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O presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Manoel Caetano Ferreira Filho, afirmou que o colegiado pode rediscutir regras de quarentena para altos funcionários públicos.

Como mostrou o Estadão, ex-comandantes de Marinha e Exército apresentaram propostas de trabalho contestadas pelas próprias empresas para receber seis meses de salário extra. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu que a Corte apure se houve desvirtuamento da quarentena. Além disso, ex-integrantes do governo Jair Bolsonaro (PL) alegaram interesse em ir trabalhar na iniciativa privada e ganharam o benefício. Ao terminar o período de afastamento recebendo salários sem trabalhar, porém, eles retornaram ao serviço público.

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"Nós temos sessão na comissão na semana que vem e vou levar este tema para analisar e deliberar. Vou analisar que providências podemos tomar", disse o presidente da comissão ao Estadão. A reunião do colegiado está marcada para a próxima terça-feira. A quarentena existe para evitar o uso de informação privilegiada por altos funcionários públicos, ao irem para empresas privadas.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu nesta segunda-feira (15) que a Corte de Contas apure possíveis irregularidades na concessão de quarentenas pela Comissão de Ética Pública (CEP) da Presidência da República aos ex-comandantes da Marinha, o Almirante Almir Garnier Santos; e do Exército, o general Marco Antônio Freire Gomes, além do ex-diretor do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Garigham Amarante Pinto.

Todos os três ocuparam postos de comando durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Ao sair no fim de 2022, consultaram a CEP sobre a possibilidade de ir trabalhar na iniciativa privada e foram submetidos à quarentena de seis meses, período no qual mantiveram os salários que tinham enquanto estavam nos cargos públicos. No entanto, as empresas e entidades que teriam feito os convites contestam a oferta de emprego, como revelou o Estadão. A representação ao TCU foi feita pelo procurador junto ao TCU Lucas Rocha Furtado.

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Na representação, Furtado cita a reportagem. "O teor da matéria jornalística acima reproduzida se reveste de gravidade, demandando, em meu julgamento, a pronta atuação do Tribunal, o qual, quando do exame das condutas praticadas pelos gestores da coisa pública, é competente para examinar o modo pelo qual são geridos os recursos públicos", escreve ele.

Segundo o procurador, a reportagem traz "indícios contundentes de que houve a concessão de quarentena remunerada a ex-autoridades com base em falsas propostas de trabalho, evidenciando crime de falsidade ideológica, que teria ensejado enriquecimento ilícito dos beneficiados".

Agora, o tema será analisado pela área técnica do Tribunal de Contas da União - apesar do nome, o TCU não faz parte do Poder Judiciário, sendo um órgão de assessoria do Congresso Nacional. Caso constate irregularidades, o TCU pode aplicar multas e outras sanções administrativas aos envolvidos. Na mesma representação, o Lucas Rocha Furtado também pede que a Corte apure outra possível irregularidade apontada em reportagem anterior do Estadão: a dispensa indevida da quarentena de autoridades do governo Bolsonaro.

Graças à quarentena, Almir Garnier Santos recebeu R$ 107.084,88 brutos, como civil. Procurada, a Marinha confirmou o pagamento do benefício. Ele já ganha R$ 35.967,57 mensais como militar da reserva. Freire Gomes recebeu um pagamento de R$ 58.690,42 brutos, como civil, em junho passado. O benefício se juntou ao salário de R$ 37.792,02 que ele recebe como general da reserva.

Almir Garnier Santos foi acusado pelo delator Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, de ter impulsionado uma tentativa de golpe de Estado contra o resultado da eleição presidencial de 2022, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) derrotou Jair Bolsonaro. Ao consultar a CEP, Garnier Santos disse ter recebido uma proposta formal para trabalhar como consultor no Sindicato Nacional das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Simde).

Segundo o ex-comandante da Marinha, o sindicato lhe enviou uma carta consultando-o sobre sua disponibilidade para atuar em atividades remuneradas e não remuneradas. No suposto convite apresentado à Comissão, o Simde chega a elogiar o "notório conhecimento" de Garnier sobre assuntos afetos à defesa.

No entanto, questionado pelo Estadão, o sindicato informou que "não houve contratação para o quadro de pessoal nem para prestação de serviço, especificamente pelo Simde, desde 2022 até o momento. A propósito, não há planos de contratação no futuro próximo". O Simde é um sindicato patronal que reúne entre seus filiados mais de 170 indústrias da base industrial de defesa.

Na sua consulta à CEP, em março passado, o general Freire Gomes informou que pretendia trabalhar como consultor de empresas que vendem para as Forças e integrar o Conselho de Administração da Associação Brasileira de Blindagem (Abrablin), de quem diz ter recebido uma proposta formal. Procurada, a Abrablin negou taxativamente a oferta: "Marco Antônio Freire Gomes não faz parte do quadro da associação, bem como não houve qualquer tipo de convite ou sondagem para isso."

Situação semelhante se deu com o ex-diretor do FNDE, Garigham Amarante: ele consultou a CEP em dezembro de 2022, pouco antes de deixar o cargo no FNDE. Ao sair do cargo, Amarante disse pretender trabalhar justamente para uma fabricante de ônibus, a Agrale, como "consultor sobre financiamento estudantil". O processo também traz uma proposta formal de trabalho, inclusive com o CNPJ da empresa.

No entanto, quando procurada pela reportagem, a companhia negou ter feito qualquer proposta. "A direção da Agrale S/A não tem ciência desse assunto. Pode estar havendo algum engano", disse a empresa por meio da assessoria de imprensa.

A Comissão de Ética Pública da Presidência da República concedeu no primeiro semestre deste ano um número recorde de quarentenas. Levantamento obtido pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação revela que, de janeiro a junho, 65 ex-integrantes do governo da presidente afastada Dilma Rousseff tiveram autorização para continuar recebendo os salários por seis meses sem trabalhar, com a condição de que não fossem para a iniciativa privada. O número é maior do que as 62 concessões dadas em 2015 inteiro e mais do que o triplo do permitido no ano anterior.

Em 2011, quando o governo Luiz Inácio Lula da Silva deu lugar à gestão Dilma, foram 11 pedidos de quarentena aceitos.

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Não há um valor total de salários pagos neste período, mas na lista dos favorecidos estão 17 ex-ministros do segundo mandato de Dilma, além de ex-secretários executivos (número 2 de um ministério) e presidentes de estatais, como Correios, Caixa e BNDES. Cada um dos ex-ministros recebe R$ 30,9 mil por mês e os ex-secretários executivos, R$ 29,3 mil.

Já os salários de ex-presidentes de estatais variam, de R$ 46 mil (Giovanni Queiroz, dos Correios) a R$ 123 mil (Aldemir Bendine, da Petrobrás).

Na Caixa, além de Miriam Belchior (R$ 53,3 mil), outros integrantes da direção continuaram recebendo os vencimentos. Entre eles estava Fábio Cleto, ex-vice-presidente do banco que, em delação premiada à força-tarefa da Lava Jato, detalhou um esquema de propina para captar recursos do FI-FGTS. O fundo de investimento que usa uma parte do FGTS dos trabalhadores para aplicar em infraestrutura foi usado, segundo Cleto, para desviar verba para um esquema ligado ao deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Cunha nega.

Pedidos

Segundo a Comissão de Ética Pública da Presidência, desde o fim do ano passado foram feitos 213 pedidos de quarentena, dos quais 102 foram recusados e 5 arquivados. O restante foi concedido ou ainda tramita.

A concessão do benefício é prevista na legislação brasileira para evitar conflito de interesse de quem sai de um cargo público e vai para a iniciativa privada. O objetivo é evitar que essas pessoas usem informações privilegiadas de quando estavam no alto comando da administração federal. Servidores públicos, como o ex-número 2 do Ministério da Educação Luiz Claudio Costa, também têm direito ao benefício.

Entre os ex-ministros estão Jaques Wagner (Casa Civil), Nelson Barbosa (Fazenda), Aloizio Mercadante (Educação), José Eduardo Cardozo (AGU), Miguel Rossetto (Trabalho e Previdência), Valdir Simão (Planejamento), Ricardo Berzoini (Governo), Izabella Teixeira (Meio Ambiente), Inês Magalhães (Cidades), Tereza Campelo (Desenvolvimento Social), Carlos Gabas (Aviação Civil), Aldo Rebelo (Ciência e Tecnologia), Juca Ferreira (Cultura) e Eleonora Menicucci (Secretaria Especial para Mulheres).

Jorge Rodrigo Araújo Messias, o "Bessias", citado em conversa telefônica interceptada pela Polícia Federal entre Dilma e Lula, também pediu quarentena, mas depois retirou a solicitação quando assumiu o cargo de assessor da presidente afastada no Palácio da Alvorada.

Impeachment e lei

O presidente da Comissão de Ética, Mauro de Azevedo Menezes, disse que o recorde de concessões neste ano se deve, além do afastamento de Dilma do cargo, à ampliação do rol de autoridades com direito à quarentena para funcionários de confiança e presidentes, vices e diretores de autarquias, fundações e empresas públicas ou sociedades de economia mista.

A extensão da quarentena foi sancionada em 2013 por Dilma, depois que o projeto foi aprovado no Congresso. "Cada aprovação de um pedido de quarentena tem muita discussão e é feita com base em muitos critérios", disse Menezes. "Todas as vezes que houver mudança de governo com troca significativa de cargos, é natural que haja essa mesma proporção", afirmou. A próxima reunião do colegiado é no dia 22 de agosto.

Entre os pedidos indeferidos está o do ex-presidente do Banco Central Alexandre Tombini, que deve ser o representante do Brasil no Fundo Monetário Nacional (FMI).

Sobre a concessão do benefício a Cleto, o presidente da Comissão de Ética afirmou que no momento da autorização não se sabia publicamente que ele seria investigado pela Operação Lava Jato e fecharia delação premiada. "A quarentena é imposta pelo interesse púbico de proibir que se obtenham na iniciativa privada ganhos decorrentes do trabalho que se exercia na função pública. Cleto admitiu que cometeu esse crime ainda no exercício do cargo", afirmou. "Se alguém viola a quarentena, beneficiando o interesse privado posteriormente ou no exercício do cargo público, o Ministério Público tem de tomar as iniciativas e incriminar."

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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