Ninguém conheceu e amou tanto o Recife como o ex-vereador Liberato Costa Júnior, o decano da Câmara Municipal, chamado, ontem, por Deus, aos 97 anos. O “Velho Liba”, como era conhecido, tinha também, recifenses, a alma e o sentimento. Com mandato ou não, percorria as ruas da cidade de velhos sobrados cheirando a banguê, compridos, escuros e que dá gosto de ser ver, como cantou Capiba. Apenas para estar ao lado do seu povo.
No Recife, Liberato viveu dias e noites sem fim. Seu encanto pela cidade parece ter vindo dos seus lindos jardins, da brisa do seu alto mar, do seu céu tão bonito. Se a política para Liberato era um sacerdócio, Recife era a musa inspiradora, que embalou os sonhos de tantos boêmios em noites de lua ou clareada pelos seus lampiões. Recife de cantadores, de maracatus, da Rua da Aurora, de sobrados e casarões era amante de Liberato.
Reginaldo Rossi quis roubar a sua amante. Viu encantos mil no seu canto a Recife. Reproduzindo o cantor, que também deixou tanta saudade, Liberato viu, ao longo de tanto tempo na política, um Recife de muito calor e emoção pelas ruas. Eleito democraticamente dez vezes vereador da capital, em seus discursos mergulhava não apenas nas questões do povo, mas profundamente na história do Recife.
Nas histórias de seus heróis, como o negrão Henrique, o branco Negreiros, o índio Felipe e o Camarão. Liberato e Recife pareciam ter nascido um para o outro. Olhar para o rosto de Liba enrugado pelo tempo era como ver as águas do Capibaribe no grande espelho da sua vida. Como disse o poeta Ledo Ivo, a relação de Liba com o Recife era assim: “Amar mulheres, várias. Amar cidades, só uma – Recife”.
Por isso, Liba não costumava arredar o pé da cidade. E quando era obrigado por um motivo circunstancial a sair da sua bela e amante cidade, voltava rápido, como num passe mágico, certamente sentindo a dor da saudade do Frevo Número 2, do grande Antônio Maria: “Quando me lembro que o Recife está longe, a saudade é tão grande que eu até me embaraço."
Liberato só não se embaraçava na atividade partidária. Conhecia como ninguém a macro e micro política da cidade. Tinha elevado espírito público, era trabalhador, dedicado aos seus mandatos, diligente, afável no trato, apaixonado pela política do bom servir sem nunca se servir dela.
Com ele, nos últimos anos, estive em vários momentos. Foi a ele que recorri, dentre tantos vereadores, para gravar um longo depoimento sobre a derrota de Roberto Magalhães para João Paulo, em 2000. “Roberto perdeu porque não soube engolir sapo”, foi uma das principais frases deles a que recorri para destacar a sua entrevista no livro “A derrota não anunciada”.
Para Liba, Roberto não pode ser acusado, isoladamente, de ter perdido aquela eleição histórica. “Todo o comando da campanha, com exceção do então governador Jarbas Vasconcelos, agiu com sapato alto, subestimou a capacidade de reação dos
adversários, principalmente de João Paulo, que se apresentava com uma identificação de causar inveja com o povo, o eleitor simples”, disse ele.
Ao longo da entrevista, o velho Liba disse que escarrou sangue para eleger Roberto Magalhães. “Mesmo estando já reeleito (a decisão de 2000 foi no segundo turno), eu tinha um compromisso com a reeleição de Doutor Roberto e fui para às ruas, me engajei duramente”, afirmou.
Para ele, o que levou Magalhães à derrota não foram os episódios da greve da polícia, da banana em Boa Viagem ou da invasão à redação do JC. “A euforia e o já ganhou foram fundamentais, além da troca do vice (Raul Henry por Sérgio Guerra). “Em time que está ganhando não se mexe”, ensinou.
Sábio e mordaz nas suas análises, Liba fará muita falta ao Recife e a Pernambuco. Perdemos também, com a sua morte, o “Dataliba”, pelo qual fazia suas projeções sobre as eleições proporcionais no Recife e no Estado e que nós, jornalistas, aguardávamos com tanta expectativa.
O ser humano não se conforma com perdas. Felizmente, como tantos outros mitos da política estadual, Liba teve uma passagem pela terra maior do que esperava para nos deixar lições. Parece que, no princípio do Verbo, Deus deu aos mitos a longevidade. Arraes morreu aos 88 anos, Pelópidas da Silveira aos 93 anos e Barbosa Lima Sobrinho com 103 anos.
FREI CANECA– O prefeito Geraldo Julio (PSB) antecipou, ontem, em entrevista ao Frente a Frente, que realizará um velho sonho do ex-vereador José Liberato, de 55 anos, de colocar no ar a Rádio Frei Caneca, na frequência 101,5 FM. A licitação para compra os equipamentos, segundo ele, já está avançada, tendo sido habilitados os processos de instalação da antena, torre e transmissor da emissora, localizados no Engenho do Meio. De autoria do Velho Liba, o projeto foi aprovado pela Câmara em 1960.
Mancha no currículo – Considerado um político de esquerda, Liberato Costa Júnior passou a vida inteira se explicando de um episódio que marcou a sua trajetória, nunca compreendido, por mais que tenha tentado convencer: como deputado, votou pela cassação do ex-governador Miguel Arraes, deposto em 1964 com o golpe militar. Há quem diga tenha revelado temor dos milicos.
Tensão no Planalto– Uma assombração voltou a rondar o Governo Dilma com a divulgação dos depoimentos do ex-diretor da Petrobras e da BR Distribuidora, Nestor Cerveró: a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, que causou prejuízo milionário à estatal. Segundo relata Gerson Camarotti, o Governo já trabalha com o cenário de que, no depoimento dado à Polícia Federal, Cerveró contesta a argumentação da presidente Dilma, afirmando que ela, na condição de presidente do Conselho de Administração da Petrobras, tinha todas as informações necessárias para
tomar a decisão da compra da refinaria. Na época, Dilma era a ministra-chefe da Casa Civil do Governo Lula.
PMDB, para variar, dividido– Os líderes do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), e no Senado, Eunício Oliveira (CE), cogitam não apoiar a candidatura à reeleição do vice-presidente Michel Temer, à presidência do partido. O PMDB fará em março convenção nacional, que, além de eleger a nova direção partidária, discutirá a permanência da sigla no Governo Dilma. Peemedebistas como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), defendem que o partido rompa.
Exemplo de dignidade – O presidente da Câmara do Recife, Vicente André Gomes (PSB), revelou, durante entrevista ao programa Frente a Frente, que o ex-vereador Liberato Costa Júnior pediu para ser demitido da função de assessor daquela Casa tão logo adoeceu. Gomes ignorou, mas o gesto só revela como o Velho Liba tinha espírito público e era zeloso no respeito à coisa pública.
CURTAS
SEM AGENDA– Há três dias seguidos, a assessoria do governador Paulo Câmara tem enviado a sua agenda do dia sem compromissos externos. Das duas, uma: ou o governador está descascando verdadeiros abacaxis ou está faltando criatividade entre aqueles responsáveis pela criação de fatos positivos para o Governo.
NO ESTALEIRO – O deputado Jarbas Vasconcelos será a ausência mais lamentada no velório e enterro do ex-vereador e amigo pessoa Liberato Costa Júnior. Tudo por causa de um acidente doméstico, que o deixou no estaleiro há mais de 10 dias. Jarbas só deve voltar à ativa nos próximos 15 dias por recomendação médica.
Perguntar não ofende: Liberato tinha o Recife na palma de sua mão?