Acompanhar de perto escolas, professores e estudantes, com visitas frequentes aos centros de ensino; monitorar a aprendizagem dos alunos continuamente e oferecer formação continuada e diversificada aos educadores são algumas das práticas de redes de ensino públicas que se destacam no país por bom desempenho. O estudo Educação que Faz a Diferença, divulgado nesta quinta-feira (25), mapeou 118 redes de ensino municipais com bons resultados no ensino fundamental e que também atingiram critérios mínimos de qualidade na educação infantil.
O estudo foi feito pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), o Instituto Rui Barbosa (IRB) e os Tribunais de Contas do país com jurisdição na esfera municipal e está disponível na internet. O mapeamento foi realizado em 2019, antes da pandemia do novo coronavírus e da suspensão das aulas presenciais. A Agência Brasil conversou com alguns dos gestores dos municípios reconhecidos para saber como as boas práticas, que já adotavam, ajudam agora em momento de crise mundial.
##RECOMENDA##“A gente tem um acompanhamento sistematizado, aluno por aluno, turma por turma, escola por escola. E esse acompanhamento é feito pelo coordenador pedagógico de cada escola. Como a gente já vem de um processo muito bem organizado, onde cada um sabe qual o seu papel, não foi difícil começar a fazer as atividades remotas”, diz a secretária de Educação de Licínio de Almeida, na Bahia, Mychely Teles.
Localizado a 675 quilômetros (km) de Salvador, o município tem 12 de 16 escolas municipais de ensino fundamental na zona rural. Um dos destaques do município, segundo o estudo, é a adoção de um Plano de Ações e Metas, feito com base no desempenho das escolas a cada ano e que serve de referência para o ano seguinte. A cidade conta também com um Núcleo de Atendimento Municipal Especializado, com nutricionista, psicopedagogos e psicólogos, entre outros profissionais.
Com a pandemia, começou a ser implantado a chamada Educação Sem Fronteiras, que oferece aulas online e materiais impressos para aqueles que não conseguem acompanhar as aulas pela internet. Na educação infantil, o material é enviado aos pais e responsáveis, ou aos chamados padrinhos, que são outros entes familiares, vizinhos ou pessoa que ajude na educação das crianças. Não está sendo dado, nessa etapa, nenhum conteúdo novo. A secretária estima que apenas 5% dos alunos não estejam participando das atividades.
“É uma coisa nova, que chegou de surpresa. A gente começou a ressignificar a prática da escola e dos professores. Procuramos fazer o melhor. O que estamos fazendo é o ideal? Acredito que não, mas é o possível no momento”, diz.
Equipe unida
Em Paraíso do Tocantins (TO), a Secretaria de Educação usa até mesmo o transporte escolar para garantir que todos tenham acesso pelo menos ao material impresso. Toda semana, os professores passam novas atividades e as corrigem na semana seguinte. Os pais e responsáveis que não podem buscar o material na escola, tomando os devidos cuidados de proteção para não propagar o vírus, recebem as tarefas em casa.
O material impresso é complementado por videoaulas e por trocas de mensagens por meio de grupos em aplicativos. “Nem todas as famílias têm acesso a essa tecnologia em casa. Fizemos um estudo e detectamos que muitos não têm internet, então distribuímos as tarefas impressas para que ninguém fique sem”, explica, a secretária de Educação do município, Lizete Coelho.
Paraíso do Tocantins é um município com pouco mais de 50 mil habitantes, localizado a cerca de 70 km da capital do estado, Palmas. Na rede municipal há oito escolas urbanas e três rurais. Segundo o estudo, a desburocratização no contato com a secretaria é um ponto positivo. Os educadores afirmam que a comunicação é fluída e acontece por vários meios, como telefone, aplicativo de mensagens, redes sociais, ofícios formais e pessoalmente. As escolas têm autonomia para adaptar suas práticas pedagógicas e currículo segundo as diretrizes da rede. Embora as médias nas avaliações externas sejam relevantes, a secretária enfatiza que a preocupação maior é com o desenvolvimento do aluno como indivíduo.
