A Comissão de Ética Pública da Presidência da República concedeu no primeiro semestre deste ano um número recorde de quarentenas. Levantamento obtido pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação revela que, de janeiro a junho, 65 ex-integrantes do governo da presidente afastada Dilma Rousseff tiveram autorização para continuar recebendo os salários por seis meses sem trabalhar, com a condição de que não fossem para a iniciativa privada. O número é maior do que as 62 concessões dadas em 2015 inteiro e mais do que o triplo do permitido no ano anterior.
Em 2011, quando o governo Luiz Inácio Lula da Silva deu lugar à gestão Dilma, foram 11 pedidos de quarentena aceitos.
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Não há um valor total de salários pagos neste período, mas na lista dos favorecidos estão 17 ex-ministros do segundo mandato de Dilma, além de ex-secretários executivos (número 2 de um ministério) e presidentes de estatais, como Correios, Caixa e BNDES. Cada um dos ex-ministros recebe R$ 30,9 mil por mês e os ex-secretários executivos, R$ 29,3 mil.
Já os salários de ex-presidentes de estatais variam, de R$ 46 mil (Giovanni Queiroz, dos Correios) a R$ 123 mil (Aldemir Bendine, da Petrobrás).
Na Caixa, além de Miriam Belchior (R$ 53,3 mil), outros integrantes da direção continuaram recebendo os vencimentos. Entre eles estava Fábio Cleto, ex-vice-presidente do banco que, em delação premiada à força-tarefa da Lava Jato, detalhou um esquema de propina para captar recursos do FI-FGTS. O fundo de investimento que usa uma parte do FGTS dos trabalhadores para aplicar em infraestrutura foi usado, segundo Cleto, para desviar verba para um esquema ligado ao deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Cunha nega.
Pedidos
Segundo a Comissão de Ética Pública da Presidência, desde o fim do ano passado foram feitos 213 pedidos de quarentena, dos quais 102 foram recusados e 5 arquivados. O restante foi concedido ou ainda tramita.
A concessão do benefício é prevista na legislação brasileira para evitar conflito de interesse de quem sai de um cargo público e vai para a iniciativa privada. O objetivo é evitar que essas pessoas usem informações privilegiadas de quando estavam no alto comando da administração federal. Servidores públicos, como o ex-número 2 do Ministério da Educação Luiz Claudio Costa, também têm direito ao benefício.
Entre os ex-ministros estão Jaques Wagner (Casa Civil), Nelson Barbosa (Fazenda), Aloizio Mercadante (Educação), José Eduardo Cardozo (AGU), Miguel Rossetto (Trabalho e Previdência), Valdir Simão (Planejamento), Ricardo Berzoini (Governo), Izabella Teixeira (Meio Ambiente), Inês Magalhães (Cidades), Tereza Campelo (Desenvolvimento Social), Carlos Gabas (Aviação Civil), Aldo Rebelo (Ciência e Tecnologia), Juca Ferreira (Cultura) e Eleonora Menicucci (Secretaria Especial para Mulheres).
Jorge Rodrigo Araújo Messias, o "Bessias", citado em conversa telefônica interceptada pela Polícia Federal entre Dilma e Lula, também pediu quarentena, mas depois retirou a solicitação quando assumiu o cargo de assessor da presidente afastada no Palácio da Alvorada.
Impeachment e lei
O presidente da Comissão de Ética, Mauro de Azevedo Menezes, disse que o recorde de concessões neste ano se deve, além do afastamento de Dilma do cargo, à ampliação do rol de autoridades com direito à quarentena para funcionários de confiança e presidentes, vices e diretores de autarquias, fundações e empresas públicas ou sociedades de economia mista.
A extensão da quarentena foi sancionada em 2013 por Dilma, depois que o projeto foi aprovado no Congresso. "Cada aprovação de um pedido de quarentena tem muita discussão e é feita com base em muitos critérios", disse Menezes. "Todas as vezes que houver mudança de governo com troca significativa de cargos, é natural que haja essa mesma proporção", afirmou. A próxima reunião do colegiado é no dia 22 de agosto.
Entre os pedidos indeferidos está o do ex-presidente do Banco Central Alexandre Tombini, que deve ser o representante do Brasil no Fundo Monetário Nacional (FMI).
Sobre a concessão do benefício a Cleto, o presidente da Comissão de Ética afirmou que no momento da autorização não se sabia publicamente que ele seria investigado pela Operação Lava Jato e fecharia delação premiada. "A quarentena é imposta pelo interesse púbico de proibir que se obtenham na iniciativa privada ganhos decorrentes do trabalho que se exercia na função pública. Cleto admitiu que cometeu esse crime ainda no exercício do cargo", afirmou. "Se alguém viola a quarentena, beneficiando o interesse privado posteriormente ou no exercício do cargo público, o Ministério Público tem de tomar as iniciativas e incriminar."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.