Antônio, 53 anos: “O luxo do crime é envelhecer, porque a maioria morre jovem. Então eu tenho esse luxo.”
Ele ainda não se encontra livre e longe das grades do cárcere. Entretanto, possui novas perspectivas e planos para quando deixar a cadeia. Seu maior desejo é que esse dia chegue o quanto antes. Sua vida foi transformada pela educação e pela paixão pela leitura.
##RECOMENDA##É na pequena e simples biblioteca do Centro de Recuperação Penitenciário do Pará (CRPP 1), no Complexo Penitenciário de Americano, em meio aos livros e carteiras, que ele encontrou um refúgio. A leitura lhe proporcionou oportunidades de, mesmo no cárcere, conhecer um novo universo e o fez aprender a pensar além dos muros que o cercavam. “Não há mudança sem educação. O homem sem educação não é socializado, não é um bom cidadão, não tem como. É por isso que o crime por si só tem carta branca pra destruir, porque 99% dos criminosos são analfabetos, semianalfabetos ou mal têm a 8° série.”
Antônio Carlos Almeida, 53 anos, natural de Ananindeua, município da Região Metropolitana de Belém, possui uma trajetória de vida como a de muitos meninos de periferias que, pela falta de oportunidades, vislumbram um modo de ganhar dinheiro se envolvendo com a criminalidade. Sem incentivos, odiava e sentia-se obrigado a estudar. Parou os estudos na sexta série do ensino fundamental, com 16 anos de idade. “Eu concluí a sexta série daquele jeito, família pobre, todos vocês sabem como funciona essa pobreza. O mundo do crime sempre foi bem presente na minha vida”, disse.
Foi preso pela primeira vez em 1995, aos 29 anos de idade. Voltou a ser preso em 2006, por assaltos, principalmente a bancos. Passou seis meses preso em Americano. Em seguida foi transferido para a recém-inaugurada penitenciária federal de segurança máxima em Catanduvas, localizada a 476 quilômetros de Curitiba, no Paraná, destinada exclusivamente a presos de alta periculosidade e líderes de organizações criminosas.
Como estava em estado de Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), em que ficava recolhido em uma cela individual por cerca de 22 horas, com saída apenas em casos de emergência para atendimento médico e com banho de sol de forma isolada, sua única companhia eram os livros.
Antônio começou escrevendo como uma forma de se ocupar, passar o tempo e amenizar a dor. Porém, pouco a pouco foi descobrindo o seu talento para a escrita. “Quando eu fui para o presídio federal do Paraná, a única coisa que tinha lá eram os livros e mais nada. Então aquela cadeia me ajudou porque eu comecei a ler e li mais de 200 livros. Só a bíblia eu li 7 vezes. Eu li muito, eu lia das 6 da manhã até às 10 da noite. Dentro do isolamento também comecei a escrever. Então pra eu passar 15, 20, 30 dias confinado, eu pedia papel e caneta e passava o dia escrevendo. Pensei em me matar duas vezes. Só não achei coragem, porque o sofrimento é muito grande”, revelou.
De aprendiz a escritor
O hábito da leitura constante, de diversas obras, não somente lhe trouxe reflexão e conhecimento como o fez aprender como funciona a estrutura de narrativas. Enriqueceu seu vocabulário e lhe estimulou a criar seus próprios textos em seus livros. “Por eu ler muito, eu entendi como era que escrevia, porque a gente vai lendo e eu fui entender como é que todo aquele texto e contexto funcionam. O diálogo, as personalidades que têm que ser encaixadas, a história que tem que ser estruturada. Eu fiquei pensando e comecei a escrever ainda mais”, contou Antônio.
Os livros são todos escritos à mão, com letras de fôrma, uns a caneta e outros a lápis. Antônio escreve primeiro em folhas separadas e depois passa a limpo nos cadernos de capa dura, mostrando toda sua dedicação e capricho. Ao folhear e ler alguns trechos, percebe-se a organização perfeita. Todos possuem prefácio, sumário e numeração em todas as páginas, idêntico a qualquer exemplar de livrarias. A letra perfeitamente legível e a excelente ortografia e gramática impressionam. Sem falar na linguagem saborosa e na forma de escrever que envolvem o leitor. Alguns possuem ilustrações, feitas também à mão, com lápis de cor, por um colega de cela.
