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Chovia em excesso naquela madrugada de 1938, no sertão sergipano. Nas barracas montadas na antiga fazenda Angico, 34 cangaceiros dormiam sobre a tranquilidade do local que, para Virgulino Ferreira da Silva, era o esconderijo de maior segurança. Até aquela madrugada de 1938. Outra chuva, de balas, irrompeu da mata quando os policiais do Tenente João Bezerra e do Sargento Aniceto Rodrigues da Silva encontraram o bando de Lampião. Onze morreram ali mesmo, derrotados pelas metralhadoras portáteis dos algozes. Alguns, como Maria Bonita, foram degolados ainda com vida. Era 28 de julho, 80 anos atrás.

“Neste sábado não homenageamos o aniversário de morte de Lampião, mas os 80 anos do assassinato de Lampião. O que aconteceu em Angico foi uma tragédia. Os cangaceiros foram cruelmente assassinados sem qualquer chance de defesa”, assevera Rosa Bezerra, psicóloga e pesquisadora do cangaço. A ligação vem do sangue: Generino Bezerra, pai de Rosa, chegou a fazer parte do bando de Lampião, durante muitas andanças pelo interior de Pernambuco. Até hoje, a estudiosa busca manter viva a memória do cangaço e, mais que isso, retificá-la. “A mídia e a historiografia tratam os cangaceiros como bandidos, porque a versão oficial foi construída pelo Estado, por quem esses homens sempre foram criminalizados”, aponta Rosa.

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Corre em Rosa uma veia que palpita ao lembrar “da injustiça” contra os seus. Ela sabe, sim, que a “profissão-cangaço” era sujar as mãos. Segundo pesquisa da Fundação Joaquim Nabuco, o grupo de Lampião, ao invadir vilas e povoados, dizimava e matava com requintes de crueldade. “As violências cometidas pelo bando eram inúmeras: tatuagem a fogo, corte de orelha ou de língua, castração, estupro, morte lenta, entre outras”. Entretanto, para Rosa Bezerra, a postura de Virgulino e seus seguidores era contra-ataque, respostas a anos e anos de crimes cometidos pelos grandes fazendeiros, senhores de terra, contra os povos economicamente menos abastados. “Para o sertanejo, Lampião era uma espécie justiceiro”, qualifica Rosa, que é autora do livro A representação social do cangaço.

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Anualmente, como homenagem aos 11 mortos no 28 de julho, familiares, admiradores, pesquisadores e curiosos se reúnem na Grota de Angico, no município sergipano de Poço Redondo, para a tradicional Missa do Cangaço. Rosa Bezerra, que mora em Recife, não perde o evento mais importante do ano para aqueles que veem no cangaço um dos mais importantes fenômenos de resistência social do sertão nordestino.

Poder feminino no cangaço

Primeira metade do século XX, interior nordestino. A concepção de um território machista é automaticamente atrelado ao cangaço. Em contraposição a essa ideia, pesquisadores - como Rosa Bezerra - defendem que as mulheres cangaceiras quebraram paradigmas através de atitudes de resistência e valentia.

“As mulheres romperam com a estrutura social da época. Portavam armas, apesar de serem resguardadas das batalhas (exceto Dadá, mulher de Corisco, que era exímia combatente). Usavam vestidos que iam só até acima do joelho, quando o natural da época era até o tornozelo. Na minha opinião, foi gestado ali, no semiárido nordestino, o início do feminismo no país”, sustenta a pesquisadora.  

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Diversos estudos e obras refletem sobre a participação determinante da mulher no cangaço. Neste artigo de Yzy Maria e Yls Rabelo Câmara, as figuras de Dadá e Maria Bonita são demonstradas como elementos fundamentais na história dos cangaceiros. O documentário Feminino Cangaço  segue a mesma linha e, a partir de uma série de entrevistas, oferece um amplo panorama sobre o papel da mulher neste contexto histórico-cultural.

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