Tópicos | Dia da imunização

Há 14 anos, a pediatra Natália Bastos atende desde pacientes recém-nascidos a adolescentes. Ela lembra, entretanto, que o atendimento pediátrico, sobretudo nas emergências de todo o país, mudou drasticamente ao longo das últimas décadas. Ela cita como exemplo a triagem de crianças com suspeita de meningite. “Antigamente, a gente tinha inúmeras crianças esperando para fazer punção lombar, a gente já não tinha vaga no isolamento. Hoje, os residentes mal têm como fazer a punção lombar porque, graças a Deus, são poucas as crianças com quadro de meningite devido à vacinação”.

Em meio a um consultório repleto de brinquedos, a médica, vestindo um jaleco decorado com temas de desenhos infantis, admite que o maior desafio é a lida com os pais, sobretudo quando o assunto é a imunização dos pequenos. “No caso da vacina da gripe, por exemplo, sempre lançam fake news, dizendo que a dose não é segura, que contém cepa antiga, que não protege contra novos sorotipos. Tenho que ficar trabalhando pra desmistificar essas informações e garantir que a vacina é segura e protege as nossas crianças”.

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“Temos também o exemplo da vacina contra a covid e como ela mudou o aspecto padrão da pandemia. Hoje, a gente pode sair sem máscara na rua graças à vacinação em amplo espectro”, disse.

Outra dose comumente questionada pelos pais, segundo Natália, é a contra o HPV, indicada atualmente para crianças a partir dos 9 anos de idade. A infecção pelo vírus pode causar lesões na pele associadas ao câncer de colo de útero. “Há sempre todo um trabalho de explicar que a vacina é segura e pode mudar a vida de uma mulher no futuro”, destacou.

Para o também pediatra e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, o Dia Nacional da Imunização, lembrado nesta sexta-feira (9), funciona como uma oportunidade para reforçar a urgência na retomada das altas coberturas vacinais em todo o país.

Em entrevista à Agência Brasil, ele lembrou que, este ano, comemora-se ainda os 50 anos do Programa Nacional de Imunizações, primeiro programa de imunizações estruturado da região das Américas.

“O Brasil foi pioneiro no continente na eliminação de doenças, na erradicação e no controle de outras. Certamente a data nos remete a esse histórico de conquistas, a todos os avanços que conseguimos em 50 anos de um programa de vacinação que, infelizmente, nos últimos anos, vem sofrendo abalos na sua estrutura, falta de investimento na sua manutenção, desconfiança da população no valor da vacinas e chegada de grupos antivacina que têm colocado todas essas conquistas sob risco”.

Segundo Kfouri, o momento é de comemoração de êxitos e, ao mesmo tempo, de preocupação. “Não há exagero nenhum em dizer que o país está sob risco de retorno de diversas doenças já erradicadas”, alertou, ao citar que, atualmente, três em cada dez crianças que completam 1 ano de idade no país estão sem as três doses contra a poliomielite. “E não só isso. O Brasil não faz uma boa vigilância de casos suspeitos, não monitora o vírus em esgoto. A Organização Pan-americana da Saúde (Opas) classifica o Brasil, junto com Haiti, Honduras e Peru, como um dos países de mais alto risco de reintrodução da poliomielite. É um risco real”.

O rol de doenças que voltaram a assombrar o país inclui ainda a rubéola, a difteria, a rubéola congênita, o tétano e o sarampo. “Na verdade, são todas as doenças, mas essas estão em um radar mais próximo em função do risco mais acentuado pela epidemiologia da região”, explicou o pediatra. Para ele, diversos fatores explicam a queda nas coberturas vacinais no Brasil ao longo dos últimos anos e as estratégias para reverter esse cenário devem levar em consideração as particularidades de regiões, estados e municípios.

“O que tem diminuído a cobertura vacinal num país tão grande e desigual como o nosso não são os mesmos fatores. O que faz uma pessoa não se vacinar numa grande metrópole não é, certamente, o mesmo que motiva a não vacinação em outras regiões do país. É preciso enfrentar cada uma dessas realidades, dificuldades de comunicação são fundamentais, acesso, treinamento e capacitação dos profissionais de saúde. Precisamos investir muito também na produção de vacinas, para não haver falta”.

“Notificação, registro de doses aplicadas, sistema de informação. Há muito o que avançar. O Brasil tem um programa absolutamente democrático, descentralizado, que hoje contempla mais de 38 mil salas de vacina em todo o país. Precisamos de investimento. Só vamos começar a recuperar essa cobertura vacinal com um grande programa, um grande pacto entre sociedade civil, ministério, estados e municípios, que realizam na prática a vacinação”, recomenda o pediatra.

