava no lixão, preconceito mesmo. Quando cheguei no ensino médio, isso mudou", diz. Foi nessa etapa educativa que ele pode compartilhar, não somente com os colegas de turma, como também com professores, todo conhecimento sobre meio ambiente adquirido no lixão. “Nas aulas de campo, quando o professor levava a turma para o lixão, por exemplo, eu dominava. Tinha coisas que nem ele sabia. Era o meu momento”, conta.
À reportagem, ele relata que os pais não tiveram acesso à Educação, no entanto, faziam questão dos três filhos se dedicarem aos estudos. "Meu pai dizia que na hora de trabalhar, a gente trabalhasse, e na hora de estudar, era para focar nos estudos". Era do lixão que a família do, agora, universitário tirava o sustento. O local de trabalho nunca foi motivo de vergonha para Cassiano ou da família.
Trabalhar no lixão nunca foi motivo de vergonha para Cassiano. Foto: Arquivo Pessoal
Com um trabalho que demanda tempo, cerca de 12 horas por dia, e esforço físico, para Cassiano restava apenas o horário da noite para estudar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). "Eu não estudava todos os dias, mas sempre estudava. Eu não tinha todo dia aquela obrigação, porque, devido ao cansaço do trabalho, não tinha como ter aquele foco. Muitas vezes, eu começava a ver uma videoaula e pagava no sono. Eu optei por fazer [estudar] realmente quando estava preparado para ver uma videoaula do começo ao fim", ressalta.
Casado e pai de dois filhos, o jovem fala que todo o esforço valeria a pena. "Eu sabia que a partir do momento que eu tivesse me esforçando para estudar, eu poderia melhorar ainda mais a minha vida, através da Educação, e também ser uma referência para os meus meninos. Porque meu pai e minha mãe não tiveram a oportunidade que eu tive de estudar. Meus pais só fizeram a 1ª série do fundamental. Eu concluí o ensino médio e eu pensava que poderia ir além, chegar em uma universidade, ser uma referência. Sempre digo que o estudo é a única coisa que ninguém pode tirar da gente".
Em 2018, o jovem montou uma cooperativa. Foto: Arquivo Pessoal
A opção por ciências biológicas não foi por acaso. Ao LeiaJá, Cassiano relata que desde criança é interessado nas questões ligadas ao meio ambiente. "No ensino médio, minha maior vontade era fazer medicina veterinária. Mas, com o tempo, eu fui vendo que com a ciências biológicas era mais a minha identidade, eu poderia contribuir mais".
O curso escolhido pelo jovem é uma licenciatura. Questionado se seguirá a carreira de docência, o reciclador foi categórico. "Eu quero ser aquele professor mais de campo. Porque eu gosto muito do campo. Eu acredito que levar experiências desperta mais o interesse dos alunos. Eu quero chegar, justamente, para fazer essa diferença. Não quero ficar só na sala de aula, na teoria, mas levar os alunos para a prática".
A espera de Cassino para, finalmente, iniciar os estudos no ensino superior está próximo do fim. Com certo entusiasmo, ele conta que as aulas começam na próximas segunda-feira (29). "O curso é EaD e eu só vou precisar ir em Vitória [de Santo Antão] ou Limoeiro algumas vezes, só quanto for algo prático. O que for mais simples será em Limoeiro, já algo mais complexo será em Vitória. Estou muito ansioso. Esperei muito por isso".