Lizete conta que o principal segredo para o bom desempenho das escolas é “a união da equipe. O nosso planejamento é participativo. Não fazemos nada na secretaria sem que escola participe. Todo ano construímos a agenda pedagógica, com meta, ações. Definimos onde estamos e onde queremos chegar”, diz.
Habilidades de cada professor
Em Sengés (PR), uma das ações tomadas pela secretaria foi verificar em qual etapa os professores queriam lecionar . “Temos uma equipe boa, mas faltava ver o perfil de cada um. Acertamos o perfil, colocamos na alfabetização ou nas séries maiores de acordo com o perfil dos professores. Demos suporte pedagógico e conseguimos fazer com que os pais participassem mais da vida dos filhos”, diz a secretária de Educação, Rosângela Ferreira.
Conhecer bem as aptidões dos docentes foi, segundo a secretária, importante no momento da pandemia. “Eu sabia que era um desafio grande, tenho professores que têm habilidade com a mídia e outros que não sabem, por exemplo, como formar um grupo no whatsApp. Eu não podia deixar nenhum aluno sem assistência”, diz. A estratégia foi, então, além das apostilas impressas, disponibilizar aulas gravadas com uma equipe de professores na internet, para que toda a rede pudesse acessar.
“Temos um grupo de estudo por série. Os professores se reúnem e decidem o que é prioridade. Fizemos uma flexibilização no planejamento [para o ano] e vimos o que era prioridade para trabalhar neste momento”, explica.
Sengés, fora da Região Nordeste, é o município brasileiro que atende alunos de mais baixo nível socioeconômico. A cidade tem oito escolas urbanas e três rurais. O município fica a 272 km da capital, Curitiba. De acordo com o estudo, a rede trabalha com gestão para resultados, com atribuição de notas para cada uma das unidades de ensino e também para os trabalhos da secretaria. Em 2019, uma psicóloga passou a integrar a equipe para auxiliar nas questões mais complexas envolvendo os estudantes e suas famílias.
Avaliações periódicas
Em Cruz (CE), os estudantes são avaliados constantemente. "Isso é importante porque a gente tem um parâmetro de como estão todas as escolas", afirma o secretário de Educação, Raimundo Motta. "Se eu observo que em uma escola não conseguimos fazer com que as crianças aprendam, a gente chega na escola e tenta saber o por quê. Conversamos com diretores e coordenadores. Com a avaliação, a gente tira uma foto rápida de como está a aprendizagem e tem como fazer intervenção imediata”.
As avaliações seguem em período de distanciamento social e com as aulas presenciais suspensas. Segundo o secretário, 80% dos estudantes têm acesso à internet e estão tendo aulas online. Os demais 20% buscam atividades impressas na escola e têm prazo para devolvê-las aos professores. As avaliações seguem, segundo Motta, medindo o aprendizado.
Cruz é um município que fica a 242 km de Fortaleza. O estudo destaca as instalações físicas das escolas, que estão acima da média da realidade do interior cearense, além do monitoramento quinzenal da aprendizagem dos estudantes em língua portuguesa e matemática. A rede tem cinco escolas urbanas de ensino fundamental e 20 rurais.
Educação que Faz a Diferença
O estudo Educação que Faz a Diferença, para identificar as redes de ensino, analisou indicadores como aprendizado dos estudantes em língua portuguesa e matemática, segundo o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2017, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) atual e evolução desde 2005 e taxas de aprovação, conforme o Censo Escolar.
As redes reconhecidas buscam garantir a aprendizagem da maioria dos alunos, esforçam-se para reduzir as desigualdades e não deixar ninguém para trás, trabalham para que todos fiquem na escola e apresentam avanços consistentes na aprendizagem dos estudantes ao longo dos anos.