A introdução de componentes que simulam um agente infeccioso capaz de enganar o nosso corpo e nos proteger de vírus mortais. Esse é o mecanismo que explica o funcionamento das vacinas, descoberta que já soma dois séculos e que mudou a história da humanidade. 

Mais do que uma proteção individual, os imunizantes reforçam o senso de comunidade e responsabilidade coletiva, apontam especialistas ouvidos pela Agência Brasil. Nesta quinta-feira (9) é celebrado o Dia Nacional da Imunização.

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“A partir das vacinas, não precisamos mais ficar doentes para que o nosso sistema imunológico aprenda a combater algo”, aponta o virologista e imunologista Rômulo Neris. Ele integra a Equipe Halo, iniciativa, aprovada pela Organização das Nações Unidas, que reúne cientistas e profissionais da saúde de todo o mundo que atuam no combate à pandemia. Neris escreveu uma categoria de moléculas aptas a destruir partículas de doenças como zika, chikungunya, dengue, mayaro e febre amarela.

“Geralmente, somos expostos aos agentes causadores dessas doenças. Mas o grande problema é que, na maioria dos casos, isso envolve ficar doente uma primeira vez. Isso não é um cenário ideal, por exemplo, quando estamos lidando com doenças que tem uma letalidade muito elevada ou potencial de causar sequelas ou algum quadro muito grave. É aí que as vacinas entraram como diferencial na história da humanidade”, disse Neris.

Mariana de Souza Araújo, coordenadora do Programa Municipal de Imunizações (PMI), da prefeitura de São Paulo, destaca que a vacina é uma questão de saúde pública e, por isso, depende da cooperação de todos. “Quanto mais pessoas vacinadas, mais protegidos os indivíduos estarão. Por isso falamos de cobertura vacinal”, destaca. 

Ela lembra que é preciso evitar, por exemplo, bolsões vacinais, quando determinadas comunidades reúnem grupos não imunizados. “Todos os pontos da cidade, todos os bairros têm que estar com alta cobertura vacinal, porque as pessoas transitam pela cidade. Às vezes, a pessoa mora em um extremo e trabalha no centro ou vice-versa, então todo mundo tem que ser vacinado com uma alta cobertura e uma alta homogeneidade”, explica. 

Vacinação contra Covid-19

Neris lembra que nenhuma vacina protege 100% contra um vírus, nesse sentido, a cobertura vacinal é que garante a proteção. Ele aponta que a vacinação contra a covid-19 se mostrou bastante eficaz no controle das mortes, mas o aumento recente dos casos reforça que serviços de vigilância, de monitoramento e outras práticas são necessárias para impedir a disseminação do vírus. “A vacinação precisa ser aliada a outras estratégias. Acho que esse é o ponto central”, alertou.

O virologista recorda que ao longo dos últimos meses houve um relaxamento das medidas de proteção, como uso obrigatório de máscara e controle de aglomeração. “Neste cenário, onde há uma variante que se espalha mais rápido do que o vírus original, lugares do planeta onde não há cobertura vacinal tão alta e o vírus ainda continua circulando, temos a propensão de gerar cenários nos quais podemos ter essas reversões, esses aumentos de caso.”

Diante deste quadro, ele acredita que informação e vacinação são a resposta. “A informação necessária para aumentar a confiança da população e a adesão das pessoas que ainda não completaram o esquema vacinal, em conjunto reforçar outras medidas de proteção para que possamos consolidar, já que conseguimos controlar o número de casos no país”, avaliou.

Segurança

Neris lamenta que grupos contrários à vacinação se utilizem da desinformação para gerar dúvidas sobre a segurança dos imunizantes. “Esses movimentos basicamente tentam se valer de uma interpretação inadequada de dados, dando uma linguagem técnica, uma roupagem científica para algo que é uma informação falsa”, avalia.

Mariana lembra que todas as vacinas utilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) após pesquisas com rigor científico.

A coordenadora destaca que “o Brasil é referência em imunização. O nosso calendário é um dos mais completos do mundo”. “Conseguimos erradicar a poliomielite e a varíola. Agora temos casos de outra variante, mas somente com as vacinas a gente consegue impedir que doenças que são imunopreveníveis voltem.” 

Ela pede que a população acompanhe o calendário e a disponibilização contínua das doses para diversas doenças. “Se a pessoa tem dúvida se ela tem direito ou não, se ela está elegível dentro da faixa etária dela, procure qualquer Unidade Básica de Saúde (UBS), leve o seu cartão para verificar.”

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