Antônio conta que os amigos do presídio leem seus livros e ficam fascinados com as histórias. “Tem até briga pra ler primeiro. Eles dizem: se melhorar estraga”, contou sorrindo. Ele digita no computador da unidade, passa os arquivos para um pen-drive e entrega aos filhos nos dias de visita. Em sua casa os livros estão impressos, encadernados e devidamente guardados.
O que mais chama a atenção são as temáticas abordadas. Diferentemente do que se imagina, que os temas seriam relacionados ao mundo prisional, a vida no crime, ou algo do tipo, Antônio explica que preferiu se distanciar da questão do crime e abordar algo diferente da realidade vivida por ele. Um de seus livros, por exemplo, é direcionado ao público infantil.
“Eu tenho mais de 40 livros escritos, só que eu não escrevi nada sobre o crime, pela questão de ser pessoal, algo meu. Os irmãos que estão no cárcere querem escrever sobre a vida deles. Algo relacionado a isso. Mas eu não, eu não quis mexer com isso. É difícil ver um preso, privado de liberdade, passando por um sofrimento pessoal que é um inferno próprio, escrever algo que fuja do que acontece aqui dentro. Fiz variados livros para crianças, livros de terror, livros de comédia, ficção. Então no decorrer desses anos todos, é o que eu tô fazendo no cárcere”, informa.
A história de Antônio exemplifica o quanto a educação tem um poder de mudar vidas. Antônio se sente privilegiado por ter tido a oportunidade de concluir seus estudos na cadeia. Atualmente cursa faculdade de Teologia a distância, por meio da sala informática presente na unidade. Está feliz e muito esperançoso, porém lamenta que estes projetos não consigam abranger todos os presídios.
“Nessas cadeias todas que eu passei e até por outras, existem pessoas inteligentes. Existem diamantes a serem lapidados. Concluí a 8ª série, fiz o primeiro, segundo e terceiro anos do ensino médio. Fiz o Enem, passei duas vezes e veio a faculdade. Eu me formo ano que vem em Teologia. Tive a honra de conhecer os professores e coordenadores de educação, eu digo que eles foram como os meus pais no cárcere”, relatou.
Antônio relembra um dos momentos mais emocionantes de sua vida, estando ainda preso. O dia em que foi expor algumas de suas obras na 20ª Feira Pan-Amazônica do Livro, em 2016. “Eu apresentei alguns livros que já estavam digitados, como ‘O menino que voava’, que é um conto infantil, e ‘Pequenos defensores da escola’, que eu fiz relacionado com os meus filhos”, contou. “Um dia, eu acredito que vou conseguir lançar um desses livros. Eu só preciso que alguém pegue, analise, pra dizer se dá, se não dá, se precisa de melhorias. Eu tenho um vasto material, e eu preciso de um incentivo, e de poder dizer pra mim mesmo: ‘Agora vou terminar minhas histórias porque vai ter alguém que vai acreditar e vai lançar’.”
Antônio sonha em se voluntariar para orientar e contar sobre sua experiência de vida para outras pessoas, no caso aqueles que são tidos como “o futuro”. “Uma das minhas metas é ir nas escolas, com datashow e juntar um auditório de jovens e adolescentes. E poder falar pra eles o que é o crime, como começa e como termina. Isso me queima por dentro. Então se eu puder, eu vou fazer isso”, diz.
Expectativa de volta
Pai de oito filhos e avô de seis netos, Antônio não vê a hora de voltar a viver com a família. “O meu pai morreu em novembro de 2009. Em agosto foi me visitar no CRA III e eu me abracei com ele e prometi: ‘Meu pai, o dia que eu sair, nunca mais alguém me põe uma algema na minha vida’. Essa foi uma promessa que eu fiz pra mim mesmo, pra minha família. Eles podem me ter como um problema, mas eu não sou mais um problema pro cárcere, eu sou a solução do problema.”
Ivanilsa Aguiar, 44 anos, é técnica pedagoga e chefe de reinserção social no CRPP I. Ela acompanha a transformação de Antônio há quatro anos e não esconde a felicidade ao falar do aluno. “O seu Antônio é um grande exemplo para a gente, porque ele fez o fundamental, terminou o médio e agora tá na faculdade. Ele é um exemplo de mudança, de transformação, e isso tudo se deu através da educação. Eu acredito naquilo que eu faço, e vejo um pouco do meu profissionalismo espelhado nisso. Quando a gente vê uma pessoa dessa transformada, percebe que tudo valeu a pena”, afirmou, orgulhosa.
Por Caroline Monteiro.