Parentes de vários líderes do alto escalão do governo chinês, incluindo o presidente Xi Jinping e o ex-primeiro-ministro Wen Jiabao, esconderam verdadeiras fortunas em paraísos fiscais, segundo uma investigação jornalística que coloca em xeque a campanha anticorrupção lançada por Pequim.
De acordo com documentos financeiros obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), com sede em Washington, quase 22.000 clientes originários da China ou de Hong Kong estão envolvidos com companhias "offshore".
##RECOMENDA##Sinal da sensibilidade do assunto, o site do ICIJ estava inacessível nesta quarta-feira na China, bem como todos os sites de meios de comunicação que colaboraram nas investigações, entre eles o jornal britânico The Guardian, o francês Le Monde, o espanhol El Pais e o de Hong Kong Ming Pao.
Entre as fortunas chinesas envolvidas no escândalo, estão as de milionários do mundo dos negócios, incluindo Yang Huiyan, a mulher mais rica da China, ou Pony Ma e Zhang Zhidong, fundadores da gigante Tencent.
Mas os 2,5 milhões de dados confidenciais recolhidos pelo ICIJ revelam também um verdadeiro "quem é quem" da elite política da segunda economia mundial.
A riqueza dos líderes comunistas continua a ser um assunto tabu na China e os principais dirigentes do regime devem, oficialmente, servir ao povo desinteressadamente.
Há membros do Congresso Nacional do Povo (CNP), do Parlamento chinês, bem como parentes do ex-presidente Hu Jintao, do ex-primeiro-ministro Li Peng e de Deng Xiaoping, que supervisionou a abertura da economia chinesa em 1980.
Também estão envolvidos parentes de Xi Jinping, o atual chefe de Estado, e de Wen Jiabao, primeiro-ministro entre 2003 e 2013, que já haviam sido investigados em 2012 pela Bloomberg e pelo New York Times sobre as fortunas colossais de suas famílias.
Segundo o ICIJ, Deng Jiagui, um rico empreendedor imobiliário e investidor que, em 2006, casou-se com a irmã mais velha de Xi Jinping, detém 50% de uma empresa registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, sob o nome Excellence Effort Property Development.
Por sua vez, Wen Yunsong - filho de Wen Jiabao - abriu em 2006 no mesmo paraíso fiscal uma empresa da qual ele era o único acionista.
Embora tais empresas e fundos "possam não ser ilegais", elas muitas vezes escondem "conflitos de interesse e servem para manter relações no centro do governo", indicou ao ICIJ Minxin Pei, professor do Claremont McKenna College.
Por coincidência, nesta quarta-feira em Pequim acontece o julgamento do advogado Xu Zhiyong, um ativista detido por exigir insistentemente mais transparência por parte dos líderes políticos, pedindo-lhes para divulgar seus ativos.
Essas revelações também ocorrem poucos dias após a publicação de uma carta de Wen Jiabao, clamando a sua "inocência" e se defendendo de qualquer delito após as recentes denúncias contra a sua filha.
Em novembro, o New York Times informou que o banco americano JPMorgan Chase havia empregado como sua consultora Wen Ruchun, a filha de Wen, possivelmente para obter contratos lucrativos na China.
A JPMorgan, cuja política de contratação de parentes de vários líderes chineses é investigada pelas autoridades dos Estados Unidos, pagou um total de US$ 1,8 milhão em taxas de consultoria para Wen entre 2006 e 2008.
Os documentos revelados nesta quarta-feira pelo ICIJ mostram de que maneira Wen Ruchun, que operava sob o pseudônimo de "Lily Chang", conseguiu apagar seus rastros para ocultar qualquer ligação entre seu pai e sua companhia.
Batizada de Fullmark Consultants, a empresa foi criada nas Ilhas Virgens Britânicas em 2004 por seu marido Liu Chunhang. Ele foi o único diretor e acionista até 2006, ano em que o sistema de regulação bancária chinês lhe ofereceu um cargo.
Segundo o ICIJ, 90% dos clientes da China continental representaram entidades "off-shore" nas Ilhas Virgens Britânicas, muitas vezes com a ajuda de empresas ocidentais, incluindo as instituições helvéticas UBS e Credit Suisse, mas também a consultora PricewaterhouseCoopers (PwC).
Cerca de 7% deles se instalaram nas ilhas Samoa, e 3% em outras áreas. Os documentos obtidos pela organização também citam 16.000 clientes de Taiwan em paraísos fiscais.
"A lógica do artigo (do ICIJ) não é convincente, o que provoca questões sobre os seus motivos", respondeu Qin Gang, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês.