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Por Maira Baracho e Marina Suassuna
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"Iniciei minha vida no mundo das artes sendo um pixador, aos 9 anos de idade. Era uma criança que gostava de desenhar nas paredes, pra mim isso nunca seria um crime. Com 16 anos fiz meus primeiros grafites, impulsionado pelo rap. Passei a levar mais do que meu nome para os muros, passei a levar o que penso, o que preciso dizer". É assim que o pernambucano Galo de Souza, aos 33 anos de idade, grafiteiro há 20 anos, define sua trajetória de vida no texto de apresentação do seu blog. Para o artista, a pichação começou a ter espaço em sua vida ao mesmo em que aprendia a ler. Nos anos 1990, Galo conheceu o grafite e incorporou a rítmica nos desenhos que fazia na rua. "A diferença entre os dois é política, é de consciência, fora isso, ambos precisam se expressar. A gente pinta as ruas como se fossem cavernas, porque a gente precisa se expressar", explica.
Todavia, o rótulo de ex-pichador não se aplica a todo grafiteiro. "Se o cara já pichava ou não, é uma coinscidência. Os pichadores já estavam nas ruas e não sabiam o que era o grafite. Quando descobriram e quiseram fazer, foi mais fácil porque já faziam isso de outra forma. Já um cara que nunca pichou e conhece o grafite, passa a entender a linguagem, aprende as técnicas, começa a entender como funciona." A intensa participação do grafite nos circuitos de arte do mundo ajuda a diferenciar este movimento do que se conhece por pichação. A ideia é diferente e, ao contrário das pichações, o grafite se apresenta como arte, tem um propósito estético, uma preocupação. A pichação ainda existe, principalmente nas periferias. Mas já deixa de ser enquadrada na mesma situação do grafite, mesmo sendo responsável por originá-lo. Tornou-se óbvio caracterizar cada um.
Tendo a rua como cenário, os grafiteiros dão vida a sua inquietação artística no momento em que intervêm nos espaços públicos de maneira pacífica, pensando na possibilidade de diálogo entre as pessoas. A ideia de comunicar, sinalizar o que gostam, o que não gostam, pontuar valores, vai fazendo do grafite uma linguagem onipresente no cotidiano da cidade, conquistando um espaço de atuação que não escapa de fotografias, filmagens e principalmente dos olhos de quem transita nas ruas do Recife. "Quando eu ando pela rua, já fico olhando para as paredes e pensando: pô, aqui tem que ter um trampo", conta Galo, que também acredita na galerização da arte de rua como um fator positivo. Para a maioria dos artistas, o fato de estar ocupando museus e galerias não compromete o mérito do grafite, que, dessa forma, se torna cada vez mais visível. " O grafite pode ir em galeria, pode estar no livro, ele sempre esteve em vários lugares", defende Galo. Mesmo sem abrir mão de participar de exposições, Cajú, ex-pichador e grafiteiro há 10 anos, é enfático: "Nós não podemos deixar a rua, se não perdemos nossa essência".
Entretanto, o circuito de arte, os salões e os museus continuam abrigando pessoas conservadoras, que muitas vezes resistem à afirmação do grafite nestes espaços. Mas isso não é visto inteiramente como um problema: o grafite nasceu nas ruas e esta atitude ainda é o que garante sua existência. Os ambientes renomados do meio artístico podem fechar suas portas para os grafiteiros, mas as ruas sempre vão ter um muro em branco, pronto para receber uma mensagem urbana. O pernambucano Derlon Almeida tem no grafite uma escola. Aos 14 anos, ele conheceu a arte urbana, aos 19 começou a produzir e entender a manifestação, incentivados por artistas como Galo de Souza.
Hoje, aos 27, Derlon se apresenta como artista plástico e já levou seu trabalho para o Rio de Janeiro – onde expôs quatro vezes -, Holanda e para espaços expositivos pernambucanos como o Museu do Estado, o Museu Murillo La Greca, a Sala Nordeste e a Torre Malakoff, ao lado de figuras renomadas como Abelardo da Hora e J. Borges. Para Derlon, a ligação com a rua gera estranhamentos. “Às vezes, isso gera um pouco de dificuldade porque as pessoas pensam 'ah, ele é das ruas', mas não tem problema”, revela. "'Ele' não necessariamente precisa estar nesse circuito, ele pode ser tatuador, o que for, e nas horas livres sair às ruas. Eu, por exemplo, trabalho como artista plástico e tenho que fazer esse equilíbrio", diz o artista. Derlon nota uma resistência entre os consumidores de arte, o que influencia na decisão de curadores, apesar de existirem vários grafiteiros inseridos no circuito representando bem essa categoria de artistas.
Dentro do próprio segmento existe resistência. Artistas que começaram nas ruas e jamais saíram dela, questionam a entrada do grafite nas galerias. “Tem gente que acha que o grafite tem que ficar só na rua, questionam aqueles que querem levar sua arte para outros lugares, mas acho isso bom, as pessoas tem o direito de se expressar”, afirma Derlon.
De forma autossuficiente, sem hierarquia e obrigações uns com os outros, os grafiteiros criaram o costume de se organizar em coletivos, também chamados de crews. Dessa forma, os artistas tendem para uma nova forma de expressão, em que se conectam com outros grafiteiros que atuam em linhas diferentes da arte de rua para culminarem no mesmo objetivo. Eles produzem eventos, sem periodicidade, em que se reúnem para promover mutirões de grafite. Uma cadeia de produção acaba sendo movida por artistas em diferentes linhas e locais de ação e atuação. Existem os que dão aula em presídios, em organizações educativas, os que pintam carros, trabalham com design, ou atuam apenas nas ruas. A tendência, segundo Galo, é as oportunidades se abrirem. "O grafite envolve muita gente, muita criatividade. Quanto mais arte diferente, mais as pessoas irão refletir sobre esse momento, essa situação".
O momento e a entrada no circuito tradicional de arte - O reconhecimento do grafite enquanto arte vem se fortalecendo, principalmente, nos últimos 10 anos. Esse acesso a outro ambiente gera a afirmação destes próprios artistas, que propõem novos estilos, novas linguagens e permitem ao grafiteiro se relacionar de uma nova maneira com sua arte. “Minha estética não é agressiva, mas a atitude de ir às ruas pintar permanece a mesma”, explica Derlon. Galo sintetiza o atual momento do grafite como uma economia criativa: "Talvez tenham roubado esse termo do grafite. A gente vem fazendo economia com criatividade, a criatividade vai construindo a nossa própria economia", avalia. O grafiteiro chama atenção para os artistas que trabalham na base, atuando de maneira pouco visível, mas comprometidos com a causa artística, a exemplo daqueles que dão aula. "É algo ativista, é um trabalho, nós criamos filhos, construímos casa... Não é só uma brincadeira de pintar, é muito mais que isso. E vai amadurecer cada vez mais. Eu acredito que nós, grafiteiros, vamos ser os Picassos do futuro, o movimento muralista que lá na frente vai estar conectando outras linguagens como filosofia, história, matemática, português", prevê Galo.
Derlon acredita que esse novo momento não é fruto de uma "bondade" do circuito e dos espaços. O artista enxerga o que vem acontecendo como um reflexo da qualidade das produções. Essa entrada não tirou dos artistas a liberdade criativa. “Os artistas começaram a mergulhar num campo de pesquisa muito mais amplo, fizeram das ruas uma verdadeira galeria aberta, tiveram essa preocupação estética e acabaram sendo sugados para as galerias”, explica. É uma nova cena da arte urbana, que acontece em sintonia com o que é feito nas ruas. O artista expõe num museu, mas isso não contém o desejo de pintar o espaço urbano e coletivo, o poste, o chão, os elementos da cidade e isso também faz o grafite se expandir.
Brasil, mercado de trabalho e futuro
Derlon segue o caminho do sucesso traçado pelo novo momento do grafite no mundo, mas acredita que a manifestação ainda tem muito espaço para conquistar no circuito de arte. O grafiteiro acredita que o crescimento e afirmação desta arte se deve mais ao que é produzido do que ao espaço que é dado. “O artista não pode manter sempre a mesma obra, tem que pensar coisas novas, se atualizar, pesquisar novas influencias, eu mesmo já mudei muito meu trabalho em poucos anos, se você faz isso consegue manter sua obras por muitos anos, o mercado suporta”, conta Derlon. O Brasil é um expoente deste processo, a arte urbana do país é forte e tem muitas produções. São Paulo, maior cidade brasileira e uma das maiores metrópoles do mundo, é uma das cidades referência quando se fala nesta arte, que muitos já chamam de pós-grafite.
Derlon esteve recentemente em Amsterdam, capital da Holanda, em um projeto que envolveu 7 artistas brasileiros, em que cada uma pintava um prédio. Ele acha super importante viajar, trocar ideias, vivenciar outras cenas, conhecer outros artistas. “Comecei a viajar muitas vezes por conta própria”, conta. Na viagem a Amsterdam, muitos artistas locais questionaram a escolha por brasileiros e a produtora do evento justificou a decisão a partir do caráter "mais concreto" do nosso trabalho.
Não se fala de grafite no Brasil sem citar os Gêmeos. Eles atuam em dupla desde os anos 80 e estão entre os cinco maiores nomes do grafite mundial. “É impressionante a capacidade criativa, eles dialogam com vários elementos. A posição deles não é demagogia”, opina Derlon. A evolução da cena proporciona o reconhecimento de muitos estilos. No Recife, muitos nomes têm ganho destaque por sua identidade forte.
"Mais do que um trabalho, o grafite para mim é uma missão", declara Galo, que recebe convites de trabalho com frequência e também tem seu planejamento interno, criando ilustrações para livros e discos, entre outros. "Nem sempre dá pra fazer tudo o que eu quero, mas, aos poucos, eu vou me concentrando e realizando, como o livro que estou fazendo junto com uma amiga advogada de Porto Alegre. A ideia é falar da arte do direito e do direito à arte". Galo já passou por locais como Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará, Brasília, Piauí, Paraíba, Curitiba, Florianópolis, entre outros. Fora do Brasil, encarou trabalhos na Suécia, Dinamarca, Holanda, Áustria, Portugal e Peru.
Técnicas - As obras de Derlon lembram muito a estética do cordel, mas a capacidade de dialogar com o público vai além desta referência. “Quem não conhece o cordel,
lá fora, sente o mesmo impacto, isso é impressionante: o poder de comunicação desta estética, são os mesmos sentimentos. A imagem tem essa simplicidade que torna ela universal”, explica o artista. Enquanto Derlon destaca entre as técnicas utilizadas o spray, rolo, colagem (lambe-lambe), pincel e estêncil, Galo brinca com o sombreado, volume, luz e a anatomia dos desenhos, seguindo uma modalidade própria, sem seguir tendências. "A minha regra é freestyle, chegar e criar, não tem como programar o que a gente vai fazer, o processo de criação é uma coisa que flui", diz Galo sobre seu processo criaivo. Personagens se repetem em suas composições, como a nuvem, a bicicleta, a casa, o 'LA' de Love Art. Galo explica que seu grafite sempre teve a ideia de comunicar.
Desenhos com frases, balões e pensamentos presentes em suas artes dão a idea de diálogo para quem passa na rua. Muito de sua cultura e produção são inspirados no Criativismo, movimento que criou e imprimiu em suas manifestações. "Tem o cubismo, o surrealismo, expressionismo, então eu também quis criar um 'ismo'. O criativismo é criatividade com ativismo, criativismo no sentido mais orgânico, o que eu crio como vida, não só como arte", diz Galo. Segundo o ex-pichador, o seu grafite já passou de grafite: "Eu dou o nome de Galoffitis, é a minha marca", resume.
A busca por uma marca é o caminho escolhido pela maior parte dos grafiteiros que se destacam, seja na rua, seja em galerias de arte e museus. Galo e Derlon são dois ótimos exemplos de personalidade criativa que vão além do óbvio e rompem barreiras com sua criatividade e talento.