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Pedro* e Antônio* temem não poder adotar uma criança no futuro. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

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Pedro* já tinha perdido o emprego e a família. Negro, gay e educador, ele recebeu com apreensão a notícia de que o então deputado federal Jair Bolsonaro vencera as eleições presidenciais. Imediatamente, surgiu o desejo de antecipar os planos de se casar com seu companheiro, Antônio*, com quem namora há três e dividiu residência em 2018. “Durante esse ano, eu já vinha abrindo mão de parte dos debates sobre corpo e sexualidade em sala de aula, além de ter sido demitido de uma academia por dar aulas de dança de salto alto. Estávamos em más condições financeiras e pensávamos: ‘de onde vamos tirar dinheiro para casar?’”, conta. A resposta veio em um folder da ONG Mães pela Diversidade, que, há cerca de um mês, tomou a iniciativa de realizar um casamento coletivo exclusivo e sem custos para a comunidade LGBT. Devidamente cadastrados, Pedro e Antônio formam um dos 100 casais cadastrados para a união civil e estão entre os 60 que celebrarão o enlace às 19h do dia 19 de dezembro, em evento no Armazém 21, no bairro de Afogados, Zona Oeste do Recife.

“A gente sabia que a situação ia ficar complicada, então começamos a nos preocupar muito com oficializar nossa união. Não há uma lei, mas uma jurisprudência que reconhece nossos casamentos. O que me garante que o presidente eleito, com uma bancada poderosa, não vai proibir? Não quero pagar para ver”, afirma Antônio. Mais discreto nas ruas do que antes, por medo de “tomar uma tapa ou um tiro”, o noivo de Pedro vê suas perspectivas de vida tornarem-se mais nebulosas. “A gente tem certeza de que quer adotar pelo menos uma criança, daqui a uns seis anos, quando poderemos oferecer uma boa estrutura de vida para ela. Temo que a onda conservadora impeça isso de acontecer. Não falta gente para ser adotada, mas preferem criticar o LGBT que quer criar seus filhos”, completa.

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De acordo com a coordenadora da ONG Mães pela Diversidade, Gi Carvalho, a cerimônia vai além de uma tentativa de garantir que os casamentos aconteçam. “O que acho legal do evento é que mesmo com todo esse terror, a gente está vendo diversos voluntários, muitos deles heterossexuais e cisgêneros, chegando junto para oferecer seus serviços. Querem ajudar. Essas pessoas mostram que a comunidade LGBT não está sozinha”, defende.

Mãe de uma lésbica, Gi teve a ideia de organizar o casamento coletivo após ver a filha adoecer após o resultado das eleições e receber uma série de mensagens de pessoas ligadas à ONG. “Muitos relatos de angústia. Minha filha está paralisada, não vai se casar com a companheira na cerimônia que estamos organizando por medo de se expor. Eu tinha que fazer alguma coisa”, completa.

Para Gi Carvalho, o momento é de mostrar que a comunidade LGBT não está sozinha. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

A primeira atitude foi a de procurar o defensor público Henrique da Fonte, que prontamente se colocou à disposição da organização. Para ele, o momento é de reafirmação de direitos. “São conquistas recentes. A união civil entre pessoas do mesmo sexo foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011 e, depois, em 2013, por uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que também estabelece punições para os cartórios que se negarem a realizar este tipo de casamento”, explica.

Atravessando os posicionamentos do STF e do CNJ, existe o Projeto de Decreto Legislativo (PDS) nº 103, de 2013, de autoria do senador Magno Malta (PR), um dos maiores aliados políticos de Bolsonaro, que visa sustar os efeitos da Resolução nº 175 do CNJ. O PDS voltou à tona neste novembro, quando foi colocado em consulta pública no site do Senado Federal. Até o fechamento desta reportagem, a votação seguia disponível ao público, com o resultado parcial de 429.456 votos contrários a Magno Malta e 28.699 a favor. “Para ocorrer uma mudança nesse sentido, teria que haver uma nova lei. Não seria apenas numa canetada, mas não impede que esse novo ato normativo seja novamente questionado no senado”, explica Henrique da Fonte.

“Ninguém aqui vai voltar pro armário”

Jaque Pinheiro e Késia Salgado anteciparam o casamento após o resultado das eleições. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

Jaque Pinheiro e Késia Salgado, idealizadoras do Projeto La Dolceta, que afirmam ser a primeira doceria erótica do país, também resolveram antecipar o casamento após a eleição de Bolsonaro. “Já estávamos tentando viabilizar um mutirão para realizar um casamento coletivo e uma amiga nos colocou em contato com Henrique, que logo passou o telefone do Mães pela Diversidade. Aceleramos o processo porque a gente vê como nossas pautas vêm sendo tratadas pelo presidente eleito”, lembra Jaque. Segundo Késia, a empresa do casal possui uma pauta específica da militância das mulheres e LGBT’s. “O processo da LGBTfobia e as violências que a comunidade sofre não são novidade para ninguém. A sociedade que elegeu esse presidente é misógina, machista, racista e LGBTfóbica. A luta e a resistência sempre existiram”, acrescenta. 

Diante da conjuntura política conservadora, o casal não pretende mudar em nada sua postura política ou seu comportamento nas ruas. Jaqueline, contudo, frisa que que o temor é maior do que antes. “Mas acho que é isso que eles querem: nos silenciar, estancar nossa luta, porque o medo paralisa. Isso não vai acontecer. Ninguém aqui vai voltar pro armário”, avisa.

Festa solidária

A boate Metrópole cedeu seu espaço para uma “Despedida de Solteiro” dos casais cadastrados no casamento coletivo. Toda a renda do evento será destinada à realização da cerimônia. “Os noivos não pagam para participar, mas tem obrigação de lotar a festa”, brinca Gi Carvalho.

*nome fictício

Serviço//Despedida de Solteiro

Dia: Quinta, 13/12

Hora: 20h

Endereço: Rua das Ninfas, 125, Boa Vista

Entrada: R$ 10

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